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2 A REFORMA DO ENSINO DA GESTÃO DE GOVERNO DE VIDAL RAMOS: AS CARACTERÍSTICAS LEGISLATIVAS, ESTRUTURAIS E

2.6 Estrutura escolar: Escolas Complementares, Grupos Escolares e Escolas Isoladas

2.6.2 Escolas Isoladas

As Escolas Isoladas eram aquelas que estavam alocadas na ponta da teia educacional do projeto de ensino da gestão Vidal Ramos, elas não eram vistas como órgãos pensantes, mas sim reprodutores do sistema. Enquanto nos centros urbanos passaram a funcionar os Grupos Escolares, “nos municípios de médio e pequeno porte – a grande maioria na época – continuaram funcionando as Escolas Isoladas e as escolas reunidas, de modelo multisseriado e monodonte” (TEIVE, 2009, p. 211). Isto é, nas diversas regiões do território catarinense, funcionavam as Escolas Isoladas, responsáveis pela educação das populações interioranas. Ainda em 1912, quando já haviam sido estabelecidas normas para a instrução pública, para os Grupos Escolares, para a fiscalização do ensino e para obras didáticas, as Escolas Isoladas ainda estavam em fase de adaptação (RELATÓRIO, 1912, p. 53).

Havia, no emaranhado das regras educacionais da reforma da gestão 1911-1914, uma série de dificuldades em instalar o novo sistema, porém, compreensíveis frente ao tamanho

100 Em relação a este decreto há incoerência de dados entre a coleção de decretos do governo Vidal Ramos e o relatório de 1912 deste mesmo governo.

da empreitada que o governo Vidal Ramos estava implementando. Entre alguns fatores que atrapalharam o bom desenrolar da instalação da Reforma do Ensino, estava, como já vimos, a demora na composição do quadro de inspetores – responsáveis por fiscalizar e auxiliar as Escolas Isoladas –, a falta de preparo dos profissionais destas escolas e a falta de estoque de material didático. Somando-se aos problemas, havia má distribuição destes materiais para os mais pobres, que não tinham condições de pagar (RELATÓRIO 1912, p. 53). Diante das dificuldades, os professores sofriam com a situação de cobrança exigida pelo governo, e com a falta de estrutura das escolas em que trabalhavam. Mesmo que o professor fosse um excelente profissional, não teria condições de desempenhar um bom trabalho de acordo com as novas regras do sistema.

A distribuição do material didático101, muitas vezes, poderia ser demorada, por fazer parte de um processo longo. Ele era remetido da secretaria da instrução pública para as sedes dos municípios e, sob o cuidado dos chefes escolares, era distribuído nas escolas das diferentes localidades do território catarinense. Para aquelas escolas localizadas perto das sedes escolares regionais, a distribuição poderia ser imediata, porém esta situação não se repetia com as escolas dos povoados mais distantes. Além da distância, alguns chefes escolares foram acusados de se fazer inativos e indiferentes ao trabalho de distribuição e, para piorar a situação, alguns professores dos povoados foram acusados não fazer questão de receber o novo material adotado, cujo uso aumentaria seu trabalho, tirando-os dos cômodos processos a que haviam se habituado com o tempo (RELATÓRIO, 1912, p. 53).

Desta forma, os “chefes escolares preguiçosos” e os “professores ruins” foram descritos como integrantes das Escolas Isoladas, aonde o material didático demorava para chegar. Por outro lado, estas escolas eram muito importantes para a solidificação dos ideais governamentais nos povoados catarinenses, mas não recebiam as mesmas atenções das escolas urbanas (Grupos Escolares, Escola Normal), e ainda funcionavam em prédios inadequados, utilizando mobiliários ultrapassados, antiquados e velhos. Segundo o governo, os móveis seriam trocados com o tempo, o que já estava acontecendo, prometendo haver construção de novas escolas ou aluguel de novos prédios. No entanto, a mudança foi iniciada pela Capital e arredores (RELATÓRIO, 1912, p. 54), e neste sentido as escolas do interior seriam as últimas a receber melhorias. No capítulo seguinte, veremos a defesa do melhoramento das escolas do interior, já na década de 1930, quando a situação de precariedade escolar ainda assolava a população rural.

