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3 ESCOLHAS TÉORICAS, PERCURSO METODOLÓGICO E

3.1 Escolhas teóricas

Em abril de 2017, completou-se treze anos da entrada em vigor do Decreto 5.154/2004, que restabeleceu a possibilidade de articulação entre ensino médio e educação profissional técnica de nível médio sob a forma integrada. Nesse período, com o objetivo de fomentar a política pública de integração, o governo federal, por intermédio da SETEC-MEC, produziu um conjunto de documentos e ações que buscaram auxiliar sua implantação, bem como novas Leis e Decretos voltados a incentivar a oferta dos cursos integrados, especialmente nas redes estaduais e na própria rede federal de EPCT.

Entre os documentos de referência estava o Documento Base – Educação Profissional Técnica de Nível Médio integrada ao Ensino Médio – publicado em dezembro de 2007, simultaneamente à entrada em vigor do Decreto 6.302 de 12 de dezembro de 2007. Este Decreto instituiu o Programa Brasil Profissionalizado, que tinha como um dos objetivos: “fomentar a expansão da oferta de matrículas no ensino médio integrado à educação profissional, pela rede pública de educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive na modalidade à distância (BRASIL, 2007, p.1).

No âmbito do sistema federal de ensino, um ano após o início do programa Brasil Profissionalizado, criou-se, por meio da Lei 11.892/2008, a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, composta, inicialmente, pelas seguintes instituições64:

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A partir da Lei 12.667, de 25 de junho de 2012, foi incorporada a Rede federal de EPCT o Colégio Pedro II.

I - Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia - Institutos Federais;

II - Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR;

III - Centros Federais de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca - CEFET-RJ e de Minas Gerais - CEFET-MG;

IV - Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais. (BRASIL, 2008, p. 1).

De acordo com os artigos 7º e 8º da respectiva Lei, estas instituições, em cada exercício, deveriam ministrar educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente na forma de cursos integrados, garantindo o mínimo de 50% de suas vagas, para esse tipo de curso. Ou seja, em termos legais, apenas a rede federal tinha a obrigatoriedade de ofertar um número mínimo de matrículas no que se convencionou chamar de Ensino Médio Integrado (EMI).

No entanto, mesmo com um conjunto de estímulos, inclusive financeiros, e da ampliação do número de matrículas, a oferta de EMI na rede pública ainda continua muito pequena diante da matrícula total no ensino médio brasileiro65. Já na rede privada, manteve-se o predomínio de vagas nas formas concomitante e subseqüente,

com destaque para a oferta no Sistema S66. Ou seja, passada mais de uma década

da (re) abertura da possibilidade de articulação curricular entre ensino médio e técnico, a oferta de vagas no ensino médio brasileiro continuou baseada no “modelo tradicional”, com duração de três anos, voltada para o ensino propedêutico e para a preparação para o acesso à educação superior.

Com a efetivação do golpe jurídico-parlamentar, e a ascensão de Michel Temer à Presidência da República, a perspectiva de formação integrada, que já estava

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De acordo com o Observatório do Plano Nacional de Educação (PNE), em 2016 havia 407.848 estudantes matriculados no EMI na rede pública. Entretanto, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), no mesmo ano o total de matrículas nessa rede correspondia a 7.117.841, ou seja, o EMI representava menos de 6% da oferta.

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Termo que define o conjunto de organizações das entidades corporativas voltadas para o treinamento profissional, assistência social, consultoria, pesquisa e assistência técnica, que além de terem seu nome iniciado com a letra S, têm raízes comuns e características organizacionais similares. Fazem parte do sistema S: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai); Serviço Social do Comércio (Sesc); Serviço Social da Indústria (Sesi); e Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (Senac). Existem ainda os seguintes: Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar); Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop); e Serviço Social de Transporte (Sest).

sendo questionada por setores vinculados aos reformadores empresariais da

educação67, tornou-se ainda mais ameaçada.

Via Medida Provisória (MP) 746/2016, cinco meses depois transformada na Lei 13.415 de 16 de fevereiro de 2017, o governo federal impôs um “novo ensino médio”, sob o slogan, no mínimo duvidoso, “Quem conhece, aprova”. Paralelamente ao

trâmite da MP, no final de dezembro de 2016, o MEC lançou o Programa Médiotec68,

como uma das novas ações do PRONATEC. Um dos objetivos desse programa consiste em retomar crescimento da oferta de ensino técnico concomitante ao ensino médio, o que, no mínimo, vai na contramão da formação integrada.

