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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.2 Espaço social público: condições objetivas para as interações

Ao realizar o percurso deste estudo, entre as intenções está compreender como o espaço chamado público é usado e apropriado pelos citadinos. É oportuno, portanto, delimitar esse conceito relevante para aprofundar a análise. Determinar essa noção permite a aproximação da dimensão teórica e conceitual que interessa à investigação. Os referenciais teóricos percorrem esquemas interpretativos, que buscam explicar as variáveis que se articulam entre o espaço público e também o espaço privado de interações, onde os atores se encontram presentes.

Apesar de o espaço social das praças ser público, esta noção comporta uma classificação dicotômica em pares opostos, pois, ao debater o público, a contrario sensu está o indicativo do conceito de privado, ainda que implicitamente. Desse modo, visando um melhor entendimento acerca dos usos e apropriações sociais das praças, caracteriza-se inicialmente o conceito de espaço público, sem, entretanto, perder de vista o espaço privado. Considera-se, então, a construção histórica das noções sociais de espaço público e de espaço privado, no mundo ocidental e no Brasil. Admitem esses espaços diversidades históricas de usos no que se refere às destinações sociais conferidas por indivíduos e grupos.

Em obra notória sobre o espaço público, “O jardim e a praça”, Saldanha, jusfilósofo pernambucano, empreende uma análise de cunho antropológico sobre a praça. Focaliza Saldanha um conceito preliminar de espaço; considera ele que

[...] o „organizar-se‟, desde as primeiras experiências grupais do ser humano, foi sempre, em parte ao menos, um problema de distinguir lugares, valorizando uns e abandonando ou evitando outros, e de construir espaços, demarcando porções do território e amontoando pedras com fim simbólico ou utilitário. (SALDANHA, 2005, p.20).

A menção ao que aponta o autor traz ao debate a apropriação de um determinado espaço para fins de uso. A demarcação a que se refere na citação não constitui ainda um domínio no sentido de propriedade. Observe-se que, ao tratar de uso e apropriação social do espaço da praça, não se cogita do estabelecimento de uma forma de domínio senhorial (propriedade), mesmo porque a praça é considerada um bem público e é propriedade dos entes estatais. Como dispõe o Código Civil (BRASIL, 2002) – Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – no artigo 99, I, “[são bens públicos:] os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças”.

A propósito, leciona Pereira (2010, p. 76), após cogitar de uma sociologia da propriedade, que “a propriedade como expressão da senhoria sobre a coisa, é excludente de outra senhoria sobre a mesma coisa, é exclusiva: plures eamdem rem in solidum possidere non possunt”. Entre os caracteres da propriedade está, portanto, a sua exclusividade.

Deste modo, quando se considera, atualmente, o espaço da praça não se questiona a existência de uma propriedade, que é pública. Sem, assim, remeter, necessariamente, à ideia de propriedade, considera Saldanha as demarcações feitas no território para fins de distinção de lugares. As porções assinaladas de território sinalizam na direção de certas apropriações necessárias do espaço para fins da convivência social (SALDANHA, 2005).

Com as demarcações simbólicas feitas nas praças, os agentes visam poder usar parcelas do espaço para suas interações sociais. Esses limites definidos são ajustados e revisados por meio de regras e padrões que se repetem em determinados “cenários de negócios cotidianos organizados”4 (GARFINKEL, 2008, p.1). Indivíduos e grupos reservam certos locais para permanência nas praças. Como ilustração, os alunos dos cursos da área da saúde da

Universidade Federal do Maranhão, cujo prédio está localizado na lateral da Praça Gonçalves Dias, nos momentos que ficam na Praça, permanecem em frente ao edifício da Universidade. Outros ajuntamentos podem estar nas proximidades, mas observam e mantêm esses limites.

Afirma Saldanha que os planos público e privado complementam-se. Explica ele (SALDANHA, 2005, p. 31) que

[...] o viver social consiste e subsiste em várias dimensões, e uma delas ocorre nas casas [...]. E como as ruas – da mesma forma que as praças – são já outra dimensão, a pública, eis que o plano público e o privado tocam-se, completam-se, complementam-se.

