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CAPÍTULO 5 – DIRIGENTES PÚBLICOS EM AÇÃO

5.1 Perfil dos Dirigentes Públicos Chilenos

De modo geral, os dirigentes públicos chilenos são responsáveis pela direção de organizações públicas descentralizadas e/ou desconcentradas, orientados por convênios de desempenho, e devendo subordinação direta aos políticos eleitos, Ministros de Estado e Presidente da República. Vimos que tais atores ocupam as mais altas posições governamentais, sendo nomeados pela combinação de critérios técnicos (competências gerenciais) e políticos que configuram um diferenciado espaço de atuação, de modo que o desafio destes atores está justamente no equilíbrio entre a capacidade de gestão e de atuação responsiva aos interesses democráticos, segundo orientação dos atores políticos. Podem ter origem tanto no próprio setor público, como no setor privado, e representam um grupo distinto, regido por regras próprias e específicas, que permitem diferenciá-los dos grupos profissionais tradicionais.

Em relação aos dirigentes provenientes do setor público ou do setor privado, cabe mencionar a perspectiva dos atuais dirigentes que vêm tal característica do Sistema como uma interessante possibilidade de compartilhamento das diferentes experiências destes dois diferentes atores, na medida em que possuem distintas experiências, competências, técnicas e ferramentas, bem como distintas culturas organizacionais (Entrevistado E, Servicio Agrícola y Ganadero), levando, ainda, a um aprendizado mútuo e a novas formas de se realizar os

objetivos propostos pelo governo. Segundo outros entrevistados, as diferenças são tão marcantes que a dificuldade para um outsider entrar no SADP é muito maior e, uma vez nomeado, possui um desafio significativo de compreender o funcionamento do setor público, marcado por forte regulamentação, diferentemente do privado (Entrevistado D, ChileCompra). Outro ponto de vista entende que a percepção do SADP é a de que candidatos do setor privado são mais preparados; entretanto, na prática, o que tem sido observado é que os funcionários com experiência no setor público têm maior facilidade para desenvolver suas atividades (Entrevistado G, DNSC).

Temos, assim, vantagens e desvantagens na seleção de insiders ou outsiders, mas entendemos que os diferentes perfis se complementam e consistem num interessante enfoque analítico para buscar compreender as diferenças existentes entre dirigentes públicos de diferentes origens. Lembramos que alguns países preferem recrutar a totalidade de seus altos funcionários dentro das carreiras públicas existentes, abrindo mão das inovações que podem ser propostas pelo perfil de profissionais da iniciativa privada, enquanto outros Sistemas, como o inglês, têm valorizado este segundo perfil, o que indica, uma vez mais, que os diferentes objetivos que o governo deposita aos ocupantes dos cargos do alto escalão irão determinar o perfil mais adequado para seu desempenho, ora mais voltado à habilidade de transitar na administração pública, possuir ampla experiência e contatos pessoais no Estado, ora mais voltado à possibilidade de introdução de inovações adotadas por organizações de mercado.

Interessante mencionar que o atual governo, cujo Presidente apresenta perfil mais empresarial (SILVA, 2010), vem privilegiando a nomeação de maior número de funcionários provenientes do setor privado, em relação a concursos anteriores. Segundo dados estatísticos (CHILE, 2012b), os nomeados provenientes do setor privado têm variado de 9% (em 2005) a 21% (em 2010) e 27% (em 2012), o que indica que embora o índice de inscrições de candidatos do setor privado tenha sido mantido na ordem de 58%, o número de nomeados provenientes deste setor aumentou consideravelmente, reforçando a declaração do funcionário de empresa de headhunting entrevistado, segundo o qual, “o público se tornou opção para o privado”. Ainda assim, 81% dos nomeados são provenientes do setor público (cuja taxa de inscrições representa 42% do total), o que indica que o Sistema chileno valoriza a experiência anterior dos dirigentes em atividades governamentais.

Gráfico 4 - Distribuição das nomeações pela natureza do último cargo ocupado e nível hierárquico Fonte: autoria própria, adaptado de CHILE (2012b).

Originários do setor público ou privado, os dirigentes públicos chilenos são definidos pelo governo chileno a partir da separação entre as funções de formulação e implementação de políticas públicas (Entrevistado G, DNSC; Entrevistado E, Servicio Agrícola y Ganadero), mesmo critério teórico utilizado para definir que organizações comporiam o SADP; ou seja, os dirigentes seriam os ocupantes de cargos técnico-políticos que executam políticas públicas e prestam serviços diretos aos cidadãos. Entretanto, reconhece-se que tal afirmação não possui aderência à realidade empírica, de modo que permanece a dificuldade de estabelecer um parâmetro que melhor permita diferenciar cargos e atores políticos de cargos e atores profissionais (ABARZÚA, 2010).

