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5 ANÁLISE DOS DADOS: A ENCENAÇÃO DA ARGUMENTAÇÃO

5.2 Sobre a SEC dos pesquisadores da Linguística

5.2.5 Espaço de relação

Para a análise do espaço de relação, consideramos os recortes relativos à problematização e à prova. Adotamos o mesmo procedimento da análise do espaço de locução, porque esses espaços são concebidos na TS em sua inter-relação.

Para ocupar o espaço, os pesquisadores precisam se comportar discursivamente construindo uma identidade para si e para o seu interlocutor estabelecendo com ele uma relação que pode ser de força, de aliança, de exclusão, de ajuste, etc.

Em um discurso monológico, o próprio pesquisador argumenta com base no seu projeto de dizer e no conhecimento que tem do jogo de expectativas que reconhece em relação à situação de comunicação, ao seu interlocutor, à identidade que reconhece de si e à que pressupõe ser a do outro, aos conhecimentos que pressupõe serem comuns, etc.

Nesse caso, considerando o jogo de expectativas em questão nos discursos dos pesquisadores, já podemos presumir que a tradicional implicação do sujeito interlocutor não deve ocorrer. Ao falamos da tradicional implicação, referimo-nos ao uso de pronomes de tratamento, ao uso de verbos no imperativo, pelos quais a interpelação ao outro é marcada.

A análise nos confirma que os pesquisadores não implicam de forma marcada os seus interlocutores no discurso, ou seja, os pesquisadores não recorrem a formas tradicionais de implicação do interlocutor, mas esse comportamento discursivo de relação é realizado independentemente das marcas enunciativas, porque implica uma relação de identidade.

Com essa compreensão, essa parte da análise nos permite concluir que o espaço de relação é realizado por uma relação que chamamos de ajustamento. Entendemos que,

apesar de os pesquisadores considerarem-se legitimados em sua identidade social e científica pela situação de comunicação, como autoridades, eles realizam os seus discursos de maneira a conduzirem a leitura/compreensão de seus interlocutores.

Importa destacar ainda que, apesar (e talvez por isso) de os pesquisadores problematizarem em favor da inovação em suas propostas, eles estabelecem uma relação de ajustamento perceptível em um conjunto de comportamentos textuais e discursivos - processo45 referencial, organização, heterogeneidades discursivas e denominação das seções, tipos de provas) – em favor de uma relação equilibrada, de aliança com seus interlocutores.

O recorte apresentado a seguir representa um exemplo do que estamos falando.

#5 - Revista da Abralin, v. 14, n. 2, p. 109-122, jul./dez. 2015:

“Ao assumir o supracitado sintagma – mesmo quando ilustramos nossa pesquisa, vista

como um todo, com excertos de autobiografias ou biografias – estamos querendo

demarcar um território que não coincida forçosamente com o de pesquisadores que só

buscam dados concretos referentes a datas e acontecimentos na vida daquele-que-se-conta.

É claro, não descartamos o fator tempo e espaço em nossos estudos; apenas queremos dar

uma maior ênfase aos atos de linguagem construídos por certos narradores que têm como objetivo primeiro o de alinhavar diferentes partes de suas vidas em uma tentativa de formar um todo mais ou menos coerente, que possa ser transmitido a alguém; e, como objetivo segundo, todo um leque de opções, conforme os diferentes casos: narrar sua vida para realizar um balanço de acontecimentos de uma existência e verificar se ela valeu a pena (...)”

Destacamos no recorte os exemplos em que o pesquisador realiza uma relação de ajustamento com seus interlocutores por meio de um processo referencial, destaques em negrito, e por meio de heterogeneidade discursiva, destaques em itálico, todos usados como forma de guiar a leitura e a interpretação dos interlocutores.

Com essa parte da análise e, considerando as recorrências, podemos concluir com a interpretação de que os pesquisadores realizam seus discursos a partir da identidade de autoridades, reconhecem-se como tais em razão da situação de comunicação e das problematizações apresentadas e, também em razão disso, reconhecem os seus interlocutores

45Em razão dos nossos objetivos de pesquisa, não apresentamos a descrição dos fenômenos identificados na realização do espaço de locução, mas, para outras finalidades de estudo, remetemos às pesquisas desenvolvidas pelos membros do Grupo Protexto.

como pares, mas é a relação de ajustamento que domina o discurso dos pesquisadores se comparada com a relação de equilíbrio.

A relação de ajustamento domina, conforme exemplificamos, por meio de recursos que funcionam para orientar, guiar, esclarecer os interlocutores quanto a aspectos de ordem textual e discursiva, enquanto uma relação de equilíbrio funciona por meio da economia na apresentação de informações, de definições, de antecipação a possíveis interpretações dos interlocutores.

Nossa interpretação nesse sentido remete à questão da relação de poder que constitui o discurso científico e à questão de vontades de verdade sobre concepções de ciência, que, no caso da posição de relação, pode nos orientar para dois sentidos principais.

A identidade de autoridade que é presumida para ambos – pesquisador e seus interlocutores – é confirmada na relação construída, então as relações de poder não se revelam assimétricas, são subjacentes ao discurso, não se mostram evidentes.

A concepção de ciência que parece fundamentar a prática científica desses pesquisadores também não é objeto de disputa no campo de estudo, não constatamos variação na forma de relação entre pesquisadores e interlocutores e isso pode ser interpretado como um sinal de que os pesquisadores reconhecem nos seus pares a mesma competência que revelam ter quanto à problemática, à prova e à natureza dos fatos e fenômenos sobre os quais pesquisam. O ajustamento, principalmente no uso de heterogeneidades discursivas, revela que os pesquisadores orientam a sua prática científica com uma noção de cientificidade segundo a qual a noção de verdade é relativa, de modo que uma mesma realidade pode ser analisada, descrita, interpretada de diferentes maneiras.

Trata-se, pois, de mais um dado que pode relacionar a prática de pesquisa dos pesquisadores da Linguística, os pesquisadores dos estudos de discurso no Brasil, nesse contrato de comunicação, ao paradigma epistemológico interpretativista.

Em face do que analisamos, passamos ao subtópico que deve finalizar este capítulo com a interpretação fundamental para respondermos à nossa questão de pesquisa.