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A Perícia Colegial e a Perícia Singular

É relatado no Acórdão do TRG de maio de 2012355 que o resultado da perícia é expresso num relatório no qual o perito, se a perícia for singular, ou peritos se a perícia for colegial, se pronunciam fundamentadamente sobre o respetivo objeto. Como o próprio termo alude, e tal qual se percebe pela narrativa acima, a perícia é singular quando é realizada por um só perito e é colegial quando o número de peritos intervenientes na perícia é superior a um.

O art. 468º do CPC estabelece que a perícia, quando é realizada por mais de um perito, até ao número de três, funciona de forma colegial ou interdisciplinar em duas situações. A primeira é por impulso do juiz, quando este entende que a perícia é de carácter complexo ou exige entendimento em matérias diferenciadas. A segunda é por impulso das partes.

Quando o requerimento da prova pericial colegial provém das partes e estas acordam logo na nomeação dos peritos, o juiz deve, a não ser que tenha razões fundamentadas para pôr a sua idoneidade ou competência em causa, nomeá-los356. Se as partes discordarem relativamente à nomeação, cada uma delas escolhe um perito e o juiz designa o terceiro.

É curioso saber, a este propósito, que, até à revisão do CPC de 1995-1996, a perícia colegial era a regra, ou seja, a perícia só era realizada de forma singular quando as partes acordavam na

354NETO, Abílio - Novo Código de Processo Civil. 3.ª ed. Lisboa: Ediforum, 2016. ISBN 978-989-8438-13-3, p. 565.

355 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - Processo n.º 944/10.1TBVVD-A.G1, de 8 de maio de 2012. Relator Maria Catarina Gonçalves. Disponível em www.dgsi.pt

356Conforme dispõe o n.º 2 do art. 468º do CPC que remete para a segunda parte do n.º 2 do art. 467º do CPC.

74 nomeação de um só perito, ou quando a perícia era requerida pelo tribunal e a questão de facto, sobre a qual esta recaía, fosse de grande simplicidade357. Houve exatamente uma inversão da lei.

Na alínea b) do art. 488º do CPC, é feita uma ressalva de que caso a primeira perícia tenha sido colegial, a segunda perícia tem que funcionar exatamente nos mesmos moldes, ou seja, também tem que ser realizada por um colégio de peritos. Esta disposição surgiu com a reforma de 2013358, pois, até aí, como se percebe pelo relato do Acórdão do TRG, de setembro de 2014359, a lei dispunha que a segunda perícia era, em regra360, realizada colegialmente e o número de peritos excederia em dois os da primeira perícia. O juiz nomeava um perito, cabendo às partes a nomeação dos outros361.

Ao requerer a perícia colegial, as partes devem, de imediato, indicar os respetivos peritos, a não ser que argumentem dificuldade de forma justificada e peçam, por isso, a prorrogação do prazo. Caso não o façam, como se percebe pela narrativa do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de fevereiro de 2011, fica “precludida a realização de tal perícia colegial”362, ficando estabelecida a perícia singular. No entanto, se o juiz entender que a matéria em causa reveste complexidade ou requer conhecimentos em diferentes áreas pode, por isso, ordenar a perícia colegial. O juiz, com esta medida, supre a omissão da parte que não nomeou o perito e vai, ele próprio, indicar a identidade do profissional para se dar início à realização da perícia por um colégio de peritos.

Nas situações em que haja mais de um réu ou mais de um autor e não seja possível obter concordância entre eles, impera a designação da maioria, mas, em caso de esta não se produzir, o juiz é quem decide sobre a identidade do perito.

Em suma, perante a análise do regime da perícia colegial e singular363, quando a perícia não é realizada em laboratório, estabelecimento ou serviço oficial apropriado, é, em princípio, levada a

357FREITAS, José Lebre de; MACHADO, Montalvão A.; PINTO, Rui - Código de Processo Civil…, pp. 525-526.

358 Pela LEI nº. 41/13. D.R. I Série. N.º 121 (13/06/26) 3518-3665.

359Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - Processo 1336/12.3TBVVD-A.G1, de 11 de setembro de 2014. Relator Isabel Rocha. Disponível em www.dgsi.pt. “Anote-se que, no pretérito CPC determinava-se que a segunda perícia seria em regra colegial, excedendo o número de peritos em dois o da primeira, cabendo ao juiz nomear apenas um deles (cfr art.º 590.º al b). O art. 590º do CPC referido no Acórdão é o correspondente ao art. 488º do CPC atual.

360Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - Processo 1336/12.3TBVVD-A.G1… A interpretação para a razão pela qual a norma indicava que a perícia era, em regra, colegial deve-se à seguinte explicação: “Mas também se entendia que, mesmo dispondo a lei, no domínio da redacção anterior, que a segunda perícia era em regra colegial, da citada norma, resultava, desde logo, que, apesar de se instituir como regra a perícia colegial (no que respeita à 2ª perícia), não era obrigatório que assim fosse e, portanto, a realização de uma 2ª perícia por um único perito foi admitida e consentida pelo legislador”.