O espaço, seja ele público ou privado, enquanto construção social e histórica, apresenta trajetórias no tempo que permitem visualizar sua caracterização ou configuração. Nesse percurso de análise diacrônica da constituição dos conceitos, pode-se inicialmente buscar explicação a partir do estudo dos processos de apropriação do espaço social na Idade Antiga. Nesse sentido, Saldanha, com o objetivo de realçar o espaço público, acredita que neste estão situados os elementos da vida pública. Esse local, na chamada Antiguidade Clássica, era a ágora, a praça do mercado, o símbolo na cidade da presença do povo na atividade política. Nota ele (SALDANHA, 2005, p. 57) que

[...] naquele espaço central, situavam-se os elementos da vida pública: cenário, atores, ação. Nele estavam os debates e as facções, as queixas e as decisões, e sobretudo a palavra como componente da dimensão pública: ao fazer-se pública a palavra, publicizava-se a condição do homem. A polis, quase literalmente, teria tido na ágora a sua pulsação.

Habermas contribui igualmente para o debate de ideias e estabelecimento desses conceitos. Em obra editada pela primeira vez em 1962, informa que as categorias do público e do privado foram legadas dos gregos, transmitidas adiante em uma versão romana. Conforme Habermas, a esfera pública representa o debate livre entre iguais. De acordo com ele,

[...] tratam-se [o público e o privado] de categorias de origem grega que nos foram transmitidas em sua versão romana. Na cidade-estado grega desenvolvida, a esfera da pólis que é comum aos cidadãos livres (koiné) é rigorosamente separada da esfera do

oikos, que é particular a cada indivíduo (idia). A vida pública, bios politikos, não é, no entanto, restrita a um local: o caráter público constitui-se na conversação (lexis), que também pode assumir a forma de conselho e de tribunal, bem como a de práxis

comunitária (práxis), seja na guerra, seja nos jogos guerreiros. (HABERMAS, 2003, p. 15).

O expoente da Escola de Frankfurt, ao confrontar o tema dos espaços de sociabilidades e interações, procura explicitar a importância social da esfera pública. Assegura ele que é nesta esfera que as coisas aparecem e se tornam visíveis. É na disputa entre pares por meio da conversação que os melhores cidadãos se destacariam e conquistariam, por conseguinte, a imortalidade da fama. Dessa maneira,

[...] como nos limites do oikos a necessidade de subsistência e a manutenção do exigido à vida são escondidos com pudor, a pólis oferece campo livre para a distinção honorífica: ainda que os cidadãos transitem como iguais entre iguais (homoioi), cada um procura, no entanto, destacar-se (aristoiein). As virtudes, cujo catálogo Aristóteles codifica, mantêm apenas na esfera pública: lá é que elas encontram o seu reconhecimento. (HABERMAS, 2003, p. 16).

O prestígio social pode ser associado às interações contemporâneas nas praças de São Luís. Um reconhecimento público pode ser alcançado em decorrência de presença e de interações no espaço social. Muitos intercâmbios são, todavia, de caráter efêmero. Indivíduos ocasionalmente interagem, mas existe a probabilidade de nunca mais se olharem outra vez. As praças podem ser pensadas como palcos em que indivíduos e grupos mostram-se para quem por lá estiver para vê-los. Nessas exposições públicas, os grupos podem atribuir capital simbólico, como considera Bourdieu (2009), àqueles que conseguem por meio de sua conduta, nesse espaço social de interações, obter prestígio, reputação, fama.

A apresentação pública nas praças pode não proporcionar o prestígio que se supõe a princípio, mas granjear má reputação. Indivíduos e grupos que evidenciem determinado desempenho, mesmo em feitos que exijam habilidades raras, podem não conseguir a glória e a importância social que almejam. De acordo com a configuração dos grupos como formais ou informais e o contexto socioespacial, esses predicados desejados tendem a variar. Na Praça Gonçalves Dias, por exemplo, os grupos de skatistas que circulam pela praça ou o público de fiéis que aflui à igreja para assistir à missa têm expectativas acentuadamente diferenciadas para conferir celebridade a alguns de seus integrantes.

