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4. A DESQUALIFICAÇÃO SOCIAL E AS FRONTEIRAS MORAIS ENTRE OS POBRES

4.1 O CAMPO DE PESQUISA: o contexto geral e as trilhas percorridas

4.1.1 A escolha e a pesquisa de campo

Neste momento, faz-se importante retomar a questão metodológica para a melhor compreensão dos elementos expostos neste capítulo.Primeiramente, foi preciso levantar dados para a escolha do bairro que seria foco da investigação. Assim, a princípio, a proposta era selecionar apenas um bairro com alto índice de vulnerabilidade social que, consequentemente, abarcava um grande número de beneficiários do Programa; e que também dispunha de certa facilidade de inserção pela via dos principais organismos estatais que dialogam com os dispositivos do PBF que são: posto de saúde, escola e CRAS. Neste sentido, ainda que os atores institucionais não tenham tido papel de protagonista, foram imprescindíveis para este trabalho, integrando os bastidores desta pesquisa e expondo suas percepções. Isso significa que não foram realizadas entrevistas formais com estes atores, o que não significa que deixaram de ser considerados no âmbito da análise sendo alvos da observação participante e de diálogos informais que compuseram o diário de campo.

Com isto selecionamos, como base nos dados dispostos pelo Centro de Referência da Assistência Social, o primeiro bairro onde a coleta de dados foi realizada. O acesso a este bairro deu-se, em um primeiro momento, pela via da direção da escola municipal do bairro. A proposta em procurar uma instituição neste momento era de me inserir com mais facilidade no campo e poder ter acesso às famílias, tendo em vista que não há associação de moradores no bairro. Apesar de não termos entrevistado os atores institucionais, a inserção neste espaço foi importante pois possibilitou proceder à observação participante in loco. Assim, a diretora prontamente disponibilizou o ambiente da escola para que pudéssemos realizar as entrevistas com as famílias beneficiárias do PBF.

Neste aspecto, importa destacar que a escola, que atua com o primeiro segmento do ensino fundamental, atende a um percentual de quase 90% de alunos beneficiários do Programa em relação ao público geral, segundo a diretora. A infraestrutura da instituição é boa, contando com salas de aula, sala de informática, uma pequena biblioteca, um refeitório e uma secretaria. Apesar do pequeno espaço físico para que as crianças pudessem aproveitar as horas de intervalo, a escola provê atividades extramuros, onde as crianças podem dispor de campo de futebol e participar de atividades ao ar livre.

Convém acrescentar ainda que o trabalho de campo terminou por extrapolar o espaço físico do bairro selecionado, levando-me a deslocar-me em direção às teias relacionais de seus moradores existentes em outros territórios limítrofes os quais a escola e o posto de saúde também atendiam. Entretanto, esta abrangência não foi possível apenas por conta da extensão da rede de interações dos moradores e da cobertura dos serviços públicos do bairro. Deu-se também em função do que podemos considerar como um primeiro “indício” de estabelecimento de hierarquia moral entre pobres. Isso porque, ao iniciar a observação participante no bairro e assim envolver-nos em conversas informais, percebíamos uma tendência dos agentes institucionais e das primeiras famílias entrevistadas no referido bairro, a apontar para outros espaços reconhecidamente como de “pior fama”. Logo, foi também por este motivo que acabamos ainda sendo orientados a outro bairro mais distante, cuja desqualificação social já encontra-se incrustrada desde a origem do mesmo, fruto de ocupações – ou no dialeto nativo, de “invasões”- tendo sido apelidado em referência a uma novela que na época fora intitulada com o nome de uma favela paulista.

Importante mencionar ainda que uma das principais diferenças entre o que denominamos de bairro A (primeiro bairro de inserção em campo) e bairro B (bairro a que fomos direcionados no decorrer do campo de pesquisa) encontra-se na infraestrutura urbana e

no acesso a serviços básicos imprescindíveis a uma vida digna. Assim, enquanto o bairro A contava com um mínimo recurso, dispondo de posto de saúde, escola, creche e áreas de lazer como praça e até um campo de futebol; o bairro B dispunha apenas de uma creche em funcionamento, de uma escola construída, porém ainda não ativada, e não contava com rede de saneamento básico, de energia elétrica30 e de pavimentação que abarcasse todas as ruas.

Além disso, a situação de precariedade que atinge os moradores do bairro B encontra- se ligada à origem deste e que se confunde com a história de vida dos próprios moradores locais. Assim, o bairro B nasceu a partir da construção de um conjunto habitacional pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro desde 2011 para atender famílias cadastradas para recebimento do Aluguel Social31. Porém, devido à falta de recurso financeiro, o conjunto habitacional teve sua obra paralisada, motivo pelo qual os moradores começaram a ocupar este espaço “abandonado” por volta de 2015. Após um período de conflito com a prefeitura de Carmo, quando os moradores estiveram ameaçados de despejo, a situação destes foi regularizada em 2016, garantindo assim, a posse da casa pelos que haviam ocupado o local.

Expostas as trilhas metodológicas que me levaram a escolha dos dois bairros que formaram o complexo investigativo deste trabalho, resta detalhar melhor a forma como a pesquisa fora conduzida no bairro A para que possamos adentrar no segundo bairro selecionado para investigação. Retomando a inserção no primeiro bairro pela via da escola que atende a comunidade estudada, convém ratificar como fundamental o apoio dos agentes institucionais que nos garantiram suporte para contatar as famílias beneficiárias e assim ganhar a confiabilidade da comunidade para que pudéssemos alçar outras vias de acesso aos beneficiários e aos não beneficiários do Programa.

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