361 Podia ler-se no art. 590º do CPC, antes da reforma de 2013, que “A segunda perícia será, em regra, colegial, excedendo o número de peritos em dois o da primeira, cabendo ao juiz nomear apenas um deles”.

362No Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - Processo n.º 392/10.3TBPVZ-A.P1, de 22 de fevereiro de 2011. Relator Rodrigo Pires. Disponível em www.dgsi.pt. O termo “preclusão” refere-se à extinção de um direito processual por não ter sido exercido no prazodevido.

363Presente no art. 468º do CPC.

75 cabo por um único perito. Só nestas situações excecionais pode intervir mais que um profissional, até ao número máximo de três.

Numa segunda perícia colegial, as regras de nomeação dos peritos são exatamente as aplicáveis à primeira perícia colegial, ou seja, a nomeação é feita por acordo das partes ou, na falta de acordo, cada uma das partes indica um perito e o juiz designa o terceiro.

As perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais e são regulamentadas em diploma específico364. Em regra, as perícias médico-legais são efetuadas por um único perito sendo realizadas colegialmente quando o tribunal, de forma fundamentada, o determine365.

Dita o respetivo diploma que, atendendo ao grau de especialização dos médicos peritos e à organização das delegações médico-legais do Instituto, deve ser dada primazia aos serviços singulares, ficando as perícias colegiais, destinadas para os casos em que o juiz, por falta de alternativa, fundadamente o determinar366. Todavia há situações em que, devido à complexidade da matéria, é autorizada a intervenção de um segundo profissional na realização da perícia.

São exemplo disso os exames de vítimas de agressão sexual que podem ser realizados por dois médicos peritos ou por um médico perito auxiliado por um profissional de enfermagem367.

A autópsia médico-legal é outro caso para o qual está regulada a intervenção de um médico perito assistido por um auxiliar de perícias tanatológicas368. Em caso de especial complexidade na realização desta perícia ou, na impossibilidade do perito poder ser auxiliado pelo auxiliar de perícias tanatológicas, este último pode ser substituído por outro médico perito, dando-se lugar, em ambas as situações, a uma pericial colegial369.

Em casos de expropriação por utilidade pública a lei370 prevê a perícia colegial para situações em que, efetivamente, se torna necessária a intervenção de mais que um perito. É caso disso a avaliação dos bens imóveis em sede de recurso da arbitragem, pois, conforme estabelece a norma,

364LEI 45/04. D.R. I Série A. 195 (04/08/19) 5362-5368.

365Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - Processo n.º 2016/12.5TBBCL-A.G1, de 20 de março de 2014. Relator Helena Melo. Disponível em www.dgsi.pt.

366Esta disposição consta na LEI 45/04. D.R. I Série A. 195 (04/08/19) 5362-5368, secção III – Exames e perícias da clínica médico-legal e forense, no art. 21º.

367Esta disposição consta na LEI 45/04. D.R. I Série A. 195 (04/08/19) 5362-5368, secção III – Exames e perícias da clínica médico-legal e forense, no n.º 2 do art. 21º “Os exames de vítimas de agressão sexual podem ser realizados, sempre que necessário, por dois médicos peritos ou por um médico perito auxiliado por um profissional de enfermagem”.

368As perícias tanatológicas são realizadas ao abrigo da ciência da tanatologia que consiste no estudo científico da morte. Este estudo investiga os mecanismos e aspetos forenses da morte.

369 Esta norma consta na LEI 45/04. D.R. I Série A. 195 (04/08/19) 5362-5368, secção II - Exames e perícias no âmbito da tanatologia forense, no art. 19º “Excepcionalmente, perante particular complexidade da autópsia ou impossibilidade de coadjuvação por auxiliar de perícias tanatológicas pode, também, a autópsia ser realizada por dois médicos peritos”.

370Lei n.º 168/99.D.R. I Série A. 219 (99-09-18) 6417-6436 alterada e republicada pela Lei 56/08.D.R. 1.ª Série. 171 (08-09-04) 6191-6210 referente ao Código das Expropriações.

76 a avaliação tem que ser realizada por cinco peritos. Destes cinco peritos, um é designado por cada uma das partes e os três peritos remanescentes são determinados pelo tribunal, de entre uma lista oficial371.

Outra novidade, trazida pela reforma de 2013, foi o nº. 5 do art. 468º. O preceito consiste no facto de a perícia colegial não poder ser realizada em ações cujo valor não seja superior a metade da alçada372 da Relação. Atendendo que, atualmente a Relação admite ações até 30.000 euros373, conclui-se que nas ações de valor superior a 15.000 euros, pode ser realizada a perícia colegial. A perícia singular fica, desta forma, destinada a ações até 15.000 euros, inclusive.