• Nenhum resultado encontrado

2 A REFORMA DO ENSINO DA GESTÃO DE GOVERNO DE VIDAL RAMOS: AS CARACTERÍSTICAS LEGISLATIVAS, ESTRUTURAIS E

2.6 Estrutura escolar: Escolas Complementares, Grupos Escolares e Escolas Isoladas

2.6.3 Escolas complementares

As Escolas Complementares foram criadas através do decreto nº 604, de 1911, e, assim como os outros modelos de escolas já apresentados, tinham um papel bem definido na estrutura educacional da reforma de Vidal Ramos. As complementares tinham objetivos específicos e importantes para o governo, assim como fornecer a seus estudantes o complemento dos estudos obtidos nos Grupos Escolares e nas Escolas Isoladas, e levar às diferentes localidades do estado a possibilidade da formação de professores, principalmente para aqueles que não tinham condições de frequentar por longos anos a Escola Normal, localizada na Capital (RELATÓRIO, 1912, p. 67). Já no relatório de 1914, as Escolas Complementares catarinenses não eram consideradas estabelecimentos de ensino profissional, seu escopo era complementar o ensino dos alunos saídos dos Grupos Escolares e instigar novos candidatos ao magistério (RELATÓRIO, 1914 p. 165, 166).

Considerando que uma transição sensível existe entre a instrução ministrada nos Grupos Escolares, e a que constitui, desde o primeiro ano, o curso da Escola Normal, que convém ser facilitado aos candidatos ao magistério público, que nem todos podem permanecer na Capital, pelo tempo naquele curso exigido, ou porque difíceis são as comunicações com os pontos centrais do Estado, onde residem, ou porque circunstâncias outras de natureza econômica ou de regime doméstico embaracem aquela permanência, e que, do conjunto dessas circunstancias resulta ficarem inaproveitadas decididas vocações para aquele nobre sacerdócio; Considerando que é de toda a conveniência o ensino intermédio, que facilite aos alunos que completarem o tirocínio escolar, a matrícula na Escola Normal, em condições de abreviar o tempo do curso, sem prejuízo do preparo profissional, exigido (o governo) resolve criar no Estado [...] Escolas Complementares (RELATÓRIO, 1912, p. 67; DECRETO, 1911, p. 94, 95).

A ideia da Escola Complementar era proporcionar a um maior número de pessoas o acesso ao ensino profissional, alimentando e preparando as mentes destes alunos ao ingresso no magistério. Neste sentido, para obter uma profissão regulamentada, os concluintes das Escolas Complementares precisavam ingressar nos últimos anos da Escola Normal para obter diplomação profissional. O atrativo da Escola Complementar, e que a tornou um instrumento importante para o governo, foi a normativa que estabelecia que os alunos do interior podiam

estudar a metade do curso do magistério em suas regiões e a outra metade na Capital do estado, quando deveriam ingressar na Escola Normal, ou seja, a formação na Escola Complementar dava acesso à Escola Normal, sem exames de admissão, daria também acesso à profissão de normalista, e gerava para os interioranos uma relativa economia de despesas, pois eles teriam maiores gastos se cursassem os quatro anos da Escola Normal de Florianópolis.

Nas palavras de Guimarães: “As Escolas Complementares a serem criadas ad referendum do Congresso, representam um passo necessário para o estabelecimento de um sistema completo de ensino, que, pela sua latitude, se torne aparelho eficaz a atual organização” (RELATÓRIO, 1914, p. 166). Para ele, este modelo de escola tinha duas funções básicas: desenvolver, gradativamente, o ensino ministrado nos Grupos Escolares, para elevar o nível da “educação popular”; e estabelecer, pelas “regalias” que oferecia aos diplomados, a necessária corrente de candidatos ao magistério primário.

É evidente que as Escolas Complementares eram um meio de o estado angariar maior número de indivíduos interessados no magistério, e, consequentemente, formar professores para compor o seu quadro deficitário de profissionais qualificados, para atuarem de acordo com o modelo de educação que estava se implantando. O estado estava preocupado com aqueles alunos que aos 13 anos saíam dos Grupos Escolares, ainda com interesse de continuarem seus estudos, e que, na visão governamental, eram possíveis candidatos ao magistério, e, por isso, precisavam de um direcionamento profissional. Portanto, foi com a criação das Escolas Complementares que se colocou em prática essa orientação, proporcionando a continuidade dos estudos para os interessados, e, ao mesmo tempo, angariando candidatos ao magistério no futuro próximo.

