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4 ANÁLISE E DISCUSSÃO

4.1 O ATENDIMENTO À CRIANÇA SURDA NA CIDADE DE SALVADOR

4.1.1 Rede municipal de ensino

4.1.1.2 Escolas com alunos que se comunicam por gestos

Apesar de ter sido levantada a informação, por meio de contato telefônico, que apenas a escola ER6 teria aluno surdo comunicando-se, predominantemente, através de gestos domésticos, ao entrevistar o professor e o vice-diretor da escola ER7, descobrimos que o aluno surdo dessa escola não se comunica por Libras, mas sim, através de gestos.

É importante sinalizar que as informações apresentadas sobre o perfil desses alunos foram fornecidas pelas escolas. Ou seja, as informações referentes à surdez e ao meio de comunicação utilizado pelos alunos não foram confirmadas através de diagnóstico. Muitas escolas não tinham o exame audiológico dos alunos e não foi objetivo desta pesquisa realizar avaliações audiológicas e linguísticas.

Assim sendo, as informações discutidas por este trabalho referem-se à forma como a escola compreende seus alunos. A mudança de informação referente ao meio de comunicação utilizado pelo aluno surdo incluído na escola ER7 não foi devido à realização de uma avaliação, foi decorrente dos relatos do vice-diretor e do professor durante a entrevista.

Desse modo, dentre as oito escolas regulares visitadas, as escolas que declararam ter alunos surdos que utilizam gestos como principal forma de comunicação foram as ER6 e ER7. Cada uma possui, apenas, um aluno surdo incluído na sala comum. O aluno identificado na escola ER6 tem 7 anos de idade e cursa o 1º ano do ensino fundamental. A aluna surda incluída na escola ER7 tem 14 anos de idade e está no 5º ano do ensino fundamental.

Neste momento, é importante destacar um ponto similar identificado nas duas escolas. Apesar de terem declarado, por contato telefônico, que possuíam alunos surdos, percebemos, a partir das visitas realizadas, que essa informação era, apenas, uma suspeita da escola. As duas escolas relataram ter dificuldades com as famílias dos alunos e as têm orientado a buscar diagnóstico e acompanhamento para seus filhos.

Na escola ER6, o aluno em questão pertence a uma família que vivencia grandes dificuldades financeiras. Uma das justificativas da mãe para, ainda, não ter conseguido diagnosticar seu filho, diz respeito à falta de dinheiro para o transporte, não podendo levá-lo para fazer os exames solicitados pelo médico do posto de saúde. Segundo o professor ER6, observam-se dificuldades auditivas no aluno, ele percebe, apenas, sons fortes, sendo sua comunicação baseada em gestos domésticos e vocalizações.

Já a escola ER7 relata que a mãe é bastante contraditória com relação ao diagnostico da filha. Em alguns momentos, informa que a criança tem perda auditiva bilateral, enquanto que em outros momentos, diz que a criança ouve, mas tem preguiça de falar. A escola já solicitou à mãe várias vezes o diagnóstico médico, mas nunca teve acesso.

Conforme o professor ER7, a aluna:

[...] se comunica por gestos, mas não chegam a ser Libras, são gestos particulares dela com os colegas. Eles vão mantendo a comunicação com base na adivinhação. Na verdade, ela só emite som mesmo de água, o nome dela [...] e irmã também [...]. Só que a mãe diz que em casa ela fala tudo normalmente. E assim, tem cinco anos que ela é minha aluna, [...] e ela nunca falou nenhuma palavra que não fosse essa, mas a mãe continua afirmando que em casa ela fala tudo. [...] se falar um comando ela compreende, mas ela não consegue dizer para mim (PROFESSOR – ER7).

Com base na realidade dessas duas escolas algumas questões precisam ser levantadas. A responsabilidade pelo diagnóstico e assistência aos alunos é apenas da família? Não seria, também, responsabilidade do sistema de ensino inclusivo

prover meios para que aquelas necessidades do aluno que a escola não pode intervir diretamente, mas que comprometem o desenvolvimento escolar do aluno, sejam assistidas?

Para que isso fosse possível, seria preciso existir um sistema integrado, com gestores mais atuantes, a partir do qual as diferentes instâncias estariam interligadas. Quando questionadas sobre as relações com a prefeitura, as escolas relatam a existência de contatos breves. Como por exemplo, o envio de materiais produzidos pelo MEC e a solicitação dos dados das matrículas dos alunos com deficiência. Porém, nunca receberam visitas de profissionais especializados com o intuito de conhecer e acompanhar a realidade dos alunos, dos professores e da escola.

O vice-diretor da escola ER7 informa que a aluna que suspeitam ser surda estuda na escola desde 2004. A única ação da prefeitura para possibilitar diagnóstico e acompanhamentos foi no ano de 2010, quando enviaram para as escolas uma lista com o nome de locais de atendimento. Contudo, essa foi uma ação geral, não foi direcionada ao caso da aluna.

O vice-diretor ER7 reconhece que nestes anos tanto a prefeitura não deu assessoria à escola, como também a escola não buscou. A escola tem o conhecimento de que existe um setor da prefeitura que por telefone tira dúvidas, serviço já utilizado por ela uma vez, para obter orientações de como proceder com um aluno com lábio leporino, mas que no caso dessa aluna nunca foi usado.

As conseqüências do descaso do sistema educacional municipal como um todo para a inclusão dessa aluna revelam-se na fala do vice-diretor e do professor ER7:

[...] acho que ela está aqui desde 2004. [...] pouquíssimo rendimento. É como se em alguns momentos realmente o professor não soubesse lidar com ela. [...] alguma séries não poderia reter, ela passa mesmo de uma série para outra [...], porque o sistema é ciclo. Então assim, em algumas séries você retém, em outras não. [...] então, ela ia passando de um segmento para outro, mas assim, com grandes dificuldades, sem conseguir mesmo acompanhar a turma. Ela consegue ser copista; o caderno organizado; mas, não compreende o que a professora esta falando, não consegue entender o que ela estava dizendo. Em alguns momentos o que ela queria perguntava à irmã ou a outro coleguinha da sala [...] ai, às vezes, muito dispersa. Esses últimos dias mesmo [...] que ela ficou na sala, dispersa mesmo, demonstrando desinteresse,mas até um desinteresse compreendido (VICE-DIRETOR – ER7).

É um faz de conta, na verdade. Porque ela só copia, [...] ela não lê, só escreve o nome dela. Então, ela não avançou em nada [...] operações matemáticas ela, também, não faz, nada disso. Porque ela não compreende os comandos da professora, nem a anterior a mim, nem a mim. Isso desestimula ela bastante, tanto é que esse ano ela abandonou a escola. [...] os primeiros anos foi aluna frequente, começou mais do ano passado para cá. Acho que ela já está mocinha, já está maior, começou a desestimular [...] (PROFESSOR – ER7).

Assim, com base na realidade encontrada nessas duas escolas, devido a terem dúvida quanto ao comprometimento que acomete seus dois alunos, julgamos pertinente não realizar considerações específicas sobre a prática pedagógica desenvolvida com os alunos.Constatamos que os dois alunos surdos identificados como usuários de gestos, na verdade, ainda não foram diagnosticados e não tiveram acesso a acompanhamentos adequados, revelando a falta de assistência oferecida pelo sistema de ensino para o diagnóstico das dificuldades dos estudantes. As escolas percebem que seus alunos possuem dificuldades, mas estão impossibilitadas de atuar conscientemente na formação deles, seja por descompromisso ou dificuldades dos pais, seja por falta de um sistema público de ensino integrado com a rede de saúde.