Considerando que a atuação dos dirigentes públicos ocorre em um espaço que mescla a combinação dos elementos da gestão e da política, notamos que sua atuação diferencia-se tanto em termos da posição institucional ocupada (níveis hierárquicos I e II), como em relação à forma de gestão dos trabalhos: para dirigentes cuja organização está inscrita no SADP, os dirigentes são recrutados pelo mesmo Sistema e atuam segundo a totalidade de suas regras (celebração de convênios de desempenho, remuneração variável, tempo definido de permanência no posto, entre outras); por outro lado, observamos a existência de um grupo composto por dirigentes que são selecionados via SADP, mas que não atuam segundo as regras anteriormente mencionadas (estes últimos atuam nos

100% 87% 91% 94% 83% 94% 71% 77% 67% 81% 13% 9% 6% 17% 6% 29% 23% 33% 19% 80% 92% 90% 81% 83% 84% 75% 80% 70% 81% 20% 8% 10% 19% 17% 16% 25% 20% 30% 19% 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Lagos Bachelet Pi era TOTAL

Nível I Público Nível I Privado Nível II Público Nível II Privado

denominados serviços públicos não inscritos)41. A principal diferença na atuação

destes atores refere-se à celebração dos acordos de desempenho apenas para aqueles responsáveis por organizações incorporadas completamente ao Sistema de Alta Direção, o que consideramos principal elemento que caracteriza a atuação do dirigente público, ou seja, a orientação a resultados.

Outra diferenciação refere-se aos dirigentes públicos de nível hierárquico I e II: enquanto os primeiros atuam liderando determinada organização como um todo, os últimos são responsáveis pela gestão de uma unidade específica desta organização (por exemplo: Departamento de Recursos Humanos, Departamento Financeiro, entre outros). Por essa razão, segundo entrevista com empresa de headhunting, o dirigente II teria perfil mais técnico e foco nas atividades de gestão, enquanto o de nível I teria mais foco nos resultados, atuando para influenciar o alcance das metas; teria uma natureza de atuação mais política e voltada para uma perspectiva de mais longo prazo.

Diversos atores entrevistados (Entrevistado G – DNSC; Entrevistado I – CADP; Entrevistado B – Parque Metropolitano; Entrevistado F – Superintendencia de Casinos de Juego) apontaram esta diferença entre estes níveis hierárquicos: o primeiro sendo mais político e o segundo mais técnico; para o entrevistado G, alto funcionário da Direção Nacional, o primeiro nível está muito mais associado à confiança política, enquanto o segundo ao desempenho; nesse mesmo sentido, o conselheiro de Alta Direção entrevistado afirma que os primeiros seriam “os melhores dirigentes do governo” enquanto os dirigentes II seriam “os melhores do Chile”: “hoy en día yo diría en el primer nivel hay bastante consenso que es para seleccionar a los mejores del gobierno de turno, no es asi en el segundo nivel, el segundo nível es mucho mas tecnico” (Entrevistado I, CADP). Segundo entrevistado A, Diretor do Servicio de Registro Civil e Identificación, os dirigentes de nível II apresentam perfil mais executivo e constituem equipe mais próxima do dirigente de nível I; tais atores atuam mais voltados à gestão interna da organização, mas podem relacionar-se com o público externo, representando ocasionalmente o Diretor

41 Este segundo grupo não foi considerado no escopo da pesquisa, mas consideramos relevante

mencionar esta diferença existente no sistema chileno, para melhor delimitar o escopo da pesquisa e para indicar caminhos possíveis para futuros estudos sobre o tema. Desconhecemos a causa de tal diferenciação, mas imaginamos que pode relacionar-se à dificuldade de cada organização de aderir integralmente às novas regras criadas para a gestão dos altos funcionários públicos, de modo que esta pode ser uma opção para uma entrada paulatina ao Sistema, ou mesmo uma forma de aproveitar a estrutura já instalada para seleção profissional do alto escalão, sem a necessidade de se fazer uso das demais regras existentes como a dos convênios de desempenho.

Nacional junto à imprensa, por exemplo, enquanto a atuação do dirigente I é mais acentuadamente voltada à representação da organização, relação com diversos stakeholders para fins de negociação e busca de apoio para a implementação dos projetos de governo.

Em relação ao dirigentes I, o conselheiro de Alta Direção Pública entrevistado trata da importância de sua habilidade de gestão operacional (MOORE, 1995), uma vez que este ator deve compreender os objetivos a serem alcançados e traduzi-los para toda a organização, fazendo com que cada funcionário entenda o significado e o valor de seu trabalho para o alcance daqueles objetivos:

