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Espaço Tiridá e o Museu do Mamulengo: a busca por parcerias

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5. MAMULENGO SÓ-RISO COMO MOVIMENTO SOCIAL CULTURAL

5.3. Espaço Tiridá e o Museu do Mamulengo: a busca por parcerias

O objetivo da nossa pesquisa é compreender o processo histórico de criação do Museu do Mamulengo. Ao longo do capítulo nos debruçamos sobre a história do Mamulengo Só-Riso e como mesmo foi retratado no Diario de Pernambuco. Com este cenário delineado, analisaremos a proposição de criação do Museu do Mamulengo.

Ao consultar a documentação referente ao museu no arquivo da Fundação Joaquim Nabuco encontramos o “Projeto Espaço Tiridá” elaborado pelo grupo Só-Riso em dezembro de 1982.

O Professor Tiridá é o principal personagem do Mamulengo do mestre Ginu. Nas histórias, o Tiridá é reconhecido por sua irreverência e esperteza ao trapacear seus adversários, entre eles, o dono de engenho, fazendeiro e o próprio diabo. Os integrantes do Mamulengo Só-Riso tiveram contato com o mestre Ginu no período do TPN. A referência ao nome Tiridá pode ser entendida como uma homenagem do grupo ao Mestre que lhe passou ensinamentos, ou seja, o reconhecimento e a valoração do artista popular pelos acadêmicos.

Figura 11. Professor Tiridá (réplica). Personagem ícone do Mamulengo do mestre Ginu.

Fonte: Jorge Veloso, 2016.

O projeto contém vinte duas páginas redigidas em máquina datilográfica. O tipo de papel utilizado foi o ofício. O documento é dividido em cinco sessões: introdução, objetivo geral, justificativa, atividades projetadas e as considerações.

Na introdução do projeto é explicada a proposta do Mamulengo Só-Riso em congregar diversos órgãos para viabilidade do “Espaço Tiridá”:

A proposta de criação do “Espaço Tiridá” só poderá ser compreendida na perspectiva de um “ir fazendo” num processo de implantação lenta que exige a conjugação de esforços múltiplos por parte do Mamulengo Só- Riso, dos mamulengueiros do Nordeste, dos bonequeiros brasileiros, da ABTB – Associação Brasileira de Teatro de Bonecos -, dos órgãos culturais municipais, estaduais, federais e sobretudo, por parte da comunidade olindense, principal beneficiada com a existência desse

espaço que é proposto num “vir a ser”. (MAMULENGO SÓ-RISO, 1982, p.4).

Através da crítica documental identificamos alguns argumentos para a construção do “Espaço Tiridá”. O primeiro é a estratégia do “ir fazendo”. Os integrantes do Mamulengo Só- Riso pareciam ter consciência da dificuldade para a construção do amplo aparato cultural que estava propondo. Para tal era preciso a “conjugação de esforços múltiplos”, ou seja, conseguir mobilizar diferentes instituições e grupos sociais numa ação conjunta em prol do teatro de mamulengos.

Ainda na introdução do projeto é ressaltado o papel do Mamulengo Só-Riso na divulgação do teatro de mamulengo, preocupação dos integrantes do grupo desde a sua profissionalização:

Desde sua criação em 1975, o Só-Riso teve sempre presente a consciência da necessidade de redimensionar, numa amplitude maior, o papel de um grupo de tiriteiro cuja raiz está plantada na própria existência do mamulengo como fenômeno cênico que se processa no contexto nordestino, atingindo por sua importância uma dimensão nacional e por que não dizer internacional. Sabemos tratar-se de uma das últimas, dentre as poucas formas de titireteria popular ainda sobreviventes no mundo. (MAMULENGO SÓ-RISO, 1982, p. 4).

Através da leitura deste documento percebemos que o Mamulengo Só-Riso realiza uma espécie de autopromoção com o intuito de legitimar-se perante as instituições contatadas para a criação do Museu do Mamulengo. Ao intitular-se como “uma das últimas formas de titireteria popular”, o grupo Só-Riso mais uma vez utiliza um discurso que versa sobre o risco de desaparecimento do teatro de mamulengo, enaltecendo a militância da companhia teatral.

