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FLORIANÓPOLIS, ESPAÇO GEOGRÁFICO DA PESQUISA

3.4 ESCOLHA DAS LOJAS

Como já destaquei anteriormente, as lojas de produtos de abastecimento doméstico, incluindo-se o supermercado, caracterizam-se por serem locais de passagem. Como consequência disso, a escolha da loja onde fazer as compras acontece de acordo com os percursos e agendas previstos para o dia ou no momento em que as compradoras se dão conta de alguma falta, recorrendo, nesses casos, não só ao supermercado, mas também às padarias e minimercados próximos de suas casas. As decisões de onde e quando comprar, portanto, estão sempre vinculadas a outras atividades relativas aos cotidianos das compradoras (De VAULT, 1994; SHOVE, 2009; PERROT, 2009).

Do ponto de vista de organização para as compras, porém, é importante destacar a forma como identificam, nos discursos e, às vezes, nas práticas, cada loja com o tipo de produto ou compra que desejam realizar, denotando competência e conhecimento especialistas.

As compras de grandes quantidades são feitas em supermercados, frutas e verduras elas dizem comprar no Direto do Campo, mas nem todas o fazem efetivamente, como o caso de Iara que contei anteriormente. Pães para o cotidiano são, em geral, comprados nas padarias mais próximas de suas casas. As moradoras da região da Lagoa da Conceição frequentam, ainda, a queijaria que se localiza no centrinho do bairro. A maior parte delas afirma ir ao Mercado Público em busca de pescados e muitas costumam comprar alimentos congelados, especialmente massas, em lojas especializadas. Laura relata assim as escolhas de local para a realização de suas compras:

O grosso eu faço no Big. Aí presunto, queijo e carne eu compro no Angeloni da esquina da minha casa. Frutas e verduras no Direto do Campo e um pouco na verdureira da minha rua e, sempre que posso, passo na feira da Alfândega para comprar o queijo que a empregada gosta. Se quero preparar peixe, vou no Mercado Público. Assim, o supermercado é apenas um dos pontos de distribuição de produtos que elas procuram para abastecerem seus lares, nem sempre o mais importante. De acordo com Humphery (1998), essas tentativas de construir formas elaboradas para as compras cotidianas podem ser vista como uma ilustração sobre as maneiras pelas quais cada pessoa faz das compras uma experiência social, interpretação que pode ser corroborada pela posição das compradoras em relação à compra de peixe no

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Mercado Público: “é um absurdo viver em uma ilha e comprar peixe congelado no supermercado”.

Além disso, há também o caráter de conveniência78, no sentido de proximidade ou de ser no caminho, nem sempre o caminho de casa. Taís, que mora na Lagoa da Conceição, região que oferece um bom número de peixarias, costuma passar no Mercado Público toda vez que precisa ir ao centro. Laura, também, aproveita as idas ao centro para ir ao Mercado, ou as idas à Universidade para passar no Big do shopping Iguatemi. Assim elas vão aproveitando seus caminhos entre tarefas que ocupam suas agendas. Isso que proporciona a possibilidade de ordenar a vida e o tempo das compradoras e a definir as escolhas das lojas para as compras cotidianas.

Um outro tipo de conveniência aparece como determinante na escolha da loja: o estacionamento. Não é o fato de poder estacionar em local próximo à loja que está em questão, mas sim a possibilidade de deixar o carro no estacionamento do supermercado e realizar outras atividades antes de entrar na loja para fazer compras. Como já referido, o supermercado é um lugar de passagem e as práticas de compras intersectam outras práticas, competindo com elas pelo tempo das mulheres.

