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Espaços de interação

No documento A prática docente do professor iniciante (páginas 175-184)

CAPÍTULO 5 DA TRILHA AOS NOSSOS ACHADOS

5.3 Expressões de apoio ao professor iniciante no cotidiano da organização

5.3.2 Espaços de interação

Os espaços de interação são aqui considerados como o tempo e o lugar oferecidos pela escola ou criados pelos professores para troca de experiências, informações e estabelecimento de relacionamentos e comunicação entre os professores. Encontramos três espaços utilizados pelas escolas com possibilidades de se estabelecer interação entre as professoras: a) Sala dos professores; b) reunião pedagógica bimensal de professoras com turmas do mesmo nível de ensino; e, c) reunião semestral de planejamento e avaliação.

A sala das professoras é o lugar da interação profissional, do descanso, da descontração. Um ambiente de comunicação e troca de informações profissionais,

de discussões das diferenças pessoais com clima de informalidade. É o que encontramos na sala dos professores da Escola Mina 2, freqüentada diariamente pelas professoras e que se constitui como espaço permanente com momentos de descontração e de troca de informação, entre as professoras e destas com a coordenadora e a dirigente. Por vezes, a programação de atividades coletivas é acertada nesse espaço: semana do folclore, da criança, feira de conhecimento, passeios.

Apesar de haver na Escola Mina 3, a Sala dos Professores, localizada no primeiro andar, não é utilizada. Segundo a vice-dirigente, a separação da estrutura física dificulta, pois as professoras do térreo não se dispõem a ir até lá. Acrescente- se aí a não existência de intervalo para as professoras, isto é, criou-se o lugar, mas não o tempo. A Escola Mina 1 não dispõe desse espaço nem de intervalo para professoras e alunos.

A reunião pedagógica é o espaço onde se discutem as questões referentes aos processos de ensino e onde se trocam experiências sobre processos de ensino, em que as atividades são planejadas e os problemas de sala de aula são discutidos e partilhados.

Das três escolas, a Mina 2 é a única que disponibiliza esse tempo para as professoras. Esse encontro bimensal tem duração de três horas e reúne professoras por ciclo. Para possibilitar sua realização sem dispensar os alunos, a coordenadora pedagógica mobiliza todos os estagiários e estagiárias do horário para assumirem as salas de aula, ficando, ela mesma, com uma ou mais turmas.

Água Marinha reconhece que a escola tem proporcionado momentos de troca de experiência e diz que às vezes é proveitoso e outras vezes não. Diz que como ainda está na universidade, pensou que na reunião de estudo na escola iria

sentar junto com as colegas para estudar as questões teóricas, mas percebeu que é para troca de experiência, para falar sobre os problemas dos alunos e as dificuldades deles:

Então a questão da troca existe e existe muito e eu peguei muito dos professores que foram professoras dos meus alunos. Essa questão de como um é, como o outro é, sabe? Até a questão da família mesmo, como a família de um é... as dificuldades dos alunos: esse aqui sabe fazer tal coisa, esse não, esse é mais devagar. Então conversei com todas, porque meus alunos foram alunos de quatro professoras diferentes. Então eu tive apoio nesse sentido...eu tive essa contextualização da minha turma (ÁGUA MARINHA, R 61, p. 4).

A relação dos alunos para aulas de reforço, o que as professoras estavam fazendo para a feira de conhecimentos, o comportamento das mães com relação a retirar os filhos da sala de aula antes do término do turno e o preenchimento dos diários de classe foram os assuntos tratados na reunião bimensal observada. Água Marinha manteve-se em silêncio enquanto as outras professoras falavam, respondeu a algumas brincadeiras das colegas dizendo estar à vontade. Pela concentração das professoras mais antigas sobre os encaminhamentos dos assuntos, e o silêncio da professora iniciante, nessa reunião, a troca de experiência não foi comprovada.