Para situar as investigações sobre o público e o privado no Brasil, em Sobrados e mucambos, Freyre (2004) faz referência à pouca importância atribuída no Brasil colonial aos

espaços públicos. Nesse livro, o sociólogo e antropólogo pernambucano inicia o capítulo II – O engenho e a praça; a casa e a rua – afirmando que “a praça venceu o engenho, mas aos poucos” (FREYRE, 2004, p. 135). Com relação aos usos e costumes, os espaços da rua e da praça não eram francamente acessíveis a todas as mulheres e mesmo a homens no tempo da colônia. Relara Freyre (2004, p. 145) que

[...] nas ruas só se encontravam as escravas negras e as mulatas com quem às vezes, de noite, os velhotes do Recife namoravam, na ponte da Boa Vista. La Salle diz que também os homens pouco saíam de casa. No Rio de Janeiro dessa época talvez saíssem pouco: no Recife como em São Luís do Maranhão é tradição que viviam quase a tarde inteira na rua.

Continua Freyre a confirmar esse entendimento ao dizer que “os burgueses de sobrado foram naquelas cidades do norte do Brasil homens de praça ou de rua como, outrora, os gregos, da ágora, ao contrário dos do Rio de Janeiro e da Bahia que raramente deixavam o interior dos sobrados” (FREYRE, 2004, p. 145). O motivo para isso residia no fato de que um dos sinais de distinção era ser menos visto possível para não ser confundido com o povo, que a fidalguia abominava. Assim, reitera-se que estar ou não nas praças pode ser sinal de distinção ou de reputação (boa ou má), conforme o momento histórico. Desse modo, a exposição pública pode não acarretar necessariamente o reconhecimento social desejado por alguns indivíduos.

Observe-se também que não são sempre nitidamente demarcados os limites entre as esferas do público e do privado. Saldanha refere-se a essa dificuldade do estabelecimento de fronteiras entre elas. Lembra ele, então, que historicamente

[...] o termo latino forum, que designa algo historicamente correlato à ágora grega, e que se associa para nós à ideia de um espaço público, designou primeiro o terreno fechado em torno de uma casa, e somente depois passou a denominar a área de fora das casas, nomeadamente a praça do mercado. (SALDANHA, 2005, p. 73).

No período que abrange o que a historiografia tradicional nomeia como Idade Média, a ideia de espaço público atravessa alterações de significado. Com relação ao uso das categorias de público e privado, considerando sua difusão social, Habermas (2003, p. 16) menciona o fato de que “ao longo de toda a Idade Média, foram transmitidas as categorias de público e de privado nas definições do Direito Romano: a esfera pública como res publica”;

servindo, então, para a institucionalização jurídica de uma esfera política burguesa a partir de surgimento do Estado Moderno e da sociedade civil separada dele. Com o advento do Estado Moderno

[...] a redução da representatividade pública que ocorre com a mediatização das autoridades estamentais através dos senhores feudais cede espaço a uma outra esfera, que é ligada à expressão esfera pública no sentido moderno: a esfera do poder público. Esta se objetiva numa administração permanente e no exército permanente; à permanência dos contatos no intercâmbio de mercadorias e de notícias (bolsa, imprensa) corresponde agora uma atividade estatal continuada. (HABERMAS, 2003, p. 31).

Na acepção especificamente moderna, o público passa a definir o estatal, a esfera do chamado poder público. Alude, desde então, ao funcionamento regulamentado, conforme competências, a um aparelho dotado do monopólio legítimo do uso da força. Para Habermas (2003, p. 32), “o poderio senhorial converte-se em „polícia‟; as pessoas privadas, submetidas a ela enquanto destinatárias desse poder, constituem um público”.

No que se refere à regulação especificamente estatal das praças de São Luís, indivíduos e grupos queixam-se de modo recorrente da falta de segurança. Ao entrevistar indivíduos foi possível apurar a satisfação em estar naqueles locais, mas a sensação de medo decorrente da insegurança é comum entre os frequentadores. Há alguns anos podia ser observada a presença ostensiva de policiais militares instalados em trailer na Praça Gonçalves Dias, o qual, entretanto, foi recentemente removido e deslocado para a lateral de uma creche no bairro próximo da Camboa. Além dessa, outras ações do poder público estadual permitiram a reurbanização da Praça do Anjo da Guarda5, inserido em um programa de intervenções de natureza urbanística em espaços públicos com destinação a praças no final da década de 1990. A presença do poder público municipal se faz também pelas ações do Instituto Municipal de Paisagem Urbana (IMPUR); constituído em 2002, é o órgão da Prefeitura Municipal de São Luís responsável pelo gerenciamento paisagístico da cidade, incluindo a formulação e execução de medidas para a melhoria dos espaços públicos.