Por estarem localizadas em regiões de grande movimentação comercial ou em Shopping Centers, muitas lojas passaram a cobrar dos clientes pelo estacionamento. O interessante é que esta cobrança não é caracterizada como tal. Na verdade é tratada, pelo supermercado, como uma oferta, ou uma gentileza para com o cliente, já que o pagamento pelo uso do espaço para deixar o carro pode se dar em forma de dinheiro por hora, ou de valor das compras por hora. Assim, o Big do Shopping Iguatemi, por exemplo, oferece a seus clientes três horas de estacionamento “grátis” para cada quinze reais em compras, valor que aumenta para trinta reais durante o período de verão, quando a ilha recebe um grande número de turistas. Laura, por exemplo, costuma ir ao Shopping Iguatemi para “tomar um cafezinho” com o namorado. Nessas ocasiões, estaciona na área reservada para o supermercado “para não

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“Convenience is now associated with the capacity to shift, juggle and reorder episodes and events. In this environment, things that are convenient are those that enhance peoples’ control over the scheduling of activity.” (SHOVE, 2003: 170) (conveniência é associada à capacidade de mudar, aos episódios e eventos de malabarismo e reorganização. Neste ambiente, as coisas que são convenientes são aquelas que aumentam o controle das pessoas sobre suas agendas. Minha tradução)

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pagar estacionamento” e, depois de passar na cafeteria, faz compras no Big antes de volta para casa, porque “A gente sempre tem alguma coisinha para comprar.” Esta forma de aproveitar o estacionamento do supermercado é entendida pelas compradoras como uma vantagem, como uma forma de economia, o que poderia ser caracterizado como uma tática, no sentido de De Certeau (1988). Os supermercados usam os estacionamentos como estratégias, as mulheres se aproveitam deles como uma tática.

Já relatei, em parte, no capítulo relativo aos supermercados, as relações que minhas interlocutoras estabelecem com as lojas. Essas relações, baseadas em suas percepções a respeito dos supermercados, também justificam suas escolhas.

Para as mulheres que acompanhei, existem diferenças significativas entre as lojas do Angeloni e o Big. Lojas que frequentam quando vão fazer compras maiores. Baseadas em suas experiências, afirmam que o Big é um bom lugar para comprar produtos de limpeza, higiene e alimentos não perecíveis, porque “é mais barato”, mas exige muita atenção, pois muitas vezes as promoções anunciadas nos encartes ou nos próprios corredores não correspondem ao que é cobrado no caixa, sendo um supermercado onde os alimentos perecíveis não têm qualidade:

Mas aqui tem muito essa questão. Dos preços serem diferentes, das coisas não baterem. Das promoções. Às vezes a promoção é mais cara do que o produto. Uma coisa maior, o Omo, por exemplo, até fazer o cálculo... Tu viste que faço o cálculo. É mais barato que a promoção. Tem muito esse tipo de coisa. (Taís)

Já te disse que a carne do Big não dá. Nem a carne, nem o queijo. (Laura)

O Angeloni divide as escolhas entre as lojas do bairro Santa Mônica (em frente ao Shopping Iguatemi) e Beira Mar. A loja do Santa Mônica é escolhida por ser menor e, assim, associada como mais conveniente, confortável e que economiza tempo nas compras, enquanto a loja da Beira Mar é rejeitada por algumas por ser grande demais, onde as compradoras perdem muito tempo para encontrar os produtos. Interessante é a opção de Ana pela loja da Beira Mar: “o Santa Mônica é muito sério, prefiro o Angeloni da Beira Mar, é mais divertido” , em seguida, ela explica que, por morar em um bairro distante do centro, onde só existem supermercados pequenos, quando resolve fazer

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compras maiores, prefere ir numa loja maior. Já Vivian, prefere o Angeloni, qualquer loja mesmo que frequente mais o Santa Mônica por ser mais próximo de sua residência, e nem sabe explicar as razões. “Eu gosto do Angeloni, as meninas dizem: mamãe, você só vai no Angeloni. Mas eu gosto!” As três lojas citadas são próximas umas das outras e atendem a uma parcela ampla da população, extrapolando a clientela de seus bairros79.

O Angeloni Santa Mônica e o Big do Shopping Iguatemi são vizinhos, como se observa no mapa abaixo. Algumas vezes, compradores vão às duas lojas no mesmo dia com o intuito de comprar produtos com preços mais em conta ou aqueles que só são encontrados em uma delas. No Big compram os produtos de limpeza e alimentos não perecíveis, depois vão ao Angeloni para comprar frutas, verduras, carnes e queijos, como o requeijão da marca Aviação, que só se encontra no Angeloni.