Verificamos a existência de reunião geral, realizada uma vez por semestre, destinada ao planejamento e avaliação da escola nas três escolas observadas, ressaltadas as diferenças de pauta entre elas. Essa reunião geral deve agrupar todas as professoras da escola. Nela, o pedagógico e o administrativo se fundem de tal forma que os temas das discussões se diversificam, passam por opiniões e conclusões diferentes entre os participantes, podendo chegar ou não a uma decisão ou um consenso. Essas reuniões também envolvem as questões de contexto da escola como as normas e políticas pedagógicas do sistema de ensino no qual a

escola se insere, bem como as questões referentes ao convívio e participação dos pais e da comunidade na escola.

Na Escola Mina 2, presenciamos uma reunião geral para planejamento semestral, tendo como pauta os registros das competências dos alunos, a avaliação e a leitura e atualização do projeto pedagógico da escola. Participaram as professoras do turno, a coordenadora, a dirigente, a vice-dirigente e a secretária. A vice-dirigente contribuiu com uma oração no início e passou os encaminhamentos para a coordenadora pedagógica. Houve muita discussão em torno dos assuntos tratados, todas tendo como principais interlocutores as professoras mais antigas da escola. A coordenadora pedagógica falou da disponibilidade de estagiárias para aulas de reforço e que, diante das dificuldades da professora iniciante, a turma dela teria prioridade. Uma professora mais antiga na escola falou da inconveniência de colocar uma estagiária com a professora iniciante, quando a primeira, pela condição de estudante, podia ter ainda menos experiência que a segunda não contribuindo muito para melhorar a situação. Água Marinha acenou, concordando com a colega, mas a coordenadora deu por encerrada a questão por não ver outra solução no momento.

Aqui se repete o comportamento da reunião bimensal: as professoras novatas silenciam diante das falas das mais antigas e procuram sentar junto de seu grupo. A professora iniciante, mais recente na escola e na profissão (quatro meses), não ocupa grupo específico.

A reunião que presenciamos na Escola Mina 1 teve como participantes a dirigente, que coordenou o encontro, e as professoras do ciclo 1 e 2 do ensino fundamental do turno da manhã. A pauta era o Conselho de Ciclos, a distribuição

das turmas para o próximo ano e o cronograma de atividades para o último mês do ano letivo. Nessa ocasião, verificamos que:

a) ao fazerem comentários sobre os assuntos da reunião, as professoras mais antigas falavam mais para o grupo de colegas e para a dirigente, enquanto as professoras novatas se comunicavam mais em conversas paralelas entre elas mesmas;

b) uma professora mais antiga diz desconhecer os detalhes do projeto para contenção da violência, criado pela direção e as demais falam a mesma coisa e acrescentam que apesar de terem participado dos eventos coletivos, sabem mais através dos alunos;

c) a professora mais antiga sugere à dirigente a criação do regimento da escola como mecanismo de defesa da escola e dos professores, diante dos problemas com os alunos;

d) a professora Ágata, embora não verbalize, faz sinal com a cabeça, concordando com as colocações das outras professoras sobre o desconhecimento dos detalhes do projeto citado;

e) a professora Ágata faz comentários paralelos com as colegas professoras próximas a ela e que fazem parte do grupo mais recente na escola;

f) ao ser consultada pela dirigente, a professora Ágata diz que prefere continuar com o 3º ano do Ciclo 1 no próximo ano.

Fica evidente a carência de momentos mais coletivos, uma vez que, pelas falas, constatamos que as professoras participam de atividades cujos objetivos e implicação para os alunos e para a escola não estão claros. A professora iniciante encontra espaços de interação limitados, sem oportunidade de convivência com as

outras professoras, ficando seu espaço restrito às colegas também novatas na escola.

No entanto, essa escola não disponibiliza espaços facilitadores de interação e troca de experiências entre as professoras, o que pode ser visto como um de seus limites com relação à socialização da professora iniciante – não há tempo nem espaço exclusivos para encontros entre as professoras.

A professora Ágata considera as reuniões de que participa na escola como aquelas “voltadas para assuntos mais gerais da escola, com o que se vai fazer na escola como um todo”.

Nas reuniões se falava mais de assunto geral da escola, o que ia fazer na escola como um todo. Não tinha (tem) aquele momento certo de parar, assim, por determinada série que ia fazer isso e isso, entendeu? (ÁGATA, R 60, p. 2).

