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2.2 HISTÓRICO DA IMPLEMENTAÇÃO E EVOLUÇÃO DE ESCOLAS

2.2.4 Brasil Republicano (Idade Contemporânea)

2.2.4.1 Escolas de Aprendizes e Artífices (1909)

Como marco8 na história da Educação Profissional no Brasil, em 1909, por meio do Decreto 7.566 (BRASIL, 1909), o então presidente, Nilo Peçanha criou 19 Escolas de Aprendizes e Artífices (ver Figura 3), garantindo uma em cada capital, à exceção do Rio de Janeiro, em que foi implementada em Campos/RJ9, cidade natal de Nilo Peçanha, e do Rio Grande do Sul, já que em Porto Alegre havia em funcionamento o

8 Não resta dúvida de que a Criação de Escolas de Aprendizes e Artífices, em 1909, foi um marco na

história da Educação Profissional no Brasil, ainda que alguns autores se referiram aos Colégios de Fábricas, de cem anos antes, como importantes a este quesito.

9 Não se localizou na capital do Rio de janeiro, mas sim na cidade de Campos, em função da recusa

do Presidente do Estado do Rio de Janeiro, Oliveira Botelho, em colaborar, mediante auxílio, pela instalação da escola. Por meio da Deliberação nº 14, a Câmara Municipal de Campos ofereceu o prédio necessário para que o Governo Federal instituísse a Escola de Aprendizes e Artífices (SOARES, 1982).

Instituto Técnico Profissional10, atualmente denominado Instituto Parobé (SANTOS, 2016). De acordo com Kuenzer (1999), é neste período que a formação profissional no Brasil nasce como uma responsabilidade legitimada ao Estado.

Segundo Moura (2010), a intervenção do poder público, ao passar para as mãos do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio atribuições referentes aos rumos do ensino profissional, propiciou uma guinada na organização desta modalidade, a qual assumia abrangência federal.

Ao longo de 1910, as 19 unidades foram implementadas, inclusive três delas já em 1º de janeiro (SOARES, 1982).

Figura 3 - Escola de Aprendizes e Artífices

Fonte: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia - Fluminense (2018)11.

As escolas, cujo público alvo eram “os filhos dos desfavorecidos da fortuna”, com idade entre 10 e 13 anos, seriam agora custeadas pela União e voltados para o ensino industrial, tal qual se observava nos Liceus de 1858. Segundo os termos do

10 Segundo Soares (1982), o decreto 9.070, de 1911, em relação ao Instituto Técnico Profissional da

Escola de Engenharia de Porto Alegre, atualmente denominado Instituto Parobé, instituiu que este seria mantido como Escola de Aprendizes e Artífices, enquanto a União não estabelecesse ela própria uma escola desta natureza em Porto Alegre. Esta escola nunca veio a existir.

11 Disponível em: <http://portal1.iff.edu.br/conheca-o-iffluminense/galeria-de-fotos-do-historico/escola-

Decreto em questão, para alguns autores fica claro tratar-se de um instrumento político com conotação ainda assistencialista e dualista, visando à formação de uma classe proletária que atendesse às demandas de uma sociedade capitalista, inclusive sendo mantidas pelo governo federal por intermédio dos Ministérios da Agricultura, Indústria e Comércio12, enquanto outros autores a referenciam como tendo a função de inclusão social:

Estas escolas, antes de pretender atender às demandas de um desenvolvimento industrial praticamente inexistente, obedeciam a uma finalidade moral de repressão: educar, pelo trabalho, os órfãos, pobres e desvalidos da sorte, retirando-os da rua. Assim, na primeira vez que aparece a formação profissional como política pública, ela o faz na perspectiva mobilizadora da formação do caráter pelo trabalho. (KUENZER13, 1999, p. 88)

Para ilustrar, de acordo com o art. 2º do Decreto 7.566 (BRASIL, 1909), as Escolas ofereceriam cursos de trabalho manual e mecânico que fossem convenientes e necessárias ao Estado em que ela estivesse estabelecida e, para tanto, seria importante consultar as indústrias locais. Além disso, a função de “faze-los adquirir habitos de trabalho proficuo, que os afastara da ociosidade ignorante, escola do vicio e do crime; que é um dos primeiros deveres do Governo da República formar codadões uteis à Nação14” (BRASIL, 1909) demonstra que o emprego do vocábulo “úteis” traz consigo uma visão de mundo que, infelizmente, por vezes parece atual na nossa sociedade: formação profissional de pessoas para prepará-las imediatamente para o mercado de trabalho, sendo, portanto, funcional à demanda existente. No entanto, na introdução do texto legal, existe uma explícita menção, ainda que breve, à intenção de habilitá-los não somente à parte técnica, mas também com relação ao desenvolvimento de habilidades intelectuais. Mas ao analisar-se os 18 artigos que compõem o Decreto nº 7.566, em que se estabelece, inclusive, o salário a ser pago aos diferentes profissionais que atuariam nas unidades, existe uma intenção maior em garantir que os alunos ingressos nos cursos pudessem aprender um ofício e assim garantirem seu sustento e serem funcionais às exigências produtivas. Entendo que, para a época, início do século XX, apesar de não realizarem a matrícula de candidatos

12 O Ministério da Educação e Saúde só seria fundado mais tarde, em 1930.

13 O texto original foi publicado pela autora na Revista Ensaio: avaliação e políticas públicas em

Educação, Rio de Janeiro, v. 6, n. 20, p. 365-384, jul./set. 1995. No entanto, foi reeditado, com pouquíssimas alterações, em outras publicações, tal qual esta de 1999, a qual tive acesso.