Figura 12 – Proximidade dos supermercados Big e Angeloni Santa Mônica – 54 metros

Vivian conta que na loja do Bairro Santa Mônica sente um aconchego, conhece a loja e também o açougueiro, “Seu” Zé. A familiaridade com a loja, seus funcionários e seu espaço físico, então, é também um fator importante para a escolha de onde comprar: “ter o mapa na cabeça”, como dizem algumas, já comentado no capítulo Supermercados. Saber onde encontrar os produtos de forma que o processo de compra não tome muito tempo e não provoque muita

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ansiedade é um dos fatores que determina a loja onde comprar. “Quando a loja é desconhecida, eu me perco”, diz Laura.

Entretanto, mesmo em lojas conhecidas, identifiquei vários momentos em que as compradoras perdiam-se, seja pela mudança na localização de produtos, que gera irritação, seja por conta de procurarem produtos que não são comprados com frequência. “Será que tem a fita? Onde é que tem?”, pergunta Taís com o olhar perdido para o alto, atrás de indicações nas placas que pendem do teto. “Ah, eu quero cream cheese...aquele Philadelfia, onde é que está?”, pergunta Vicky escrutinando o balcão de frios. O excesso de apelos visuais nas lojas provoca, nas compradoras, aparentemente, uma vertigem, principalmente quando não encontram as informações que procuram: “O [arroz] dona Helena é mais gostoso. Mas onde é que está [o preço]?”

Outra razão para a escolha de uma determinada loja ou rede de supermercados é a posse do cartão fidelidade80. Assim, Kati vai no Bistek porque tem o cartão e “isso facilita a minha vida, me dá prazo para pagar”, Clara frequenta o Angeloni porque acumula pontos no cartão e “agora que me mudei, precisei de um telefone, troquei pelos pontos”. A maior parte das compradoras que acompanhei possui cartões fidelidade da Rede Angeloni, nenhuma possui o cartão do Big, pois este é só cartão de crédito e elas não precisam de “mais um”, e apenas Kati possui o cartão do Bistek.

Talvez se pudesse pensar nesses cartões fidelidade como uma carteira de identidade. Quer dizer, por identificarem-se com as lojas, as compradoras possuem cartões. Porém não foi isso que observei. Às vezes, os cartões funcionam como limitadores das opções, como Clara explicou: “não é que eu goste mais do Angeloni, mas como tenho o cartão...” Esta fidelidade, portanto, tem limites e não denota identidade com as lojas.

Nos três anos, ou mais, que durou esta pesquisa, as preferências das compradoras por uma ou outra loja variaram por diferentes razões. Ana, que preferia o Angeloni da Beira Mar, passou a preferir o do bairro Santa Mônica, pois teve uma experiência insatisfatória com o atendimento da loja. Laura passou a fazer compras também no Comper,

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Cartão do supermercado que existe nas modalidades de crédito e pontuação. No primeiro caso, o cartão serve para compras em qualquer estabelecimento comercial, dando, porém, vantagens nas compras efetuadas na própria loja. A segunda modalidade é de acúmulo de pontos conforme o valor das compras do cliente. Big, Bistek e Comper oferecem o cartão de crédito, enquanto a rede Angeloni oferece as duas modalidades.

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por ser perto da Universidade e oferecer, na opinião dela, alguns produtos a preços mais baixos. Iara e Kati continuaram frequentando o Bistek, por ser localizado no caminho de suas casas, porém algumas vezes ainda vão ao Angeloni, em função da percepção de melhor qualidade. Estes são exemplo que indicam que a escolha da loja onde fazer compras segue a mesma dinâmica da vida cotidiana: varia de acordo com as experiências e conveniências do momento, ao mesmo tempo em que segue uma rotina que dá tranquilidade e segurança.

3.5 PERCURSOS

A entrada nas lojas segue, efetivamente, uma rotina: pegar o carrinho de compras e seguir para dentro da loja, atravessando a fronteira representada pela fileira de caixas. Dali, os percursos que fazem enquanto estão em compras não parecem obedecer a um itinerário previamente estabelecido pelo planejamento dos comerciantes. Algumas mulheres param em frente ao display com folhetos de ofertas disposto nas entradas da maioria das lojas, folheiam, decoram alguns preços e partem para o interior da loja.

