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CAPÍTULO 1 – O DEBATE NA LITERATURA

1.3 Espaços Institucionais de Direção Pública

A literatura vem discutindo que, cada vez mais, o surgimento e consolidação da figura do dirigente público também exigem a consolidação dos espaços institucionais de direção (LONGO, 2007). Neste sentido, apresentar o debate sobre os Sistemas de Direção Pública, mais conhecidos como Senior Civil Services ou Sistemas de Alta Direção Pública, é essencial para conhecer o contexto no qual atuam tais atores, visando compreender as recentes transformações que as reformas gerenciais vêm imprimindo às organizações públicas, tais como a maior descentralização na prestação dos serviços públicos (movimento conhecido como agencificação) e a introdução de regras mais flexíveis para a gestão dos funcionários do alto escalão.

A literatura sobre os Sistemas de Direção Pública trata, principalmente, da emergência e consolidação destes espaços, os quais apresentam, em alguns países como o Chile, regras específicas para gestão de dirigentes públicos, dando ênfase a aspectos como: a) formas de acesso ao cargo e de nomeação de tais dirigentes (via critérios meritocráticos, políticos ou a partir da combinação de ambos); b) origem10 e experiência anterior; e c) competências gerenciais (tais como liderança, gestão de redes, negociação, entre outras).

Há diversos estudos, especialmente de Kuperus e Rode (2008), Longo (2003), OCDE (2003) e Figueroa G.(2002) que defendem a relevância da emergência e consolidação de Sistemas de Direção Pública para a profissionalização do serviço público, sob o argumento de que:

[...] Muchas de las manifestaciones de ejercicio de la dirección en el sector público han carecido del reconocimiento de un estatuto proprio, entendiendo por tal la aceptación del régimen normativo, tanto formal como informal, que dota a la gerencia profesional de un papel propio y característico en los

10Insiders, se provenientes de organizações públicas e outsiders, quando provenientes do setor

sistemas de gobernanza pública (LONGO apud MARTÍNEZ PUÓN, 2011, p.

9).

Segundo este autor (LONGO apud MARTÍNEZ PUÓN, 2011), o processo de expansão da função de direção pública tem surgido e se desenvolvido de modo desigual e heterogêneo em diversos países. Uma das dificuldades para esta consolidação estaria associada à resistência política de permitir a profissionalização da administração pública, especialmente nos casos de introdução de sistemas meritocráticos e abertos, ou seja, que permitem a entrada de profissionais do setor privado nos altos cargos públicos. Importante ressaltar, entretanto, que esta resistência política parece pouco fundamentada quando analisamos o crescimento da Alta Direção Pública como um grupo profissional que buscará apoiar a direção política, ajudando-a a governar a máquina pública, ao invés de buscar ocupar os cargos políticos para a realização de interesses próprios. Nesse sentido, destacamos a opinião de Longo, segundo a qual, política e gestão constituem não um jogo de soma zero, mas esferas que se reforçam e complementam:

La auto delimitación de la política resulta necesaria para la creación de un espacio directivo, pero refuerza, a cambio, las capacidades de quienes gobiernan para dirigir estratégicamente. En este sentido, una DPP 11 adecuadamente articulada con la política hace a ésta más capaz de lograr sus objetivos de gobierno y refuerza, en definitiva, la gobernanza de estos sistemas (LONGO apud MARTÍNEZ PUÓN, 2011, p. 11).

Martínez Puón (2011) trata de tais Sistemas de Direção Pública como instituições que se posicionam paralelamente às já existentes, conhecidas como “Serviço Civil”, ou seja, que representam o espaço institucional de atuação e regramento dos funcionários públicos de determinada administração pública. Neste sentido, tais Senior Civil Services constituiriam formas alternativas, e não substitutas, para profissionalizar certo estamento que se diferencia do restante do funcionalismo público. Citando um trabalho de Ferrel Heady (1996) 12, Martínez Puón (2011) comenta que tal autor denomina os “The Western Mandarians” não como substitutos dos funcionários públicos ou dos políticos, “sino como una franja de personal que se posiciona entre ambos. Esencialmente como hacedores de políticas y que a la vez

11 DPP significa Direção Pública Profissional.

tratan de conciliar a los dos esferas de personal antes mencionadas” (HEADY apud MARTÍNEZ PUÓN, 2011, p. 17).

Análises, em geral embasadas em estudos empíricos, preocupam-se em compreender as diferentes configurações institucionais que caracterizam estes sistemas. Conforme Kuperus e Rode (2008) e trabalho publicado pela OCDE (2003), “tais dirigentes são geridos por instituições e procedimentos próprios e específicos que visam conferir estabilidade e profissionalismo a este grupo, mas também pretendem conceder certas flexibilidades para que o alcance de resultados seja possível” (KUPERUS; RODE, 2008; OCDE, 2003). A OCDE os diferencia segundo a tipologia de sistemas de carreira ou de emprego; o primeiro, representado pela experiência francesa, valoriza a entrada de funcionários de carreira nos postos do alto escalão governamental, favorecendo a mobilidade vertical e a formação de um grupo coeso em termos de valores e competências, e impossibilitando ou restringindo a entrada dos chamados outsiders; este modelo não dá ênfase à atuação voltada a resultados13.