5 Após a reforma da década de 1990, a praça foi batizada pelas autoridades estaduais como “Viva Anjo da Guarda” e, anos mais tarde, renomeada pela comunidade como “Praça da Ressurreição”.

Ainda em perspectiva histórica, ao contemplar a Idade Moderna, Dupas ressalta a importância do Iluminismo para a concepção da acepção moderna de público e privado. De acordo com Dupas (2003, p. 29),

[...] o sentido da esfera pública ampliou-se somente a partir desse início do século XVIII – com o Iluminismo – e consolidou-se com as revoluções americana e francesa, juntamente com a institucionalização de certos direitos políticos e civis, e a constituição do sistema judiciário para mediar conflitos. A decadência do chamado antigo regime foi acompanhada pela formação de uma nova cultura urbana burguesa. Durante esse período, o espaço público significou os vínculos de associação e compromisso que existem entre pessoas que não são unidas por laços familiares; é o caso da multidão, do povo ou das sociedades organizadas; ele adquiriu uma característica libertadora da opressão familiar e social pelo anonimato propiciado pelas grandes cidades. Assim, as condições necessárias para a existência de uma democracia real passaram a ser essencialmente a manutenção tanto de uma esfera pública como espaço de debate político, quanto dos fundamentos da „democracia formal‟ herdados da sociedade burguesa, como o princípio da soberania popular e o Estado de direito.

O Iluminismo teria sido uma tentativa de equilíbrio entre a esfera do público e do privado. Não existia ainda uma noção definida de espaço privado, mas uma distinção entre o público, como espaço da cultura, criado pelos homens, e o privado, personificado na família. Segundo ele (DUPAS, 2003, p. 29),

[...] a esfera pública burguesa era um espaço social de intermediação envolvendo instituições e práticas sociais. De um lado, Estado e sociedade civil; de outro, interesses privados dos indivíduos na vida familiar, social e econômica. Era a ocasião do surgimento do cidadão e suas demandas, e das preocupações com a vida pública, os interesses comuns e a formação de consensos contra formas sociais ou públicas de poder arbitrário.

A nomeada Idade Contemporânea teve seu início marcado pelo Iluminismo, que destacava a razão, fomentando igualmente as noções de igualdade e de liberdade individual. Ao final do século XVIII, são sistematizados institutos sociais que possibilitarão mais tarde consolidar o capitalismo.

Sobre as oposições contemporâneas entre o público e o privado, aduz Ricardo Machado (2008, p. 83) que “na medida em que o espaço da rua [e da praça] passa a ser delineado e exercido enquanto espaço público passa-se a exigir novas formas de comportamento na rua”. Em tal conjuntura, o espaço público é percebido como um conjunto

de rituais e comportamentos que delimitam a fronteira entre vida pública e vida privada. A sociabilidade exige a conservação de determinado distanciamento da observação íntima do outro. As máscaras sobre o eu, incluindo boas maneiras e gestos de polidez em situações públicas, constituem rituais de sociabilidade. É o que Saldanha (2005) diz ser a configuração de uma dualidade e ambivalência, pois defeitos e virtudes assumem sentidos diferentes conforme o espaço seja público ou privado. Na linguagem cotidiana, algumas palavras podem soar socialmente respeitosas nas praças e absolutamente descabidas em um recinto de casa.

Ressalta Scaff (2005, p. 544) que Nelson Saldanha lembrava o fato de a vida pública revestir-se “de uma exterioridade em relação à casa, ao jardim, ao viver básico, dentro do qual se situa a existência privada, gerando, a partir daí, dois sistemas de valores: um com referência ao lar [...] e outro com relação à cidade”. Nas diversas fases da história, é possível verificar períodos de ampliação de um ou de outro desses espaços. Representam eles uma antítese, na qual o crescimento de um implica na mudança do outro (SCAFF, 2005). No momento sócio-histórico contemporâneo,

[...] a veneração da personalidade aparece, então, como resistência à fluidez na sociabilidade. Os poucos que se expressam em público tornam-se profissionais, mas estes também eram afetados pela superposição do imaginário privado sobre o público, introduzindo a personalidade na política, as figuras carismáticas e a valorização da performance e da representação pessoal (artistas, ícones da cultura do espetáculo). (DUPAS, 2003, p. 30).