Na medida em que se seguiu a trajetória do programa de ensino de Vidal Ramos, tomou-se como encaminhamento providenciar melhoramento escolar para muitas regiões do estado, a partir de uma sequência de etapas que se iniciava pela Capital, passava posteriormente pelas principais cidades, logo para as vilas e, por último, para os povoados. Eram as Escolas Isoladas responsáveis por suprir a educação dos povos mais distantes dos centros, pois no interior não havia Grupos Escolares, nem Escolas Complementares, e, muito menos, Escola Normal. E isso, segundo o governo, por “absoluta impossibilidade” (RELATÓRIO, 1914, p. 164). Nesta lógica, pode-se notar que o governo visava, primeiramente, às melhorias do sistema educacional das áreas urbanas, que lhe dariam maior visibilidade em um cenário político, midiático, interestadual.

A oferta de educação a um espaço geográfico maior, não significava uma educação de qualidade. Tomamos como exemplo a seguinte situação: de outubro de 1910 a maio de 1914, foram nomeados 80 professores para as Escolas Isoladas das cidades, vilas e povoados de Santa Catarina. As nomeações para estas escolas eram principalmente de normalistas que haviam praticado (estagiado) nos Grupos Escolares, e professores que não se sujeitaram a fazerem os exames de seleção nos programas escolares de maior exigência (Grupos Escolares, Escola Normal ou Escolas Complementares) (RELATÓRIO, 1914, p. 164). Evidente que as medidas tomadas geraram implicações negativas para as Escolas Isoladas, especificamente na questão da qualidade do ensino. Os professores nomeados para estas escolas estavam em início de carreira, ou eram aqueles que não estavam dispostos a se qualificarem e ingressar por meio de concurso em escolas dos centros urbanos, sendo assim, foram destinados às Escolas Isoladas dos povoados. Parece que o governo, ao mesmo tempo em que padronizou os métodos de ensino e a fiscalização, afastou para as periferias do estado aqueles professores que não se adequavam ao ensino de melhor qualidade que desejou implantar. O afastamento desses professores para os povoados não significou a liberdade pedagógica em suas atuações, pelo contrário, deveriam seguir as normas da instrução pública, assim como todos os demais. Parece que os 80 professores nomeados para as Escolas Isoladas foram escolhidos, propositalmente, por incapacidade, por resistência ao sistema e por inexperiência. Podemos ainda lembrar dos professores que se formavam no interior e lá se mantinham trabalhando nas Escolas Isoladas, por falta de oportunidade em almejar um cargo melhor, ou trabalhar em uma escola melhor. Estes professores não eram efetivos, e poderiam mudar de escola ano após ano, dificultando ainda mais seu trabalho, devido ao deslocamento que deveriam fazer, em um período em que não haviam estradas regulares e a facilidade de transporte que temos.

Em contraponto, além destas 80 nomeações para as Escolas Isoladas, o governo nomeou outros 66 professores para exercerem cargos de direção, de professores dos Grupos Escolares e das Escolas Complementares. Destes 66, apenas 20 eram professores em Escolas Isoladas, e foram promovidos a trabalhar nos Grupos Escolares das cidades em que já lecionavam, outros, como pudemos observar nas páginas anteriores, foram contratados fora do estado catarinense, principalmente em São Paulo. De todo modo, devemos ressaltar o aumento do número de professores durante o desenrolar do governo Vidal Ramos: em 1910, havia 33 professores normalistas, e já em 1914, o número aumentou para 92 professores normalistas, e que já atuavam em Grupos Escolares (RELATÓRIO, 1914, p. 164).