Segundo Orestes Guimarães,

as Escolas Complementares, com a disciplina interna semelhante à dos Grupos Escolares, têm por fim desenvolver gradativamente o ensino dado naqueles estabelecimentos. É um complemento indispensável para o levantamento da instrução popular, e sua difusão e localização pelos diversos centros do interior do Estado é uma obra meritória. Geralmente, aos doze ou treze anos, as crianças terminam o curso dos Grupos, donde saem sem que possam desenvolver ou mesmo firmar os conhecimentos recebidos. Então é ocasião de se matricularem nas Escolas Complementares, cujo curso, de três anos, se compõe das matérias dos dois primeiros anos da Escola Normal. Demais, o complementarista ficando com o direito de matrícula no 3º ano da Escola Normal, ipso facto, fica estabelecida uma corrente de moços e moças que de todos os pontos do Estado afluirão à Escola Normal. Será uma nova era para o ensino público a instalação de tais escolas (RELATÓRIO, 1912, p. 69).

Além destes motivos, as Escolas Complementares tinham como objetivo preencher as lacunas do ensino a que as escolas particulares não atendiam, principalmente nas cidades do

interior (RELATÓRIO, 1914, p. 166). Certamente, as escolas particulares não tinham público suficiente em todas as regiões do interior de Santa Catarina, e, por isso, não sustentavam uma estrutura nestas regiões, porém é sabido que em algumas áreas de imigração interioranas havia escolas particulares.

O fato de a Escola Complementar dar ao seu aluno o direito de matrícula no terceiro ano da Escola Normal era visto pelo governo como um atrativo para as populações do interior. Acreditava que com esse sistema se formariam melhores professores, mas também se facilitaria a vida daqueles que se locomoviam do interior para Capital em busca de um diploma, mesmo porque no sistema anterior à reforma da gestão Vidal Ramos os alunos do interior teriam de passar por exames da Escola Normal, chamados por Guimarães de “licença perniciosa”, com pouco preparo para aprovações.

Apesar de ter a função de absorver os alunos do interior do estado, as Escolas Complementares não funcionavam em muitas cidades catarinenses, elas só poderiam ser criadas onde houvesse Grupos Escolares, e só poderiam ser instaladas posteriormente à construção e instalação destes grupos (RELATÓRIO, 1912, p. 67, 68). O funcionamento das Escolas Complementares acontecia nos prédios dos Grupos Escolares, e com horários (períodos) diferentes, cujo material didático e estrutura eram compartilhados entre as duas instituições, ocasionando uma boa economia para o estado. Em 1914, funcionavam apenas 3 Escolas Complementares, localizadas em Laguna, Joinville e Lages, cujas matrículas alcançavam 103 alunos. Cada Escola Complementar tinha quatro professores, que lecionavam mais de uma matéria, duas horas por dia. O diretor104, dois professores, porteiro e servente eram os mesmos do Grupo Escolar onde as complementares funcionavam. O custeio destas escolas era dividido entre estado e municípios, gerando novamente um enxugamento dos gastos para o estado (RELATÓRIO, 1914, p. 165, 166).

Pode-se observar que as Escolas Complementares eram importantes para o governo estadual, pois tinham um baixo custo de manutenção e um papel fundamental na absorção de pessoal interessado na profissionalização. O funcionamento compartilhado da estrutura dos Grupos Escolares, ao que tudo indica, facilitou a propaganda da importância da Escola Complementar, entre os alunos do ensino primário. Desta forma, os alunos dos grupos tornavam-se cientes de que poderiam continuar seus estudos, ao terminar o ensino primário, no mesmo prédio em que já estavam habituados a estudar. Contudo, sabemos que as Escolas

104 Esta escola era composta por quatro professores, sendo que um deles era diretor. Deveriam fazer concurso público, ou serem inicialmente indicados, porém em dois anos deveriam fazer o concurso para provimento de cargo efetivo (RELATÓRIO, 1912, p. 68).

Complementares funcionavam em centros urbanos em poucas regiões de Santa Catarina, dificultando a presença de alunos de vilarejos mais distantes. As Escolas Complementares, por funcionarem nos mesmos prédios dos grupos, por aproveitarem os materiais didáticos e funcionários, por terem o mesmo diretor e professores e por receberem parte da subvenção dos municípios, geravam ao governo estadual um custo-benefício relevante, e ampliavam a rede educacional estadual de forma inteligente.

Outro fator inteligentemente imposto pelo estado foi à equiparação das escolas particulares às Escolas Complementares. Para isso, as escolas particulares precisavam ter mais de cinco anos de existência, ter pelo menos 100 alunos, se sujeitar à fiscalização do governo, seguir a grade das complementares estaduais, ensinar em língua vernácula todas as disciplinas e lecionar gratuitamente para pelo menos 10 alunos (RELATÓRIO, 1912, p. 67, 68). Estas medidas impostas através das normas do Regulamento da Instrução Pública geravam ao estado, em tese, bons frutos, pois padronizavam as escolas particulares aos seus moldes de ensino. Obviamente, nem todas as escolas particulares optaram por se equiparar às Escolas Complementares, e mantiveram sua estrutura educacional, pelo menos por longos anos, até a reforma de ensino da gestão de Nereu Ramos. Entretanto, para as escolas religiosas, a equiparação às complementares poderia ser uma forma de propagação de sua fé, através da formação de professores e professoras com princípios religiosos inculcados em suas ações.

