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Os filhos, de acordo com o entendimento de Madaleno (2007, p. 129), “são a continuação da espécie humana, representando o elo sequencial da feição do homem, a gerar novos indivíduos para integrar o passado ao futuro e construir a história da humanidade”. Tamanha a importância social da criação de um filho, necessária se faz a facilitação do vínculo paterno estabelecido juridicamente.

Nesse sentido, a doutrina subdivide a paternidade em três modalidades, quais sejam: biológica, afetiva e registral. A presente seção subdivide-se de modo a explicar, individualmente, as espécies supracitadas.

3.2.1 Paternidade Biológica

A filiação denominada biológica resulta da relação sexual entre homem e mulher, gerando um filho que, consequentemente, possui o sangue de ambos os pais, por isso, o laço é munido de consanguinidade (RIZZARDO, 2014). Assim, a paternidade biológica fica adstrita à herança genética transmitida no ato da concepção.

Tal conceito pode ser complementado pelo entendimento de Fujita (2011, p. 65), no qual a “filiação biológica ou natural é a relação que se estabelece, por laços de sangue, entre uma pessoa e seu descendente em linha reta do primeiro grau”. Nesse sentido, pai é o ascendente em primeiro grau, enquanto, filho é o descendente em primeiro grau.

É por meio do critério biológico que se manifestam as características físicas do indivíduo, uma vez que resulta da herança dos materiais genéticos de seus genitores, conforme leciona Welter (2009, p. 47):

Nesse mundo biológico, é que ocorrem a transmissão às gerações: a compleição física, os gestos, a voz, a escrita, a origem do ser humano, a imagem corporal, parecendo-se muitas vezes, com sua mãe ou seu pai, garantindo, mediante do exame genético em DNA, a certeza científica da paternidade/maternidade.

É direito intrínseco ao ser humano conhecer a própria origem biológica, tanto para compreender sua genética, quanto para prevenir doenças transmitidas pela linha ascendente, coibindo hábitos que ensejem tais enfermidades.

Nesse viés, Lôbo (2011, p. 227) discorre afirmando a importância do conhecimento da própria ascendência:

O direito ao conhecimento da origem genética não está coligado necessária ou exclusivamente à presunção de filiação e paternidade. Sua sede é o direito da

personalidade, de que toda pessoa humana é titular, na espécie direito à vida, pois as

ciências biológicas têm ressaltado a insuperável relação entre medidas preventivas de saúde e ocorrências de doenças em parentes próximos, além de integrar o núcleo da identidade pessoal, que não se resume ao nome. (grifo nosso)

Os direitos da personalidade estão previstos no ordenamento jurídico e são reconhecidos à pessoa humana, no que tange a defesa de valores inatos ao homem, quais sejam: a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade etc. (BITTAR, 2006).

Dentre os direitos inerentes à personalidade, encontra-se o direito à identidade pessoal, que é uma garantia ao princípio constitucional da dignidade humana, que em seu caráter absoluto, assegura ao indivíduo o direito de conhecer sua identidade biológica.

Sobre esse direito, discorre Madaleno (2011, p. 486):

O direito à identidade genética encontra amparo no artigo 1º, inciso III da CF, respeitante à dignidade humana, uma vez que o ponto de partida para o livre desenvolvimento da personalidade de uma pessoa passa pelo conhecimento de sua ascendência, cuidando-se de um direito inerente à condição humana, imprescritível e irrenunciável e se for preciso confrontar o direito do adulto e preservar sua intimidade e do filho em conhecer sua origem, nesse juízo de ponderação deve ponderar o superior interesse da criança.

Impende destacar que a filiação biológica está pautada, exclusivamente, em conceitos genéticos, desconsiderando a ligação afetiva existente entre pai e filho. Ainda assim, o indivíduo tem como garantia constitucional conhecer sua verdade biológica, sendo desconsiderado o afeto como requisito para a referida paternidade.

3.2.2 Paternidade Socioafetiva

A paternidade socioafetiva, dotada de caráter dinâmico e subjetivo, considera a afetividade como forma de conexão entre um indivíduo e outro, subtraindo os liames biológicos. A esse propósito, corrobora o entendimento de Pereira (2004, p. 387), no sentido de que “a paternidade não é um fato de natureza, mas, antes, um fato cultural. Em outras palavras, paternidade é uma função exercida, ou um lugar ocupado por alguém, não, necessariamente, o pai biológico”.

Assim, a paternidade somente alcança sua complexidade à medida que providencia a outro ser os cuidados indispensáveis para seu bem estar e construção social do caráter. A afetividade atinge seu ápice quando o sujeito se disponibiliza a doar o nome em benefício de uma criança, que não, necessariamente, carrega sua carga genética (MAIDANA, 2004).

Embora a procriação seja um impulso humano, a maternidade ou a paternidade no sentido biológico não está atrelada à noção de afeto. A socioafetiva, por sua vez, está estritamente ligada à questão do afeto. Impende destacar a lição de Lôbo (2000, p. 252) em sua distinção no que tange à paternidade em face à mera procriação:

Impõe-se a distinção entre origem biológica e paternidade/maternidade. Em outros termos, a filiação não é um determinismo biológico, ainda que seja da natureza humana o impulso à procriação. Na maioria dos casos, a filiação deriva da relação biológica; todavia, ela emerge da construção cultural e afetiva permanente, que se faz na convivência e na responsabilidade.

Dessa forma, a Constituição Federal, atualmente vigente, prevê em seu artigo 227 que:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Tal determinação é complementada pelo parágrafo 6º do referido artigo, o qual estabelece que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

Nesse aspecto, a Constituição Federal coíbe qualquer distinção discriminatória entre os filhos. A partir da referida determinação constitucional, todos são filhos, independente da origem, e auferirão os mesmos direitos e deveres, sem qualquer distinção.