Os objetivos propostos pelo grupo para a criação do “Espaço Tiridá” eram: Criar um espaço de revitalização do mamulengo que centralize as informações, a documentação fonográfica e iconográfica, servindo como pólo aglutinador dos mamulengueiros;

Levantar subsídios para a formulação e implantação de uma política de apoio e incentivo ao teatro de bonecos popular do Brasil;

Coletar, registrar, catalogar, classificar, conservar e divulgar o acervo dramático e plástico que constitui o fenômeno do mamulengo;

Produção artística de espetáculos de bonecos feita pelo SÓ-RISO. (MAMULENGO SÓ-RISO, 1982, p. 6).

Podemos observar o papel de destaque que o Mamulengo Só-Riso assumiria com a efetivação do Espaço Tiridá. Os objetivos propostos perpassavam pela ação do grupo, afinal grande parte da documentação foi resultado das pesquisas realizadas por seus integrantes, assim como o acervo a ser exposto e a produção dos espetáculos desenvolvidos pelo grupo.

Na justificativa do projeto a “retórica da perda” é utilizada novamente pelo Mamulengo Só-Riso acentuando o caráter de urgência para a construção do Espaço Tiridá diante do risco de desaparecimento do teatro de mamulengo:

A urgência de uma tomada de decisão com relação à questão de sobrevivência do mamulengo. Cada dia tornam-se mais precárias as condições de sobrevivência dos mamulengueiros. Torna-se imperioso estimulá-los a organizarem-se a fim de que possam discutir seus problemas, levantando as principais dificuldades com as quais se defrontam. O espaço Tiridá propõe-se a ser o centro aglutinador dos mamulengueiros propiciando e estimulando círculo de discussão que possam oferecer subsídios indispensáveis à formulação e implementação de uma política cultural que se distinga do paternalismo estéril com o que o mamulengo vem sendo tratado pelos mais diversos organismos culturais. (MAMULENGO SÓ-RISO, 1982, p. 7).

Ao analisar esta fonte constatamos a preocupação por parte dos integrantes do Mamulengo Só-Riso com as condições de sobrevivência dos mamulengueiros. Situação esta abordada por Hermilo Borba Filho (1987) desde a década de 1960 quando o autor alertava sobre o fato de que não dava para sobreviver do teatro de mamulengo, sendo esta uma atividade secundária dos tiriteiros, cuja principal fonte de renda era proveniente da agricultura, corte de cana-de-açúcar ou da carvoaria.

Neste projeto foi possível verificar que a criação do Museu do Mamulengo era uma das inúmeras propostas que o Mamulengo Só-Riso idealizou ao propor a construção do Espaço Tiridá. Entre tais propostas estavam:

A criação do Museu do Mamulengo;

A instalação do centro de documentação e pesquisa; A realização de círculo de discussões;

A criação de biblioteca especializada; A realização de oficinas de bonecos; A criação de uma loja de bonecos;

A construção de uma sala de espetáculos e cursos;

Hospedaria para estagiários. (MAMULENGO SÓ-RISO, 1982, p. 9).

Como podemos observar o “Projeto Espaço Tiridá” previa a construção de um local que funcionasse como museu para expor as coleções de bonecos reunidas pelo Mamulengo Só-Riso, mas que também abrigasse um centro de pesquisa e uma sala de teatro voltada para apresentações de espetáculos e formação de novos atores. Fica evidente que o intuito do grupo Só-Riso era a criação de um aparato cultural que congregasse os artistas mamulengueiros, pesquisadores e a comunidade local. Havia a preocupação por parte dos integrantes do grupo com os aspectos de cunho informativo pautados em pesquisas e círculo de discussões, assim como no processo formativo através das oficinas e cursos. Para viabilizar a construção do “Espaço Tiridá” com tamanha amplitude era necessário à adesão de outras instituições por meio de parcerias.

No texto do “Projeto Espaço Tiridá” cada uma dessas atividades foi descrita como parte de uma ampla ação de preservação e valorização da manifestação artística conhecida como teatro de mamulengos. No Museu ficaria em exposição o acervo de bonecos e adereços reunidos pelo Mamulengo Só-Riso, cujo processo será abordado a diante. O centro de documentação e pesquisa contaria com um acervo de fotografias, vídeos e entrevistas realizadas pelo grupo, além de uma biblioteca especializada.