A precariedade das Escolas Isoladas também se estendia à estrutura física. Ainda no ano de 1912, havia prédios escolares inadequados para a educação que se queria promover, fato relatado pelo secretário geral como um embaraço para o estado. Apelava ele para outras instâncias de poder público, solicitando verba para reformar ou construir novos prédios para as Escolas Isoladas:

Não só para a construção de casas, modestas, mas amplas, higiênicas e confortáveis, pelo menos nas vilas onde não podem ser instalados Grupos Escolares, como para a aquisição de mobiliário e material didático de uso coletivo, seria conveniente que o Congresso votasse verba suficiente, sob pena de ficarem muito restritos os salutares efeitos da reforma (RELATÓRIO, 1912, p. 54).

Se o secretário geral do estado propunha a votação de maior verba para a educação, a fim de, assim, instalar devidamente a Reforma do Ensino, isso pode significar que o orçamento governamental possuía condições de agregar maior valor ao setor do ensino público estadual, caso contrário, o próprio secretário saberia que as contas públicas não arcariam com maiores despesas. Obviamente, o secretário geral do estado estaria a par dos valores orçamentários de Santa Catarina, devido ao fato de que todos os órgãos administrativos remetiam relatórios a ele, que, por sua vez, ao final de cada ano, remetia um relatório final e geral ao governador. Assim, pensamos que a maior parte das verbas estaduais estava destinada a outros serviços públicos e privados que não a educação.

Durante a Reforma do Ensino de 1911, enquanto não eram elevados os recursos para educação, houve uma intensa reorganização dos tipos de escolas, na tentativa de atender ao público das localidades do estado. Conforme as necessidades de cada localidade, algumas escolas masculinas foram transformadas em mistas, enquanto outras mistas passaram a atender somente ao público masculino (RELATÓRIO, 1912, p. 55). Parece que neste período a criação de escolas mistas era uma alternativa do governo para atender crianças de ambos os sexos, de

determinadas localidades, sem precisar alugar ou construir prédios separados. Este modelo de escola mista vai ser o principal modelo de escola durante a reforma de 1930, quando, praticamente, se extinguiram as escolas separadas por sexo.

Outro tipo de remanejamento que buscava mascarar o problema da precariedade das Escolas Isoladas e a falta de estrutura suficiente para alocar todas as turmas de crianças de determinadas regiões, se constituiu na formação de escolas provisórias. Estas, por não possuírem prédios fixos, hora estavam em uma localidade, hora em outra, dependendo do número de crianças em idade escolar das regiões, do aluguel dos prédios, das reformas, da boa vontade dos proprietários e dos contratos.102 A estrutura pública das Escolas Isoladas não era boa, e o estado dispôs ações de acordo com seus interesses no momento. Os diversos manejos possibilitaram situações inusitadas, como, por exemplo, a existência de duas Escolas Isoladas diferentes (uma masculina e uma feminina) funcionando em duas salas de aula de um dos prédios em que funcionava o Liceu de Artes e Ofícios,103 acontecimento gerado pela falta de local para alocá-las adequadamente. Estas escolas também ficaram com os móveis da Escola Normal, que recebeu mobiliário novo (RELATÓRIO, 1912, p. 56). Ou seja, estava se fazendo um (re)aproveitamento da precária estrutura (mobiliários e prédios) de que o estado dispunha. Por outro lado, em 1914, quando, analisando os dados escolares referentes aos anos de 1904 e 1913, Guimarães explicitou que a educação catarinense havia obtido um grande avanço, e, para ele, isso se deu, em muito, pela instalação da reforma, iniciada em 1911. Todavia, sabia Guimarães que ainda era necessário dar continuidade ao projeto, para um avanço muito superior ao que já havia sido feito: “a instrução publica progrediu muitíssimo nos últimos três anos, mas que está longe daquilo que deve ser, pois, os frutos da reforma iniciada em 1911 só poderão ser evidentes após mais alguns anos de ininterrupta execução” (RELATÓRIO, 1914, p. 163). É certo que houveram avanços no meio educacional, porém se os resultados ainda não podiam ser vistos a curto prazo, assim visualizamos que Orestes poderia estar exagerando em sua argumentação.