14 A ortografia e a acentuação gráfica são pertinentes à época em que foram redigidas e assim

que tivessem alguma condição que os impossibilitasse de aprender um ofício (BRASIL, 1909, art. 6º, alínea b) – daí o fato da ênfase ser realmente o trabalho manual, e não a articulação entre manual e intelectual –, o estabelecimento das 19 Escolas de Aprendizes e Artífices foi sim de grande valia, tanto é que é considerada como um marco histórico. Se não fossem por estas instituições, muito provavelmente as crianças público-alvo, em condições de vulnerabilidade, não teriam atenção e cuidados de outra natureza, ainda que Santos (2016) enfatiza o alto nível de evasão de alunos destas instituições que, ao fim da terceira série, por se sentirem capacitados a executar o mínimo exigido em trabalhos manuais no ambiente fabril, abandonavam a escola.

Moura (2010) relata que a Criação dos Asilos da Infância dos Meninos Desvalidos (ver Figura 4), fundada 35 anos antes das Escolas de Aprendizes e Artífices, também tinha por intuito ensinar crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social as primeiras letras e algum ofício, como carpintaria, sapataria, entre outros. Tão logo fosse possível, eram encaminhados a oficinas públicas e particulares, custeando sua aprendizagem e formando uma poupança para alguma eventualidade (MOURA, 2010).

Figura 4 - Folder de programa de apresentações, em homenagem ao povo chileno, promovidas pelo Asilo de Meninos Desvalidos em 1889. Internos que se destacavam

na música formaram uma banda que realizava apresentações à Corte

Fonte: Arquivo Nacional MAPA - Memória da Administração Pública (2018)15.

De acordo com a análise de Peterossi (1994) não havia preocupação com a formação dos professores que atuassem no ramo do ensino profissional das Escolas de Aprendizes e Artífices, mas que, no entanto, os regulamentos das escolas profissionais da Capital de São Paulo deixava claro que havia preocupação com o desempenho do docente, como por exemplo as exigências ao professor substituir o diretor quando este ordenar; apresentação ao mesmo, anualmente, de um relatório da disciplina que ministra, apontando problemas e possíveis soluções; comparecimento pontual no horário entre muitas outras.

Santos (2016) corrobora o fato da formação de professores ser insuficiente para atuarem nas Escolas de Aprendizes e Artífices, o que também está relacionado à falta de investimento do Poder Público, ainda que o dispositivo legal pudesse amparar neste sentido. Segundo a autora, desde a inadequação da infraestrutura física, observada na precariedade das oficinas, até a pouca disponibilidade de oferta de professores e de mestres de ofícios especializados para atuarem na rede.

A saída encontrada pelo poder público para suprir a falta desses profissionais foi a de recrutar professores do ensino primário para atuar na rede, solução que não produziu resultados satisfatórios, tendo em vista que esses professores não possuíam habilitação necessária para atuar no ensino profissional.

Com relação aos mestres de ofícios provenientes das fábricas e das oficinas, faltava-lhes o conhecimento suficiente para atender aos requisitos de bases teórica, que eram demandados pelos cursos oferecidos. (SANTOS, 2016, p. 213)

O relato da autora, referindo-se a um momento histórico em 1909, parece, no entanto, bastante atual. Ainda vivenciamos situações semelhantes, em que se “recrutam” sujeitos, muitas vezes, nem sequer envolvidos com a Educação, a ministrarem aulas em uma verdadeira operação “tapa-buraco”. Universidades e Faculdades de Ensino Superior também, de forma bastante comum, contratam profissionais para atuarem no Magistério tendo apenas a formação estritamente técnica da profissão, como por exemplo, um contador de empresa, há anos no mercado de trabalho, sendo convidado a dar aula em um curso de nível superior sem ter formação pedagógica, ou sem nem ao menos ter envolvimento/interesse pelo “universo” da Educação. E o pior: pouco desejar aprofundar seus conhecimentos nesta área, mesmo tendo ingressado no campo educacional.

Podemos observar que, mesmo tendo sido contratados professores que já atuavam no ensino primário para que reforçassem o quadro docente nas Escolas de

Aprendizes e Artífices, o resultado ficou aquém do esperado. Isso porque o ensino profissional, assim como qualquer outra modalidade de ensino, requer especificidades próprias. Mais uma vez, cabe endossar aqui o quão necessário se faz a formação docente, tanto inicial, quanto continuada, e que o profissional se envolva com as peculiaridades inerentes a cada realidade educacional em que for atuar: se é ensino profissional, buscar qualificação para tal; se é ensino de jovens e adultos, da mesma forma. Além, é claro, de levar em consideração as particularidades da instituição de ensino em que for atuar16.

Da visão assistencialista, que marcou os primórdios da Educação Profissional no Brasil, de acordo com Moura (2010) assume agora uma nova visão. O foco passa ser a:

[...] preparação de operários para o exercício profissional visando atender às demandas de campo econômico que, em função do incipiente processo de industrialização, passa a exigir operários minimamente qualificados para a nova fase da economia que se iniciava. (MOURA, 2010, p. 62)

Em 1927, o Congresso aprovou o projeto de instituir a obrigatoriedade do ensino profissional no país. No ano de 1930, as Escolas de Aprendizes e Artífices, criadas em 1909, passam à tutela do recém-fundado Ministério da Educação e Saúde Pública. Quatro anos mais tarde, é promulgada a Constituição de 1934, a qual, sob análise de Cury (2016, p. 574): “É a única constituição, antes da de 1988, que reconhece ao adulto o acesso à escolarização como direito”. Esta Constituição retoma a gratuidade associada à obrigatoriedade.