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5 ANÁLISE DOS DADOS: A ENCENAÇÃO DA ARGUMENTAÇÃO

5.2 Sobre a SEC dos pesquisadores da Linguística

5.2.4 Espaço de locução

Para a análise do espaço de locução, analisamos os procedimentos enunciativos nos recortes em que reconhecemos a problematização e a prova.

Com isso, observamos que os procedimentos enunciativos são mais significativos nas problematizações, o que era previsível, porque a problematização é a parte central de toda a argumentação científica, sem a qual a finalidade de demonstração da situação de comunicação não é alcançada.

Identificamos também que, em termos de recorrência, empregam-se os procedimentos enunciativos com o uso de pronomes na primeira pessoa do plural, seguido de casos de pronomes na primeira pessoa do singular e poucos casos de impessoalidade. Os pesquisadores, portanto, se engajam em seu dizer principalmente pelo uso de pronomes e o fazem para marcarem o seu papel na inovação que presumem realizar principalmente quando delimitam os temas de pesquisa.

Apesar da preferência por pronomes de primeira pessoa do plural, observamos uma clara distinção quanto aos efeitos de sentido quando o pesquisador prefere usar a primeira pessoa do singular (EU) e não a primeira pessoa do plural (nós), que é o caso mais recorrente.

É o tipo de saliência para a qual chamamos a atenção não pela recorrência, mas pelo efeito de sentido que o uso da primeira pessoa pode produzir, conforme exemplicamos a seguir.

#2 - Revista da Abralin, v. 14, n. 2, p. 41-49, jul./dez. 2015:

“O que penso que me autoriza a arriscar este esboço são algumas práticas, especialmente duas: a de leitor profissional, especialmente por dois aspectos, que considero relevantes, quais sejam a de membro de comitês editoriais, papel que me leva a ler anualmente um bom número de artigos submetidos; e a de ex-membro do Comitê de Letras e Linguística do CNPq, situação que me permitiu não só conhecer projetos de pesquisa individuais e coletivos, como também os pareceres emitidos por eles.

Charaudeau (2013b) explica que o espaço de locução deve ser ocupado pelo dizer do sujeito de modo que ele possa justificar por que tomou a palavra, impor-se como sujeito falante, tal como ocorre na enunciação do pesquisador cujo artigo científico foi apresentado no exemplo supracitado.

Salientamos, no entanto, que locução desse tipo, capaz de gerar efeitos de sentido de evidente autoridade, de imposição e de autonomia em relação a teorias dominantes no paradigma de estudos de discurso, são também observados no conjunto de discursos analisados.

Quando observamos o uso da primeira pessoa do plural, constatamos exemplos do tipo apresentados a seguir:

#3 - Revista da Abralin, v. 14, n. 2, p. 53-71, jul./dez. 2015:

“Em trabalhos diversos, apontamos o fato de que os diferentes estudos do texto e do discurso trouxeram novas posturas e objeto aos estudos da linguagem a partir da segunda metade do século XX, e de que o fizeram com fundamentos diferentes, em quadros teóricos diversos.”

O exemplo ora apresentado nos permite concluir que o uso da primeira pessoa do plural tem um papel realmente enunciativo de marcar quem fala no texto, é usado com vistas a produzir efeitos de sentido relativos à autoridade que dá legitimidade ao pesquisador em relação ao seu direito de fala e, sobretudo, em relação à inovação que propõe com a problematização científica realizada.

Esse é o caso mais recorrente na análise, razão pela qual interpretamos que, embora os pesquisadores se encontrem em uma posição de legítima autoridade, porque produziram e publicaram os seus artigos científicos na condição de convidados, primeiro no evento do campo disciplinar, em seguida, na edição da Revista, a impressão de uma autoridade no uso dos procedimentos enunciativos é considerada discreta, ou seja, é realizada como recurso discursivo que marca o pesquisador enquanto especialista na abordagem do tema com a qual oferece contribuições para o campo disciplinar.

Interpretamos disso também que os pesquisadores talvez reconheçam na própria situação de comunicação a legitimação que a identidade social, de pesquisadores experientes, lhes confere. Além disso, no primeiro caso apresentando, em que há evidente marca de autoridade na enunciação, os procedimentos enunciativos empregados são circunstanciais, ou seja, são usados em função do projeto de dizer mais do que em função da situação de comunicação.

O espaço de locução é pensado no interior da TS principalmente em relação à situação de comunicação, em que o sujeito falante precisa se apresentar ratificando o seu direito de dizer; trata-se de um “quem sou” que me autoriza a tomar a palavra.

Importa destacar ainda que o uso da primeira pessoa, do singular ou do plural, não compromete as condições de cientificidade que podem ser apreendidas na realização dos discursos. O que fica evidente, como Köche (2005) destacou, é que a cientificidade é desenvolvida sobretudo na apresentação de uma tese, de uma proposta seguida da verificabilidade ou de sua justificação, a depender da teoria que orienta todo o processo de pesquisa, desde a definição do seu objetivo até a interpretação dos dados.

Na tese de Coracini (1991, p. 110) sobre o discurso subjetivo da ciência, a ausência dos pronomes pessoais se dava como tentativa de marcar a objetividade considerada critério fundamental de cientificidade. A compreensão de ciência que orienta esse tipo de relação entre o discurso da ciência e a prática da ciência se tem fundamentado no paradigma epistemológico positivista, cujo pressuposto é o de que o pesquisador é capaz de descrever a realidade fielmente e o faz isento de qualquer forma de subjetividade.

A ideia de que a prática científica se realiza sob essas condições influencia na realização do discurso da ciência, no qual o ideal de objetividade deve ser apresentado com a ausência de marcas de subjetividade.

Coracini (1991), no entanto, constatou que o uso de tempos verbais funcionava nos discursos analisados como recursos argumentativos, os tempos verbais e as formas modais revelavam a subjetividade no discurso, a qual é determinada pela própria situação de

comunicação científica, de modo que a sua tese de subjetividade no discurso científico foi demonstrada.

A parte da análise ora apresentada nos permite interpretar que os pesquisadores enunciam a partir de uma perspectiva subjetiva e situada, razão pela qual empregam ou não os pronomes pessoais como uma escolha pessoal segundo o seu projeto de dizer e segundo a visão que têm acerca da situação de comunicação em que tomam a palavra. Por essa constatação, podemos concluir que as orientações pedagógicas recorrentes nos programas de ensino de metodologia científica (KÖCHE, 2005), ao partirem de pressupostos epistemológicos gerais, de fato podem influenciar no entendimento de que os critérios de cientificidade são universais, e, por isso, devem ser marcados nos discursos científicos pela objetividade mediante o uso da impessoalidade.