Deste ponto, as compradoras passam os olhos pelo ambiente antes de decidir por onde começar. Em supermercados menores a decisão é baseada na lista de compras, mesmo que seja uma lista mental. Em lojas maiores, há sempre o momento de olhar e tocar o que está no bazar. Tudo pode chamar a atenção do olhar e atrair as mãos das compradoras. Nestes casos, é só depois de “bisbilhotar” o bazar que decidem por onde começar as compras propriamente ditas.

Assim, é como flanêurs que a maior parte de minhas interlocutoras começa suas compras no supermercado. Raramente algum dos produtos olhados e tocados é colocado no carrinho, mas são tecidos comentários a respeito deles.

Em geral, essas situações ocorrem antes do começo das compras propriamente ditas, entendidas como o período em que é necessário esgotar a lista que a maioria leva consigo. Porém, a flanerie acontece, também, durante as compras. Com os olhos quase o tempo todo dirigidos às coloridas fileiras de produtos colocados nas prateleiras e as mãos postas nos carrinhos de compra, as mulheres parecem, também, estar gozando do prazer de olhar e de, entre tantas possibilidades, localizar uma novidade ou alguma mercadoria que as faça lembrar-se de

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um desejo, um projeto (preparar uma sobremesa ou limpar uma parte específica da casa), um amigo, uma situação ou um membro da família.

O lado por onde começam o percurso depende da loja e do gosto de cada uma. No Big não há muita alternativa. Entra-se pelo lado direito da loja e, dali sim, pode-se seguir para o fundo, atravessando o setor de bazar, ou pela frente, direto aos corredores de alimentação. Já nas lojas do Angeloni, a entrada principal localiza-se no centro da fileira de caixas. Algumas compradoras seguem pela esquerda, dirigindo-se primeiramente ao setor de padaria, outras pela direita, começando pelos sucos e refrigerantes. As lojas são desenhadas de tal forma que, para seguirem suas preferências de ordem de compras: secos e não refrigerados antes dos gelados, são obrigadas a dar mais de uma volta por sua extensão.

Mesmo assim, nenhuma das compradoras percorreu todos os corredores. Elas passam pelas entradas dos corredores, lançam um olhar para as gôndolas e só entram caso necessitem de algo cuja compra já estava planejada, percebam alguma “necessidade” que não estava na lista e que está naquele corredor ou algum produto ou outro estímulo, como promoções de vendas, provoquem a curiosidade.

Além disso, mesmo que percorram a loja, de um lado a outro, sempre há momentos de “volta” a um corredor que já foi visitado ou pelo qual já passaram. O que parece acontecer, além do esquecimento de algum item, é um registro mental de produtos que possam vir a ser comprados, que são desejados mas não necessários, no julgamento delas, aos quais voltam mais tarde para decidir se comprarão ou não. Vicky, por exemplo, que, decidida a fazer dieta, passou pelos chocolates que gosta e resolveu não comprar, passou novamente e comentou que poderia levar para Marcos (filho de dez anos), mas desistiu e, finalmente, quando passou pela terceira vez, colocou três barras no carrinho de compras. Ou Taís que viu uma espagueteira logo na chegada e, depois das compras feitas, voltou ao local da espagueteira, abriu a embalagem, avaliou a capacidade da panela, comparou com outras e, finalmente, desistiu de levar.

A maior parte das compradoras é bastante objetiva nas compras – maneira como elas mesmas se definem e que denota a habilidade necessária a uma especialista no assunto. Com o mapa do supermercado em mente, seguem o mais diretamente possível para as áreas de seus interesses. Mas essa objetividade é, com frequência interrompida por momentos de flanerie. Muitas vezes, quando dizem “eu faço sempre

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igual”, referem-se também aos percursos dentro das lojas, que não são, realmente, sempre iguais.

Figura 13 – Rosi e sua mãe percorrendo a loja para as compras de Leonora. Carrinhos separados para alimentos e material de limpeza.