Sob o “novo ensino médio”, as primeiras análises vinculadas à perspectiva crítica69 apontam para o fortalecimento da lógica mercantil e do pragmatismo no contexto educacional, por meio da interlocução do governo brasileiro com o empresariado e seu explícito interesse de vincular a formação escolar à preparação de mão de obra para atender as necessidades imediatas do mercado de trabalho (SILVA; SCHEIBE, 2017).

Quanto ao EMI percebemos um movimento contraditório. Ao mesmo tempo em que surgem iniciativas no interior da rede federal de EPCT voltadas para a defesa dessa perspectiva de formação, a exemplo do Seminário Nacional do Ensino Médio Integrado, realizado em Brasília entre os dias 19 e 21 de setembro de 2017, um conjunto de IFs70 passa a ofertar cursos vinculados ao Programa Médiotec que tem como horizonte a concomitância.

Já em relação ao IFBA, os primeiros cursos, na perspectiva da integração, foram iniciados em 2006. Passados cerca de onze anos, observamos que, tanto a gestão, quanto a maioria da comunidade interna (servidores, estudantes etc.), não incorporou de forma clara os fundamentos teóricos da formação integrada. Isso coloca em suspeição os rumos do EMI no Instituto, tendo em vista que, desde 2016, há movimentos internos de reformulação dos cursos, sem, contudo, a realização de pesquisas institucionais e um aprofundamento teórico-metodológico em torno da formação ofertada até o momento.

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Ver discussão realizada nas seções terciárias 4.1.1 a 4.1.3 2. 68

Maiores informações sobre o Programa Médiotec podem ser acessadas no seguinte endereço eletrônico: <http://portal.mec.gov.br/mediotec>. Acesso em: 19 nov. 2011

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Cf. Dossiê Retratos da Escola: A reforma do ensino médio em questão., v.11, n.20, jan. a junho de 2017.

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O IFBA está entre alguns dos IFs que oferta vagas pelo Médiotec. Inclusive, o primeiro edital foi publicado no dia 21 de setembro de 2017.

Porém, após questionamentos por parte da comunidade interna, no segundo semestre de 2017 a Direção Geral e a Direção de Ensino do Campus Salvador, optaram pela constituição de um Colegiado ampliado de cada curso, formado pelas respectivas coordenações, docentes e equipe pedagógica cujo objetivo é reformular os PPCs. Até o fechamento dessa tese, essa discussão ainda encontrava-se em andamento.

Diante do exposto, para compor a revisão da literatura, selecionei dois grupos de autores que, nas últimas décadas, vêm se posicionando teoricamente sobre a formação no ensino médio-técnico no Brasil, com base em pontos de vistas distintos, antagônicos.

Nessa direção, o primeiro grupo de autores selecionado vincula-se ao que denominei de perspectiva hegemônica dos reformadores empresariais da educação. Assim, apresento como principais expoentes o economista Cláudio de Moura Castro (2005, 2008) e o sociólogo Simon Schwartzman (2016). Já o segundo grupo, composto por Moura (2010), Saviani (2003; 2007), Frigotto (2009), Ciavatta (2005) e Ramos (2005) vincula-se a perspectiva que nomeei de contra-hegemônica, pautada numa concepção crítica de educação.

Apesar de não deixar explícitas nos textos consultados as suas orientações teóricas, tanto Castro quanto Schwartzman, há mais de uma década, vêm questionando a perspectiva de formação humana defendida pelos autores vinculados à perspectiva contra-hegemônica. Partindo do legado deixado por Karl Marx e Frederich Engels e, posteriormente, pelo filósofo italiano Antonio Gramsci, os autores

que compõem o segundo grupo, defendem nas suas produções acadêmicas, uma

educação emancipatória em relação ao capital. Ou seja, pautada no trabalho como princípio educativo, na educação politécnica e no EMI enquanto travessia para a formação omnilateral.

Com a ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) à presidência da República, em 2003, uma parte das contribuições desses autores vinculadas à perspectiva contra-hegemônica foi, inclusive, incorporada, contraditoriamente, pelo governo federal à época da formulação da política pública de integração, resultando no Decreto 5.154/2004 e no Documento Base (2007) citado anteriormente.

Assim, em termos teóricos, optei por incluir a visão de mundo desses dois grupos, pois entendo que tratar da formação humana no contexto da educação básica-profissional, de um modo geral, e da realidade do curso médio-técnico em

Geologia do IFBA Campus Salvador, em particular, perpassa a apropriação desse debate. Mesmo, reconhecendo, que no caso dessa investigação, houve certo distanciamento entre as formulações teóricas dos dois grupos de autores e as narrativas dos participantes da pesquisa.