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CAPÍTULO 1: COMUNIDADE NATIVA DE CALLERIA: ASPECTOS ETNO-

1.4 O que se produz em uma zona baixa?

1.4.1 Escolas

A primeira escola foi criada pela missionária Amalia Roth e desempenhou um papel fundamental no processo de formação da comunidade63. A ação impulsionou a vinda de diversas outras famílias atraídas pela possibilidade dos seus filhos terem acesso ao ensino básico. Nesta época a educação era responsabilidade dos missionários, que construíram e implementaram a instituição de ensino através dos financiamentos da

59 Nas entrevistas busquei compreender aquilo que os residentes consideravam como “pessoa moradora”,

tendo em vista que constantemente recebem visitas de parentes oriundos de outras localidades.

60 A igreja evangélica Senda Derecha de Callería foi criada pela SAM e hoje é comandada pelo pastor

shipibo Jacob Rodríguez. Os cultos são proferidos em idioma nativo e acontecem duas vezes por semana.

61 O banheiro seco é uma alternativa eficiente e de baixo custo para locais sem saneamento básico e foi

implantado pelo Instituto del Bien Común (IBC).

62 Quando alguém morre durante o período de crescente do rio, o corpo é enterrado em uma zona mais

alta. Todas as roupas do morto são colocadas junto ao seu corpo, que é acomodado em sua antiga canoa ou em um caixão de madeira.

63 Tive acesso a estas informações em uma conversa com pesquisadora Carolina Rodríguez Alzza, os

SAM64. No entanto, este modelo não durou muito tempo. Os missionários entraram em conflito com os Shipibo a partir do momento em que decidiram cobrar pelos serviços educacionais e os indígenas se recusaram a pagar. Fracassados, os americanos se afastaram das funções, enquanto os Shipibo passaram a reivindicar que o Estado garantisse o acesso ao ensino gratuito.

Atualmente a comunidade possui três escolas: Inicial, Primária e o Secundário- Agropecuário65. A primeira está localizada próxima a Casa Comunal, antes do campo de futebol; as outras duas encontram-se no final da aldeia. O currículo aplicado no modelo de educação agropecuária inclui diversas atividades práticas e comunitárias, que são desenvolvidas pelos estudantes durante o turno e também no contraturno. Normalmente as atividades são divididas por gênero: toda semana os meninos passam algumas horas fazendo manutenção da comunidade, enquanto as meninas se encarregam da alimentação. Além disso, na educação Inicial e Primária, as mães se organizam através de escalas para garantir a produção da merenda escolar das crianças.

Os calendários festivos envolvem toda a comunidade: festas patronais, dia dos pais, dia das mães, as famosas parilladas, promovidas com intuito de levantar fundos para a formatura dos alunos, assim como, o aniversário da escola66. Esta é uma das principais festas atuais, em que os anfitriões convidam os estudantes de outra comunidade para participar. Em Julho a CN de Callería foi convidada pela CN de Shambo Porvenir, no rio Aguaytia, para prestigiar o evento. Durante dois dias os jovens participaram de atividades culturais e disputaram um campeonato de futebol, em que as mulheres trouxeram novamente o título para casa.

As escolas são motivo de orgulho aos moradores que se envolvem profundamente em suas atividades cotidianas67. A feição é muito próxima daquela

64 A escolarização dos povos indígenas da Amazônia peruana teve iniciou no século XX com os

missionários católicos. Entretanto, a expansão massiva se deu a partir da década de 1950 a partir do convênio estabelecido entre o Instituto Linguístico de Verão e o Ministério da Educação do Peru. O ILV criou escolas primarias entre vários grupos indígenas e montou um programa de formação de professores indígenas bilíngues (BELAUNDE, 2012, p. 122).

65 Em meados dos anos noventa o sistema educacional peruano passou a oferecer além do Secundário

Comum (científico e humanista), equivalente ao Ensino Médio regular brasileiro, o Secundário Técnico com diversas possibilidades de especialização: agrícola, artesanal, comercial ou industrial (MCLAUCHLAN DE ARREGUI, 1994, p.56).

66 Além das festas, existe a rotina escolar do modelo militarizado da educação peruana, que faz com que

os jovens ocupem o pátio da aldeia ao menos uma vez por semana, a fim de marchar, hastear a bandeira e cantar o hino nacional. Todos uniformizados e com seus aparatos associados às funções que desempenham na fanfarra.

67 Peter Gow (1991) promove uma ampla discussão sobre o processo de implantação das instituições

observada por Peter Gow (1991) ao se reportar ao caso Piro, no baixo Urubamba, em que a escola funciona como a instituição central do que eles definem como uma “comunidade legítima”. Esta valorização é evidenciada durante a organização das festas, em que a comunidade se predispõe a ajudar na construção do palco e enfeitá-lo com balões e fitas, além das lâmpadas e da gasolina patrocinada pelos professores, que garantem a iluminação no período noturno. Os edifícios escolares construídos em materiais nobres, em que todas as salas possuem quadro negro, mesas e cadeiras fabricadas em madeira, representam um símbolo de cidadania tão desejado como a presença de bons professores (BELAUNDE, 2010, p.125-126).

Os professores são muito prestigiados, porque além de assegurar o funcionamento das escolas, eles representam uma figura complexa do imaginário cultural indígena, “o profissional”. Esta categoria assume múltiplos significados políticos, econômicos e sociais. O profissional é a pessoa que terminou a escola primária, secundária e o curso superior. Ele atingiu aquilo que grande parte dos pais Shipibo desejam aos seus filhos: que construam uma carreira e um modo de vida menos

duro que o deles (BELAUNDE, 2010, p.124). Por isso, os pais se esforçam para

garantir os uniformes e os materiais escolares, durante as etapas iniciais, e, posteriormente, a alimentação e moradia, para que os filhos possam concluir o ensino superior na cidade68.

parentesco trazendo o ‘conhecimento civilizado’ para dentro das relações sociais indígenas” (Cf. PETER GOW, 1991, p. 229).

49 LAYO U T 1 - A C O M U N IDA D E NA TI VA D E CA LL ER ÍA . F O N T E : Des en vo lvi do po r S abrin a H am m er sc hm id t (20 18) a partir dos croqu is traçados po r m im e m ca m po.