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Escrita Manual – Origem, Desenvolvimento e Poder de Identificação

A escrita surgiu com a necessidade de comunicar e tornar a informação oral, nomeadamente as ideias, os pensamentos e os desejos, em algo material.

404 Cf. PINHEIRO, Maria de Fátima - Ciências Forenses ao Serviço…, p. 358 estas são algumas das especificidades da escrita.

405O CEPSIES realiza, para além de outros serviços, perícias de escrita manual com fins judiciais ou com fins particulares. Foi fundado pelo Doutor Francisco Queiroz, em 1997, e conta, desde 2013, com a colaboração da Dr.ª Leonor Moreira. A cooperação dos dois profissionais foi fundamental para o desenvolvimento do capítulo da escrita manual que aqui se apresenta, pois grande parte da informação sobre as técnicas, processos e procedimentos relativamente aos exames de reconhecimento de letra foi facultada e confirmada pelos mesmos. Não existem referências bibliográficas de Francisco Queiroz neste trabalho pois, apesar de ter várias obras editadas, cuja informação está disponível em http://www.queirozportela.com/perfilfra.htm, o profissional, embora esteja prevista uma publicação para o próximo mês de junho de 2017, ainda não editou qualquer obra sobre o tema dos exames de reconhecimento da letra em específico. Informação adicional sobre a equipa e serviços do CEPSIES pode ser obtida em http://www.cepsies.pt. O perfil biográfico de Francisco Queiroz está disponível em http://www.queirozportela.com/perfis.htm.

406Cf. BUCHO, José Manuel Saporiti Machado da Cruz (2013) - Sobre a recolha de autógrafos do arguido: natureza, recusa, crime de desobediência v. direito à não auto-incriminação (notas de estudo). [Consult. 27 Nov. 2016]. Disponível em https://www.trg.pt/ficheiros/estudos/sobre_a_recolha_de_autografos_do_arguido.pdf. “É aparentemente fácil a distinção entre exame - meio de obtenção da prova pela qual a autoridade judiciária, o órgão de policia criminal ou o perito percepcionam directamente os elementos úteis para a reconstituição dos factos e descoberta da verdade (…) - e a perícia - meio de prova que tem lugar quando a percepção ou apreciação dos factos exigem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos (…)”. “A distinção é só aparente, pois que são enormes as dificuldades na distinção. A dificuldade sobe de tom quando se sabe que na base de uma perícia está sempre um exame. E tanto é assim que, para além de por vezes os termos exame e perícia serem utilizados indistintamente, alguma doutrina, como alguma jurisprudência e até o próprio legislador, aludem expressamente a exames periciais”. Para ABREU, Carlos Pinto de - Prova e meios de obtenção de prova breve nota sobre a natureza e o regime dos exames no processo penal. [Consult. 27 Nov. 2016]. Disponível em http://carlospintodeabreu.com/public/filesCPA_prova_meios_obtenca o_prova.pdf. o exame de reconhecimento de letra “não é verdadeiro exame, mas uma figura mista entre o exame e a perícia”.

84 No Neolítico começou-se por fixar o pensamento de forma gráfica através de desenhos inscritos nas paredes das grutas que vieram a ser reconhecidos, compreendidos e reproduzidos pela população como forma de comunicação407.

Não há consenso entre os estudiosos da matéria quanto à determinação da origem do primeiro alfabeto408 porém, sabe-se que a civilização egípcia foi grande impulsionadora na aproximação da escrita ao que ela é atualmente.

Os egípcios foram, de facto, um povo inovador no que toca à matéria das perícias e no que concerne, especificamente, à escrita, trouxeram o papiro como suporte material que, rapidamente, levou à reprodução quase total da linguagem oral.

Contudo, os primeiros escritos terão surgido na Mesopotâmia, por volta de 4000 anos a.C, e eram representativos da escrita cuneiforme acádica409. Estes escritos terão surgido pela necessidade social relacionada com as trocas diretas nas atividades agrícolas, embora se tenham alargado a outras áreas como a Literatura e o Direito.

A evolução na escrita foi evidente e surgiram vários alfabetos adaptados às realidades e necessidades sociais. Chegou-se, por exemplo, aos alfabetos etrusco e grego, que tiveram grande influência na língua latina e, este último, foi um alicerce na formação da atual língua portuguesa.

Por conseguinte, a escrita tornou-se uma forma universal de comunicação e, tal qual refere M.

Fátima Pinheiro, “O mundo sem escrita seria completamente inimaginável”410.

Define-se escrita como “a representação do pensamento e da palavra por meio de sinais convencionais”411 ou como uma “técnica de representação por meio de sinais convencionais”412.