O projeto ainda previa a integração de bonequeiros e mamulengueiros através de círculos de discussão nos quais seriam discutidos os problemas enfrentados pelos artistas e possíveis alternativas para solucioná-los. Abordado anteriormente, vimos que a maior parte dos mamulengueiros residia na Zona da Mata e no Agreste de Pernambuco. Não fica claro no documento como esse círculo de discussão proposto no projeto para ser sediado na Cidade de Olinda ajudaria esses mamulengueiros.

Nas oficinas os mestres ministrariam cursos para o público interessado em aprender os processos de confecção e manipulação dos bonecos, assim como estavam previstas a criação de uma loja para a venda de bonecos e a abertura de uma sala para apresentação de peças.

No relatório de atividades encaminhado ao INACEN do ano de 1984, o Mamulengo Só-Riso reitera a dificuldade para reunir os órgãos públicos na criação do Espaço Tiridá que abrigaria o Museu do Mamulengo.

Quando no final de 1982 o “Mamulengo SÓ-RISO” propôs às instituições culturais, aos bonequeiros e, de modo específico, ao INACEN a implantação do “ESPAÇO TIRIDÁ”, sabia que iniciava um longo, e tortuoso e nem sempre compreendido processo de lutas para atingir os seus objetivos.

Não que esses objetivos fossem inviáveis ou delirantes ou que nós, equipe do SÓ-RISO, fôssemos incapazes de executar ou gerir essa proposta. Tratava-se de ideal antigo, maturado, cuja situação real de completa indigência do mamulengo nos impelia, como ato de responsabilidade, a propor. Proposta elaborada e lançada como tiro no ar, espalhado em várias direções, sem termos nenhuma certeza de que a quem poderíamos atingir. Importava-nos lançar o grito, o desafio e ver que respostas colheríamos diante da nossa proposta, quase um apelo, quase uma denúncia.

A partir do seu lançamento, grande parte do nosso esforço, do nosso tempo de criação artística - posto que não somos administradores culturais e sim artistas tiriteiros – foi e tem sido gasto junto às instituições municipais, estaduais e federais, tentando sensibilizá-las a participarem do projeto. (MAMULENGO SÓ-RISO, 1984, p.4).

Ao analisar tal documento é perceptível o discurso romântico utilizado por parte do Mamulengo Só-Riso no que se refere às tentativas de sensibilizar outros órgãos e, assim, conseguir consolidar o Projeto em questão. Os componentes do grupo, apesar de não

pertencer ao segmento de administradores culturais estavam engajados na implantação do Museu. Novamente o grupo Só-Riso realiza uma autopromoção ao destacar a iniciativa da proposta diante da “real de completa indigência do mamulengo”.

Outro aspecto a ser analisado diz respeito ao encaminhamento da proposta visando a busca de parcerias para a criação do Espaço Tiridá. Os integrantes do Mamulengo Só-Riso, sobretudo, o seu diretor, aparentavam possuir um conhecimento amplo sobre políticas culturais. Ao propor a criação do Espaço Tiridá para essas instituições, o Mamulengo Só-Riso poderia até não ter a certeza de quem ingressaria ao projeto, mas sabia como cada órgão contribuiria para a efetivação da proposta, tendo em vista que era preciso ter tanto o apoio para o financiamento das ações a ser desenvolvidas quanto na parte burocrática do processo regulamentação/construção do Espaço Tiridá, em especial, a criação do Museu do Mamulengo.

No ano de 1984 o “grito” citado pelo Só-Riso começa a ser “ouvido”, após o intervalo de dois anos da elaboração do Projeto Tiridá. O primeiro parceiro que o Mamulengo Só-Riso conseguiu sensibilizar foi o Instituto Nacional de Artes Cênicas. Através do apoio de Orlando Miranda, então presidente do INACEN, cuja relação com o teatro de bonecos era estreita desde o período em que foi diretor do Serviço Nacional de Teatro.

Também no ano de 1984 o Serviço do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (SPHAN), por meio da Fundação Nacional Pró-Memória, acena favoravelmente a proposta da criação do Museu do Mamulengo, primeira etapa do Espaço Tiridá. O INACEN em parceria com a Fundação Pró-Memória firma o compromisso para a aquisição onde funcionaria o Espaço Tiridá - Museu do Mamulengo.

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