El de primer nivel claramente requiere muchas habilidades blandas, pero requiere también conocimientos técnicos muy sólidos porque debe imponerse frente a organizaciones que son nuevas, que tienen una cultura distinta, y ir atrás de conocimientos es mucho más fácil para convencer a la gente a trabajar con ello; pero si ese conocimiento duro no va acompañado de habilidades blandas, no va a servir para nada. O sea, son los directivos públicos de primer nivel jerárquico que, a mi juicio, dependiendo de la dimensión del cargo, son bien ‘superhombre’ o ‘supe persona’, porque hay que ser tremendamente completo, muy empático, poder relacionarse bien con las autoridades hacia arriba, con los subalternos, hay que convencer a la gente, porque lo que pasa en la administración pública es que todo el administrativo, el profesional que está en la administración pública está acostumbrado a que pasen estos directivos, entonces llega uno con buenas ideas y con ganas de hacer cosas y la gente lo mira y dice ‘yo estoy aquí hace veinte años y este llegó hace seis meses, ¿por qué voy a cambiar?’, entonces convencer a este señor de que hay que trabajar de otra manera… Lo que atiende mucha gente, por ejemplo [...], ese señor que está todos los días timbrando papel y que se pone el mismo uniforme azul y que lleva 20 años timbrando el papel, la persona que llega la tiene que convencer de que su trabajo de timbrar el papel es lo más relevante del planeta y eso se requiere ser bien un ‘superhombre’ para conseguirlo. Eso de primer nivel. En el segundo nivel el conocimiento técnico es más relevante a mi juicio en los cargos de menos exposición; [...] en los cargos regionales, probablemente la exposición es similar a la nacional, pero en una dimensión más chica (Entrevistado I, CADP).

Sobre as diferenças entre os dirigentes I e II, também cabe mencionar que os primeiros são mais generalistas, enquanto os segundo mais especialistas, uma vez que os primeiros devem conduzir diferentes áreas da organização e ter competências de integrá-las e coordená-las na busca por resultados, enquanto os segundos devem conduzir assuntos específicos e possuem contato mais próximo com as equipes técnicas das organizações. Segundo dirigente entrevistado do Parque Metropolitano:

Creo que los segundo nivel son mucho más técnicos, profesionales, para resolver problemas concretos de sus áreas e sus profesiones; por ejemplo:

en el Zoológico, hay un veterinario; en la División Jurídica, hay un abogado; en la División Técnica, un arquitecto; la de Jardines, un ingeniero agrónomo; entonces resolve problemas que están muy asociados a su competencias profesionales. Y creo que en primer nivel jerárquico, si bien la profesión es importante, es mucho más importante la gestión y la visión de la institución; entonces yo creo que el primer nivel jerárquico tiene que si tener conocimientos técnicos, pero sobretodo tener una muy buena capacidad de gestión, tiene que tener un claro liderazgo también, saber conducir, poder proponer al ministerio distintas iniciativas, tener políticas internas y también bajar las políticas del Estado, de la institución (Entrevistado B, Parque

Metropolitano de Santiago).

Também cabe mencionar a existência de uma importante diferença entre dirigentes de nível II, relacionada ao fato de alguns desempenharem atribuições no âmbito de determinadas unidades das estruturas organizacionais nacionais, enquanto outros são responsáveis pela liderança de organizações regionais42.

Segundo diretor entrevistado do Servicio de Registro Civil e Identificación, os Diretores Regionais, embora hierarquicamente localizem-se abaixo dos dirigentes de nível hierárquico II do Servicio [Nacional] de Registro Civil e Identificación, possuem atuação mais similar à do Diretor Nacional, porém com escopo reduzido para a região administrativa correspondente. A mesma opinião é compartilhada pelo conselheiro de Alta Direção Pública entrevistado, que entende tal diferença atrelada ao tipo do serviço público; embora o Diretor Regional tenha uma atuação voltada mais para o ambiente externo da organização (diferentemente de um Chefe Jurídico, por exemplo, que atua internamente), seu escopo de atuação (orçamento, equipe, território) é muito menor que o de um Diretor Nacional. Segundo este conselheiro, há uma discussão presente no país sobre cargos de nível I que deveriam ser de nível II e vice-versa; tal discussão é baseada nos diferentes níveis de responsabilidade que cada dirigente possui no âmbito de sua organização.

Independente do nível hierárquico, todos os dirigentes públicos chilenos devem preencher requisitos legais de titulação de carreira e experiência profissional que garantam competências técnicas mínimas para assumir o cargo. Também devem possuir um conjunto de competências gerenciais, cujos pesos são diferenciados para o desempenho das diferentes funções; são definidas segundo uma matriz composta por 7 competências, conforme já mencionado anteriormente43,

que constituem eixo central para a seleção e gestão destes dirigentes. Segundo

42Não foi possível a realização de entrevistas com dirigentes de nível II atuantes no âmbito regional;

ainda assim, podemos apontar algumas considerações iniciais baseadas nas entrevistas realizadas.

43Para maiores detalhes, ver descrição das competências esperadas dos dirigentes públicos chilenos

entrevistado da empresa de headhunting, tais competências indicam a importância de seleção de perfis que estejam aptos a lidar com os desafios do mundo público, que são muito mais complexos que os do mundo privado; para este entrevistado, o exercício de competências como visão estratégica e liderança seria similar no setor público e privado; porém, a gestão de redes seria algo bastante desafiador, pois representa a habilidade de compreender o mapa de poder e saber influenciar, convencer e negociar com inúmeros atores com os quais o dirigente não apresenta relação direta de hierarquia, tais como mídia, sindicatos e outros Poderes.