As Escolas Complementares tinham três anos de duração, e a grade escolar dessa instituição era composta pelas mesmas disciplinas dos dois primeiros anos da Escola Normal. O currículo escolar desta escola compunha um sistema complexo e subsequente, pois um aluno formado na Escola Complementar poderia ingressar no terceiro ano da Escola Normal, devido ao fato de que já havia cursado as disciplinas dos dois primeiros anos da Escola Normal. Isto é, a grade das Escolas Complementares foi pensada de acordo com as possibilidades de um aluno continuar seus estudos na Escola Normal. Estava composta da seguinte forma: no 1º ano, os alunos teriam contato com as disciplinas de Português, Francês, Alemão, Aritmética, Geografia, Ginástica, Desenho, Música e Trabalhos Manuais; no 2º ano, os alunos aprenderiam as disciplinas de Português, Francês, Alemão, Aritmética, Álgebra, Geografia, Ginástica, Desenho, Música e Trabalhos Manuais; já no 3º ano, os alunos estudariam Português, Alemão, Aritmética, História do Brasil, Princípios da História Natural, Geometria Plana, Desenho, Música e Ginástica (RELATÓRIO, 1912, p. 68). Observa-se que, entre o primeiro e segundo ano do curso da Escola Complementar, havia apenas uma leve alteração da grade, quando se acrescenta no segundo ano a disciplina de Álgebra. Contudo, as diferenças na grade dos dois primeiros anos para o terceiro ano escolar da escola referida muda consideravelmente,

mantendo-se algumas disciplinas, e substituindo outras, como a inclusão da disciplina de História, e a manutenção da disciplina de Alemão. Certamente, havia uma preocupação bastante grande com a integração das colônias alemãs naquela época, portanto, houve a necessidade do prolongamento do aprendizado da língua alemã durante os três anos do curso da Escola Complementar. Seguindo a lógica de que as Escolas Complementares eram o início da formação de futuros professores, o governo instituindo aquela grade escolar, estava preparando seus profissionais para atuarem em áreas de imigração, com intenção de socializar os símbolos nacionais, utilizando-se da língua das comunidades, para uma melhor aceitação do modelo de educação que estava implementando. Entretanto, nota-se que a grade escolar mantém duas línguas estrangeiras (francês e alemão), e ignora outros idiomas, que também poderiam ser importantes na socialização dos ideais nacionais para outras colônias de imigrantes, como por exemplo, os imigrantes italianos. Tudo indica que já nessa época se acreditava que as colônias de imigração italiana eram mais acessíveis e mais fáceis de nacionalizar, assim como acreditaram os pedagogos de 1938 (D’AQUINO, 1942), e talvez por conta disto o italiano não estivesse incluso na grade escolar.

Em se tratando das regras básicas para as matrículas nas Escolas Complementares, os alunos precisavam apenas de um diploma de um Grupo Escolar, ou ter cursado uma Escola Isolada, e ter sido aprovado em exame de arguição oral, elaborado por professores do 1º e 2º ano da Escola Complementar, exame aplicado com a presença do diretor. No entanto, cabe ressaltar que as matrículas das Escolas Complementares eram baixas, quando comparadas às escolas particulares do estado. Somente em Blumenau, havia 110 escolas particulares, com 4.000 alunos matriculados, o dobro das matrículas dos Grupos Escolares, que eram de 2.043. A quantidade de escolas particulares em Blumenau decorre de sua subvenção pelas colônias alemãs que educavam seus filhos na língua de sua pátria-mãe. Escolas étnicas que recebiam a ajuda do governo alemão para funcionar em território brasileiro, cultuando e ensinando as tradições do país de origem daquelas colônias. O número de matrículas das escolas particulares de Blumenau era inferior apenas às matrículas das Escolas Isoladas estaduais, que possuíam 11.721 alunos matriculados (RELATÓRIO, 1914, p. 170). A força da colônia alemã e sua tradição de escolas étnicas era absurdamente grande, e nos faz pensar que todo o esforço do Estado em nacionalizar essa população era pequeno, perto do trabalho que haveria de ser feito, e é muito por conta disto que as escolas étnicas sobreviveram às reformas de 1911 e 1930, sendo extintas somente em 1938, de forma impositiva.