As dimensões do espaço em público e privado permitem pensar ainda as diferenças de comportamentos de indivíduos que vivem e moram nas ruas e nas praças, apropriando-se de forma particular de um espaço público. Cabe indagar se mantêm uma vida privada populações que fazem da rua e da praça sua casa. Nesse sentido, interpreta DaMatta (1997, p. 55) que “na gramaticidade dos espaços brasileiros, rua e casa se reproduzem mutuamente, posto que há espaços na rua que podem ser fechados ou apropriados por um grupo, categoria social ou pessoas, tornando-se sua „casa‟, ou seu „ponto‟”. “As praças e as ruas podem ser ocupadas permanentemente por categorias sociais que ali se estabelecem “como „se estivessem em casa‟, conforme salientamos em linguagem corrente” (DAMATTA, 1997, p. 55). Neste sentido, o público e o privado estão relacionados com as desigualdades sociais.

Irma Rizzini e Irene Rizzini (apud FRÚGOLI JÚNIOR, 1995, p. 56), ao pesquisarem meninos que vivem em situação de risco na rua, esclarecem que é preciso distinguir as expressões meninos “de” rua e meninos “nas” ruas, pois, para elas,

[...] distinguem-se os menores que vivem permanentemente nas ruas (sendo, portanto, das ruas) daqueles que passam o dia nas ruas, trabalhando por conta própria ou como „assalariados informais‟, cujas atividades mais praticadas são ambulantes (balas, chicletes, frutas, biscoitos, etc.), engraxates, guardadores e lavadores de carros e carregadores nas feiras e supermercados.

Diferenciam, assim, o que seriam duas categorias. Dessa maneira, segundo observaram ainda Vogel e Mello (apud FRÚGOLI JÚNIOR, 1995, p. 57),

[...] a vida na rua se distingue, em primeiro lugar, por formas diferenciais de apropriação do espaço e alocação do tempo. O espaço onde costuma desenrolar-se [...] encontra-se dividido em territórios, cada qual estruturado a partir do epicentro de algum logradouro público, em geral uma praça. Um território compreende toda uma rede de pontos da qual fazem parte os lugares preferenciais de atuação das turmas, além de toda uma série de trajetos, circuitos, rotas e atalhos, mediante os quais essa rede se integra. Aos mapas cognitivos da cidade, em particular de cada um de seus recortes territoriais, cabe articular lugares de reunião, [...], lugares de dormir („mocós‟), áreas de caça e pontos de apoio. Entre os últimos, inclui-se, neste caso, o aparato institucional de atendimento.

A utilização do espaço da rua ou da praça como abrigo ou moradia caracterizaria três tipos de situação, de acordo com Frúgoli Júnior (1995, p. 59), “ficar na rua (circunstancialmente), estar na rua (recentemente) e ser da rua (permanentemente). Cada um deles implicaria um tipo de condição, com decorrências na moradia, trabalho e grupo de referência”. Instalam-se os indivíduos onde encontram uma menor pressão por parte do poder público e permissão social para a ocupação, tornando sua moradia o espaço da rua ou da praça (FRÚGOLI JÚNIOR, 1995). Essa apropriação do espaço da praça para fins de moradia não é verificada nos bairros pesquisados, pois, conforme frisado acima, não obtém a “permissão social” dos vizinhos quem pretende instalar-se nos recintos dessas praças. De modo diferenciado, como é menor a presença de moradores no entorno da Praça Gonçalves Dias, é possível constatar a presença de indivíduos que usam esse espaço como abrigo, seja durante o dia ou, sobretudo, à noite.

Ao considerar aspecto social hodierno, Roberto DaMatta (1997, p. 57) percebe a rua como “terra que pertence ao „governo‟ ou ao „povo‟ e que está sempre repleta de fluidez e movimento. A rua é um local perigoso”. Consequentemente, também a praça ou o espaço público. Entende este autor (DAMATTA, 1997, p. 59) que as evidências estão a definir que “o espaço público é perigoso e como tudo que o representa é, em princípio, negativo porque tem