A escrita manual é uma aptidão biológica que se adquire por aprendizagem e, desde logo, carrega variação e características próprias de cada indivíduo. Esse aspeto, único e diferenciador, é antecedido por um processo de personalização que é influenciado por diversos fatores, tais como culturais, biológicos, familiares, sociais entre outros. Pelo facto de a escrita ser extremamente

407PINHEIRO, Maria de Fátima - Ciências Forenses ao Serviço…, p. 345.

408PINHEIRO, Maria de Fátima - Ciências Forenses ao Serviço…, p. 345.

409PINHEIRO, Maria de Fátima - Ciências Forenses ao Serviço…, p. 345.Esta escrita foi desenvolvida pelos Sumérios e era feita com o auxílio de objetos em formato de cunha para escrever em tábuas de argila.

410PINHEIRO, Maria de Fátima - Ciências Forenses ao Serviço…, p. 345.

411In infopédia - Dicionário Porto Editora [Consult. 5 Ago. 2016]. Disponível em http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/escrita.

412In infopédia - Dicionários Porto Editora [Consult. 5 Ago. 2016]. Disponível em http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/escrita.

85 personalizada, ela pode ser equiparada ao ADN e às impressões digitais, como característica identificadora de uma pessoa413.

Fazendo uma análise aos aspetos diferenciadores da escrita do ponto de vista biológico414, ela é um fenómeno bastante complexo, que envolve a interação entre mecanismos cerebrais e o sistema nervoso e muscular que criam programas motores. Basicamente, são enviadas mensagens do cérebro para os músculos e vice-versa, de forma a ajustar as sequências, os timings, os movimentos e a pressão aplicada no material gráfico415.

Como estes motores se desenvolvem com base na prática de execução e repetição de movimentos, são produzidos padrões com características invariantes e, por isso, únicos a cada pessoa. Por essa razão, o processo de imitação da escrita é muito complexo, difícil e moroso, pois implica o conhecimento dos motores implícitos à letra que se pretende imitar.

Do ponto de vista da aprendizagem, a escrita é ensinada formalmente na nossa sociedade, por volta dos 5 ou 6 anos de idade. Com o passar do tempo, a aprendizagem das letras vai evoluindo até se tornar em escrita rápida, ágil, com características próprias e sem que o indivíduo esteja muito atento ao ato de escrever.

Estes são os sinais que a maturidade gráfica foi atingida e, por essa razão, a letra e a escrita adquirem características próprias e definitivas que as tornam únicas e pessoais416.

Resultante da personalização da escrita madura a nível gráfico, podem ser apontadas duas características: 1) As características de classe que se adquirem na escola e são, por isso, comuns a muitas pessoas; 2) As características pessoais que são as próprias de cada um.

As características pessoais são as mais relevantes, no âmbito de um processo de identificação gráfica, na medida em que, apesar de poder haver algumas características individuais da escrita comuns a duas pessoas, esse fator de semelhança não é possível acontecer no todo417.

A este propósito, o Acórdão do TRG418, relatado por Ana Cristina Duarte, diz que cada pessoa tem na sua escrita um rasto de movimento próprio e singular que se mostra inconfundível no

413PINHEIRO, Maria de Fátima - Ciências Forenses ao Serviço…, p. 343.

414PINHEIRO, Maria de Fátima - Ciências Forenses ao Serviço …, pp. 346-350.

415PINHEIRO, Maria de Fátima - Ciências Forenses ao Serviço …, p. 346.

416Cf. PINHEIRO, Maria de Fátima - Ciências Forenses ao Serviço…, pp. 349-350 apontam-se como períodos de desenvolvimento gráfico numa pessoa a evolução do grafismo durante a infância e a adolescência, a maturidade gráfica no final da adolescência, e a senilidade gráfica que começa por volta dos 65 anos.

417 Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - Processo n.º 548/11.1TBCBT-D.G1…, são as características singulares da escrita “que permitem incluir a escrita, mais especificamente, a assinatura nas características biométricas, que permite distinguir um indivíduo de outro”.

418Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - Processo n.º 548/11.1TBCBT-D.G1,…

86 domínio interindividual e se revela constante no plano intraindividual. É exemplo disso, o facto de recebermos uma carta ou termos acesso a um documento manuscrito e conseguirmos identificar a pessoa só com base no aspeto geral da letra.

Há que salientar que o estudo judicial da escrita é dividido em dois subprodutos, ou seja, o texto e a assinatura419. No texto manuscrito, por influência da idade, as alterações são mais visíveis.

No que toca à assinatura esta permanece estável por mais tempo, pois é a partir dela que alguém é identificado.

Para além dos fatores naturais de variação da letra há outros fatores que influenciam amplamente na forma de a produzir. É o caso do álcool, das drogas, dos medicamentos, das condições ambientais e da qualidade dos instrumentos gráficos, que podem pôr qualquer processo de análise ou exame à escrita420 em causa.