A esse respeito, emerge o princípio da proteção integral a crianças e adolescentes, que, para Dias (2016, p. 52), “[...] dispõe de assento constitucional a doutrina na proteção

integral e a igualdade no âmbito das relações paterno-filiais, ao ser assegurado aos filhos os

mesmos direitos e qualificações e vedada designações discriminatórias (CF 227 § 6.º).” Preocupou-se a Constituição em assegurar aos filhos igualdade de direitos e obrigações, independente da forma na qual o vínculo paterno é calcado. A doutrina, de igual modo, como se despende do entendimento supramencionado de Dias, interpretou de forma a coibir a discriminação entre filhos havidos dentro ou fora do casamento, sejam eles biológicos ou socioafetivos.

Para a referida autora, a relação familiar não está adstrita aos laços sanguíneos, muito se diferindo da origem genética, posto que os valores constantes do artigo 227 da Constituição Federal, nem sempre estão presentes na família biológica e, nesses casos, a socioafetividade é digna de evidência (DIAS, 2016).

Assim, impende destacar que a socioafetividade não aufere somente destaque, mas também requer prioridade em relação à biológica, pois é ela que fornece à criança os liames necessários para um desenvolvimento saudável, bem como para o exercício de uma vida digna.

3.2.2.1 Posse do estado de filho

Para que seja caracterizada a posse do estado de filho, é preciso que na relação entre pai e filho esteja presente a reputatio, a nominatio e a tratactus (WELTER, 2003).

A reputatio, também chamada de fama, ocorre quando o indivíduo é constantemente reconhecido como filho, tanto pelos pais, quanto pelo restante da família e também perante a sociedade (DINIZ, 2012).

A tractus faz referência ao tratamento recebido pelo indivíduo na condição de filho, advinda de seu suposto pai. Isto é, o provimento de afeto, educação, alimentação e assistência material etc. caracterizam o tratamento de um pai para com seu filho (VELOSO, 1997).

A nominatio significa ceder ao indivíduo seu sobrenome, o assumindo, assim, como seu filho (WELTER, 2003).

Doutrinariamente, verifica-se a existência de hierarquia entre os requisitos supramencionados, assim, a importância da nominatio se revela inferior às demais, e sua ausência não é fator determinante para descaracterizar a posse do estado de filho. Seguindo esse entendimento, leciona Nogueira (2001, p. 117) no sentido de que:

Assim, entende-se que o fato de o filho nunca ter usado o patronímico do pai não enfraquece a posse de estado de filho, comprovando-se os elementos, trato e fama, sendo estes suficientes para o seu reconhecimento e, consequentemente, a constituição da paternidade socioafetiva, pois nada melhor do que o permanente e reiterado cuidado e amor dos pais em relação ao filho para caracterizar a verdadeira paternidade.

Resta claro que a filiação socioafetiva, para ser caracterizada, leva em consideração o afeto, a convivência social, o apoio ao pleno desenvolvimento da criança, em outras palavras, leva em consideração a posse do estado de filho (TOMASZEWSKI; LEITÃO, 2006).

3.2.3 Paternidade Registral

O Código Civil atualmente vigente determina em seu artigo 1.603 que “a filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil”. Em outras palavras, o registro de nascimento é o documento que comprova a relação de filiação.

Existem, ainda, outras possibilidades de reconhecimento de paternidade previstas no Código Civil, em seu artigo 1.609 e incisos:

Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:

[...]

II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;

IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém. (BRASIL, 2002). (grifo nosso)

Segundo o entendimento de Diniz (2012, p. 479), “[...] grande é a importância dessas relações de parentesco, em razão de seus efeitos jurídicos de ordem pessoal ou econômica, que estabelecem direitos e deveres recíprocos entre os parentes [...]”.

O registro de paternidade é ato que gera todos os direitos inerentes à filiação, como alimentos, direitos sucessórios etc. Assim, independe da consanguinidade, bastando que haja interesse do pai em registrar o recém-nascido como fosse seu próprio filho. Em outras palavras, a paternidade registral abrange a biológica e a socioafetiva, não havendo diferenciação entre uma ou outra, uma vez que ambas geram direitos e obrigações.

Para corroborar o acima exposto, extrai-se da doutrina de Chaves (2005, p. 148) o seguinte entendimento:

“Aqueles que comparecerem perante Oficial de Registro Civil, declarando-se como pai e mãe do infante recém-nascido, passam a ser considerados, para fins legais, como sendo os genitores daquela criança, assumindo todos os encargos decorrentes dessa condição, ficando imbuídos do poder familiar. A parentalidade registral é um ato, pode-se dizer, voluntário, pois é necessário que ocorra o comparecimento perante o Ofício de Registro para fazer a declaração. É de se lembrar que a legislação pátria presume a paternidade dos filhos havidos durante o casamento.”

Assim sendo, por ser ato voluntário eivado de vontade em ter a paternidade do recém-nascido reconhecida como sua, não pode o pai se desfazer do ato de reconhecimento do filho. Nesse sentido, leciona Dias (2016, p. 394), que “a difundida prática de proceder ao

registro de filho como próprio, e que passou a ser denominada de ‘adoção à brasileira’, não configura erro ou falsidade susceptível de ser anulada”.

A exceção, porém, encontra-se no artigo 1.604 do Código Civil que determina que “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro” (BRASIL, 2002).

A paternidade de registro somente pode ser desfeita se comprovado erro ou falsidade do registro, recebendo, qualquer outra circunstância, proteção integral do Estado, no sentido de proteger o interesse do filho registrado.

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