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Exames de Escrita Manual – Origem e Comparação de Escritas

A origem dos exames periciais de escrita manual vem da Antiguidade e a eles está associado o aparecimento da escrita. Na Roma antiga, já se realizavam exames de escrita de documentos e assinaturas, onde eram “questionados escritos difamatórios”421. Embora estes exames não tivessem qualquer suporte teórico e científico, eram já reconhecidos como um meio identificador de quem produzia a letra ou assinatura.

No ano 320 d.C., o imperador Constantino, incluiu o estudo da comparação de escritas na disciplina criminalística, no âmbito do processo penal contudo, esta comportava, apenas, a comparação da forma das letras. Os séculos XI e XII foram apontados como sendo pioneiros nas tentativas de determinar a idade das escritas e a análise do papel porém, o grande passo para as perícias da escrita foi dado na França, em 1562, com a criação da primeira associação de peritos de escrita 422.

419PEREIRA, Artur (2009) - As Perícias na Polícia Judiciária. [Consult. 5 Ago. 2016]. Disponível em http://www3.bio.ua.pt/Forense/As%20Pericias%20na%20Pol%C3%ADcia%20Judiciaria%20ArturPereira.pdf.

420 Cf. PINHEIRO, Maria de Fátima - Ciências Forenses ao Serviço…, p. 361 “Os fatores que afetam a escrita podem ser involuntários ou voluntários. De entre os fatores involuntários, pode destacar-se o tipo de instrumento gráfico utilizado, o suporte onde a escrita é realizada, a posição que o indivíduo assume ao executar a escrita, a saúde do indivíduo, a influência de medicamentos, drogas ou álcool e também fatores ambientais. Como fatores voluntários de alteração de escrita, refere-se o disfarce de escrita e a falsificação de escrita. A este propósito DINIS-OLIVEIRA, Ricardo Jorge; MAGALHÃES, Teresa - O que são as Ciências Forenses?. 1ª ed. Lisboa: Pactor, 2016. ISBN 9789896930554, p. 63 acrescenta que “De entre os fatores que provocam alterações involuntárias destacam-se a idade, as patologias (e.g, doença de Alzheimer) e o estado emocional (e.g., stresse)”.

421GUERREIRO, Ana Margarida Esteves - Falsificação e Contrafação de Documentos - A Prova Pericial: Estudo Exploratório nos Juízos Criminais do Porto.Porto: Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. Tese de Mestrado em Medicina Legal, p. 50.

422Esta associação era denominada por Communauteé d’écrivains experts verificateurs.

87 Posteriormente, no século XVII, a área da comparação de escritas foi bastante impulsionada423 devido ao aparecimento dos primeiros trabalhos, sobre algo semelhante ao que hoje chamamos de grafologia424, assim como à publicação de obras por parte de peritos da escrita.

É de referir, no entanto, que a Grafologia, como disciplina, apareceu somente no século XIX, em França425.

Na Alemanha, a peritagem de escritas deu os primeiros passos por volta do início do século XIX quando, na universidade, foi criada a disciplina de estudo denominada “Ciências dos documentos”426. Apesar de nessa época, o destaque de estudo da escrita ter sido focado no carácter e na personalidade, ou seja, com base na grafologia, houve já um contributo para que a análise à escrita não fosse só feita à sua forma. Este facto revelou, por isso, um avanço na área das perícias da escrita.

Em períodos posteriores, foram desenvolvidos outros estudos à escrita que envolveram perceber os tremores, quantificar pormenores, medir a proporcionalidade, a raridade, a estabilidade, a consistência, entre outros aspetos, que conduziram à compreensão da escrita a nível da constância ou firmeza.

1901 foi um ano de grande destaque na evolução da análise da escrita forense, no que refere à produção de fundamentos teóricos, na medida em que características como a extensão, largura, ângulo de inclinação, grau e formas de ligação, alinhamento, regularidade, orientação, entre outras, eram alvo de análise427. A classificação da escrita, com base nesses fundamentos, foi deveras importante e, mais tarde, tornou-se num método oficial conhecido por sistema de Mally. Este sistema, apesar de ter sofrido algumas alterações, é ainda utilizado nos dias de hoje428.