Já o sistema de emprego, como o do Reino Unido, valoriza tanto a entrada de profissionais internos como externos ao serviço público, realizando concursos abertos e competitivos cuja seleção é baseada no mérito, mas também em competências de gestão; nesta tipologia, é observada a adoção de contratos de emprego flexíveis, similares aos praticados no setor privado; aos dirigentes públicos não é garantida a estabilidade, não havendo, portanto, a previsão de planos de carreira, nem de políticas de mobilidade entre diferentes cargos ou organizações; por outro lado, é valorizado o desempenho com base em resultados. Cabe ressaltar, ainda, que a OCDE prevê a existência de sistemas mistos ou híbridos, que conteriam elementos tanto dos sistemas de carreira como dos sistemas de emprego; como exemplo, podemos citar Itália, Bulgária e Polônia (KUPERUS; RODE, 2008; OCDE; 2003).

Jiménez Asencio (2007, apud MARTÍNEZ PUÓN, 2011) 14, oferece três modelos alternativos à tipologia proposta pela OCDE, classificados em: 1) Modelo

13Em países como França, Alemanha e Bélgica, por exemplo, classificados pela OCDE como

sistemas de carreira, não são utilizados, como instrumentos de gestão da Alta Direção Pública, os contratos de resultados (OCDE, 2003).

14 JIMÉNEZ ASENCIO, Rafael (2007). La Función Directiva en el Sector Público Español: Tendencias

de Futuro. En: Sánchez Morón et al. (coords.). La Función Pública Directiva en Francia, Italia y España, MAP, España.

Corporativo (fechado, de carreira ou burocrático): a função de direção tem origem na própria organização, é regulada estatutariamente, define regras de ingresso baseadas no mérito acadêmico, possui sistema altamente hierarquizado e valoriza a carreira pública; 2) Modelo de Politização (ocupação pela política): qualquer pessoa pode ocupar o cargo de direção, independente de suas capacidades ou procedência; possui como critério de escolha a confiança política e possui discricionariedade absoluta, ou seja, a vantagem da flexibilidade para nomear; 3) Modelo Gerencial (ou profissional): apresenta como valores a eficácia e eficiência; possui influência do setor privado, requer conhecimentos e habilidades vinculados à função de direção e valoriza a gestão por competências; é marcado pela delegação do poder político para aquele que vai dirigir a organização; a gestão é baseada em planos ou contratos definidos previamente. Segundo o autor, a primeira esfera seria profissional, mas não de direção, enquanto a segunda seria de direção, mas não profissional. Nestas dimensões residiria a diferença da esfera própria do dirigente público, de direção profissional.

O debate sobre as diferentes configurações institucionais dos Sistemas de Direção Pública é também tratado por Longo (2003), que aponta quatro principais áreas de intervenção para a consolidação dos cargos de direção públicos: 1) estrutura organizacional, caracterizada pela predominância de desenhos descentralizados, que permitem aos dirigentes maior discricionariedade e autonomia para a tomada de decisões, e sistemas de planejamento e controle baseados em resultados; 2) regras formais de gestão de pessoas para cargos de direção e existência de mecanismos adequados para a gestão de dirigentes, tais como garantias jurídicas capazes de proteger da politização e da arbitrariedade e regulamentação que permita a gestão dos dirigentes por meio de regras específicas e flexíveis de recrutamento, nomeação, carreira e remuneração; 3) definição das competências gerenciais, entendidas como eixo central das ações de recrutamento, seleção e avaliação de desempenho; e 4) incorporação da cultura de direção pública, em oposição à cultura burocrática, nas organizações governamentais (LONGO, 2003).

Resumidamente, os Sistemas de Direção Pública têm flexibilizado seus instrumentos para recrutamento e gestão dos dirigentes públicos. Conforme estudo de Kuperus e Rode (2008), os elementos mais comuns observados nas regras do

alto serviço civil são: seleção de dirigentes baseadas em competências gerenciais e experiências anteriores, contratos com duração determinada, avaliação por desempenho, candidatos internos e externos ao serviço público e desejo de atrair os melhores profissionais.

Ressaltamos, entretanto que, embora a literatura internacional discuta as diferentes possibilidades de configuração dos elementos institucionais que caracterizam os Sistemas de Direção Pública, de modo a permitir que os dirigentes públicos atuem, de fato, como criadores de valor público, tais estudos são marcados por uma análise comparativa pouco aprofundada e de caráter mais descritivo. São escassos os estudos empíricos que analisam, com profundidade, tais sistemas, de modo a melhor compreender de que modo seus elementos constitutivos vêm sendo aprimorados na busca por uma gestão de pessoas voltada a resultados.