Em seu estudo comparativo do ano de 1904 e 1913, fez os seguintes apontamentos: disse que em 1904 o número de escolas públicas providas pelo estado era de 143, e em 1913 esse número cresceu para 184 (o total do número de escolas era de 219, entretanto 35 delas estavam vagas) (RELATÓRIO, 1914, p. 163). Não há certamente um grande aumento da

102 Cabe ainda lembrar que o estado (re)alugava prédios onde já havia funcionado suas escolas, alugueis que dependiam de algumas condições, como reformas, que, às vezes, eram pagas pelo estado e outras pelos proprietários.

quantidade de escolas, mas, como pudemos notar, até este momento das discussões, o estado passou a construir prédios escolares com instalações que possuíam várias salas de aula oferecendo mais vagas para matrículas, assim diminuindo os gastos com a montagem de escolas diferentes. Estes fatores serão evidenciados quando compararmos o número de matrícula dos períodos, visto que em 1904 havia 4.478 alunos matriculados nas escolas públicas, e em 1913 havia 13.824 matrículas (RELATÓRIO, 1914, p. 163). Aquilo que se nota é o crescimento acentuado do número de matrículas que foram geradas pelo aumento de turmas nas escolas criadas durante à reforma da gestão Vidal Ramos. Não podemos esquecer que os Grupos Escolares contribuíram para o aumento desses números, grupos que ofereciam mais vagas que as Escolas Isoladas e melhor qualidade em estrutura e ensino. As matrículas também cresceram por consequência do aumento populacional, e a preocupação dos indivíduos com a educação, além da obrigatoriedade do ensino primário nas regiões em que as escolas se faziam presentes. Em outra análise comparativa dos anos de 1904 e 1913, chega-se à conclusão de que, em quase 10 anos percorridos, o investimento do estado por aluno não ultrapassou a 501 reis, ou seja, em 1904 o estado gastava 30$778 por aluno e em 1913 o estado passou a gastar 31$279 (RELATÓRIO, 1914, p. 163). Segundo Guimarães, esse era um dos pontos positivos da reforma, pois se investiu na estrutura, na qualidade e nos métodos de ensino, para o melhoramento da educação, e pouco se alterou nas verbas orçamentárias para o aparelho escolar. É claro, a ideia de Guimarães é demonstrar que a verba gasta em 1904 era muito maior em relação ao custo benefício, pois se gastava uma boa quantia e se ensinava a poucos alunos, já em 1913 se gastava menos por aluno, e ao mesmo tempo se ofereciam mais vagas escolares, e uma qualidade de ensino melhor. Isso significava, para ele, que na sua gestão à frente da Inspetoria Geral do Ensino, o dinheiro estava sendo bem investido, e não desperdiçado, como em 1904. Baseado neste pensamento, diz Guimarães:

ainda poderia ser objetado que na importância das despesas com a instrução pública em 1913 (432:410$842) não foram incluídas as despesas com as construções dos Grupos Escolares; mas para essa objecção, a resposta ficou dada quando aludi que o Estado terá pago as despesas com as ditas construções, no fim de 25 anos, fazendo sensível economia e incorporando ao acervo público 6 magníficos e valiosos prédios (RELATÓRIO, 1914, p. 164).

A economia proporcionada com a reforma – seja pelo aproveitamento de espaço escolar, pelo aproveitamento de professores, pelo oferecimento de mais vagas para matrículas, pelo uso de novos métodos e aproveitamento de material didático, pela padronização do sistema de ensino, etc. – pagaria os prédios escolares construídos, na medida em que o tempo fosse passando, e o estado fosse mantendo o mesmo padrão de gastos instituídos posteriormente a

reforma. Sem dúvida, o estado queria educar mais crianças com menos dinheiro, proporcionando ao governo utilizar a fatia maior do orçamento em outros setores. Assim, apesar de nestes anos de 1911-1914 serem investidos centenas de reis na educação, ainda se mantinha um controle sobre estas despesas, levando-nos a afirmar que, se os investimentos fossem maiores, novas escolas poderiam ser construídas, ou melhoradas as precárias Escolas Isoladas.