423Cf. PEREIRA, Artur (2009) - As Perícias na Polícia Judiciária. [Consult. 5 Ago. 2016]. Disponível em http://www3.bio.ua.pt/Forense/As%20Pericias%20na%20Pol%C3%ADcia%20Judiciaria%20ArturPereira.pdf, em 1727, foram atribuídos títulos académicos a peritos forenses e a sua associação, Communauteé d’écrivains experts verificateurs, foi promovida a academia.

424 Cf. PINHEIRO, Maria de Fátima - Ciências Forenses ao Serviço…, p. 336 a grafologia é a análise da escrita com o objetivo de aceder a traços de personalidade.

425O termo grafologia foi criado pelo abade Jean-Hippolyte Michon.

426PEREIRA, Artur (2009) - As Perícias na Polícia Judiciária. [Consult. 5 Ago. 2016]. Disponível em http://www3.bio.ua.pt/Forense/As%20Pericias%20na%20Pol%C3%ADcia%20Judiciaria%20ArturPereira.pdf.

427Verifica-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa- Processo n.º 949/05.4TBOVR-A.L1-8..., que são feitas referências a algumas destas características da escrita “A observação da escrita das assinaturas genuínas e a das contestadas revela, nos elementos gerais algumas semelhanças, designadamente: no grau de evolução; na fluência e velocidade de escrita; no espaçamento;

no grau e tipo de conexão; na dimensão absoluta e relativa de escrita; nos levantamentos de pena; no grau de angulosidade e curvatura decorrente do tipo de escrita. Além disso, um exame comparativo, de pormenor, entre a escrita das assinaturas genuínas e a das contestadas revela, igualmente, semelhanças”.

428PEREIRA, Artur (2009) - As Perícias na Polícia Judiciária. [Consult. 5 Ago. 2016]. Disponível em http://www3.bio.ua.pt/Forense/As%20Pericias%20na%20Pol%C3%ADcia%20Judiciaria%20ArturPereira.pdf.

88 Atualmente, a investigação científica incide, principalmente, no estudo da dinâmica da escrita e remete, por isso, para os aspetos motores a ela implícitos429.

A análise judicial da escrita demorou anos até que fosse aceite como ciência e reconhecida nos tribunais, pois, até início do século XX, imperavam os exames empíricos que lhe retiraram crédito.

Contudo, os contínuos estudos e o avanço nos métodos científicos, a juntar à necessidade judicial que se foi criando na obtenção de prova relativa a letra e assinatura, levou a que os exames periciais de escrita manual fossem cada vez mais desenvolvidos e considerados credíveis.

Nas perícias de escrita manual, para que o autor de uma escrita específica, anónima ou com autoria desconhecida, seja identificado, tem que ser feito um trabalho de comparação de letra entre escritas conhecidas e cujo autor esteja já identificado. Para que aconteça, tem que ser levado a cabo um processo de confronto, por forma a identificar as características gerais e individuais presentes na letra.

No contexto judicial, a perícia da escrita é entendida como “a possibilidade de identificar o autor de um determinado manuscrito, ou a de atestar a sua autenticidade”430.

No tocante à recolha de escritos para comparação, foi na Alemanha, em 1905, que se estabeleceu um processo com requisitos próprios que ainda hoje é utilizado431. Este processo é atualmente conhecido, em Portugal, por recolha de autógrafos432.

De forma a ser possível definir uma escrita têm que ser recolhidos vários autógrafos, devendo estes conter as singularidades da letra, exibir os hábitos de escrita usuais da pessoa em causa, ser legível e conter letras e conexões que permitam a sua identificação.

Para identificar uma pessoa como autora de uma assinatura tem que, obrigatoriamente, existir uma combinação de pontos de concordância, sem que prevaleçam diferenças capitais, para que se exclua a hipótese de sincronismo acidental.

429 Cf. PINHEIRO, Maria de Fátima - Ciências Forenses ao Serviço…, p. 346 “Um programa motor é desenvolvido tendo como base a experiência de execução de movimentos pertencentes à mesma classe de tarefas, e, como tal, os padrões produzidos a partir de um determinado programa têm características invariantes, o que permite a individualização da escrita”. O processo de falsificação de escrita é uma tarefa muito complexa porque “implica o conhecimento dos programas motores subjacentes à escrita que se pretende imitar”.

430PEREIRA, Artur (2009) - As Perícias na Polícia Judiciária. [Consult. 5 Ago. 2016]. Disponível em http://www3.bio.ua.pt/Forense/.

As%20Pericias%20na%20Pol%C3%ADcia%20Judiciaria%20ArturPereira.pdf.

431Cf. PEREIRA, Artur (2009) - As Perícias na Polícia Judiciária. [Consult. 5 Ago. 2016]. Disponível em http://www3. “foi Schneickert, comissário da policia criminal alemã, quem definiu os requisitos para as recolhas de escritos para comparação”.

432A este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - Processo n.º 171/12.3TAFLG.G1-A.S1, de 28 de maio de 2014.

Relator Armindo Monteiro. Disponível em www.dgsi.pt., refere que: “(…) por crime de falsificação de documento, se terem recusado a participar na diligência de prova de recolha de autógrafos, ordenada pelo M.º P.º, que os advertiu da prática daquele crime, em caso daquela recusa”; “A recolha de autógrafos implica uma acção positiva do arguido que não se confunde com o mero tolerar passivo da actividade de terceiro”.

89 O perito, profissional em escrita manual, “não investiga nem semelhanças nem diferenças, mas sim a concordância ou divergência de individualidades identificativas da escrita”433 o que nos parece ser uma tarefa difícil, rigorosa e muito metódica.

Um aspeto que julgamos ser de dificuldade acrescida é o facto de o perito ter que atender aos inúmeros aspetos técnicos em equilíbrio com as variações naturais da escrita, pois estas são intrínsecas às atividades humanas e não existem duas amostras exatamente iguais efetuadas pela mesma pessoa434.

Como ensina Artur Pereira435, na comparação de escritas é importantes que se atenda à fiabilidade das características da escrita, ou seja: o consenso entre peritos no que respeita à semelhança e divergência das características da escrita; a homogeneidade ou variabilidade que a escrita apresenta; a constância da escrita.

No que toca à identificação gráfica da escrita manual, M. Fátima Pinheiro436, ensina que há cinco princípios básicos a ter em consideração perante um exame pericial de escrita manual: 1) não há duas pessoas a escrever exatamente da mesma forma; 2) nenhuma pessoa escreve exatamente da mesma forma duas vezes; 3) a significância de uma característica como evidência ou não de identidade ocorre da raridade dessa característica, da velocidade e espontaneidade da sua execução e da sua semelhança ou diferença com a mesma característica na escrita de comparação; 4) ninguém é capaz de imitar todas as características de uma escrita e em paralelo escrever com a mesma velocidade e perícia do autor da escrita que está a tentar imitar; 5) é praticamente impossível identificar o autor de uma escrita imitada se este não deixar traços da sua própria escrita;

A equipa do CEPSIES, por ter um entendimento e trabalhar de forma diferente, fez duas observações relativamente a estes princípios.

A primeira é que a significância indicada no ponto 3 não tem necessariamente a ver com os aspetos que a autora refere, mas sim com a avaliação do que é mais variável ou mais permanente na escrita de uma pessoa, sendo que ao mais variável se dá menos importância. A segunda

433PEREIRA, Artur (2009) - As Perícias na Polícia Judiciária. [Consult. 5 Ago. 2016]. Disponível em http://www3.bio.ua.pt/Forense/As%20Pericias%20na%20Pol%C3%ADcia%20Judiciaria%20ArturPereira.pdf.

434PINHEIRO, Maria de Fátima - Ciências Forenses ao Serviço … pp. 352-353.

435PEREIRA, Artur (2009) - As Perícias na Polícia Judiciária. [Consult. 5 Ago. 2016]. Disponível em http://www3.bio.ua.pt/Forense/As%20Pericias%20na%20Pol%C3%ADcia%20Judiciaria%20ArturPereira.pdf.

436PINHEIRO, Maria de Fátima - Ciências Forenses ao Serviço … pp. 353-355.

90 observação é atinente ao ponto 5 pois, Francisco Queiroz, defende que o autor deixa sempre traços da sua própria escrita, sendo o contrário, praticamente impossível de acontecer.