No plano da constância em determinadas atividades, encontramos um cotidiano marcado por consultas repentinas entre as professoras, na sala de aula mesmo, ou a procura de informação na secretaria, ou na direção da escola durante o horário da aula. Nesse sentido, podemos chamar de interação tática por sugerir habilidade das professoras no aproveitamento do tempo e da ocasião (Certeu,1994, p.102), para se estabelecer uma comunicação com o outro, não previsto pelo lugar estabelecido.

A Escola Mina 3, onde trabalham as professoras Amazonita e Ametista, realiza com mais freqüência esse tipo de reunião geral, mas com um curto período de duração – uma hora antes do término da aula de cada parte da escola (térreo e primeiro andar). A pauta é emergencial, de acordo com a demanda de problemas daquele momento – quase sempre envolvendo o relacionamento com os pais e as questões materiais e físicas da escola.

Verificamos pouca participação das professoras na reunião com os pais e o Conselho de Ciclo teve como pauta explicação para o preenchimento do diário de classe, pela coordenadora pedagógica do turno da tarde.

A reunião geral da Escola Mina 3 ocorreu no último mês do ano letivo e teve como pauta a avaliação da escola e da gestão. Dentre os pontos negativos da escola no ano letivo, as professoras citaram a falta de: diálogo entre as pessoas, amizade entre as professoras, participação nas decisões da escola, individualidade e ética entre colegas. Esses registros retratam bem o momento vivido pelas professoras e a necessidade da escola oferecer mais encontros e/ou criar condições para promoção de um clima mais satisfatório entre as pessoas.

Verificamos que, assim como na Escola Mina 1, na Escola Mina 3, as formas de interação entre as professoras acontecem em momentos informais como a chegada à escola e à sala da direção ou consulta em sala de aula entre algumas. As professoras se articulam mais em duplas para realização de atividades com os alunos como: horários para levar alunos ao parque da área externa, passeios e/ou excursões, preparação de materiais para eventos e elaboração de atividades.

A Escola Mina 3 tem estagiárias assumindo turmas sem professor (cadeira vaga) com mais tempo na escola que muitas professoras efetivas, constituindo-se uma hierarquia de grupo: as estagiárias mais antigas interagem entre si e com as professoras efetivas mais recentes na escola, enquanto as estagiárias mais novas ficam mais isoladas. As professoras mais antigas são poucas e não se verificam momentos de conversas mais animadas entre elas e delas para com o restante do grupo. Aqui as novatas na escola se procuram mais, mas acabam por formar duplas.

Uma das professoras da escola diz que ela e algumas colegas saem correndo da Mina 3, porque trabalham em outra escola e isso concorre para a pouca

conversa. Além disso, como não há reuniões com freqüência, ficam sem informações, sem conhecer uma as outras, o que leva, segundo ela, a um distanciamento entre as professoras que trabalham em turnos diferentes e até em andares (pisos) diferentes.

A professora Ametista diz que, no início do ano, ela e mais três outras professoras se juntaram para fazer um projeto de alfabetização, planejando atividades conjuntas. A escola deu espaço colocando estagiárias nas salas de aula durante as reuniões que aconteciam todas as quintas-feiras, a partir das 16 horas. Mas, como começou a se tornar freqüente, a escola suspendeu essa atividade.

Mesmo assim, Ametista tem criado espaços, dentro mesmo da realidade da escola:

Veja, a gente tem uma liberdade muito grande, a gente nunca encontrou... nunca pensou em fazer alguma coisa e a direção... não, não vai fazer. Mas também a gente não vê muito apoio pedagógico, apesar de termos uma coordenadora. Mas acontece que a coordenadora não é tão pedagógica, o pedagógico é todo com a gente. Tanto é que a gente se junta, faz projeto em conjunto porque é a mesma realidade, a minha e da professora lá de cima (...) É a mesma turma, mesmo nível, mesma série. A gente procura fazer projetos pra sair desse dia-a-dia daqui de dentro. Tanto é que a gente faz muita aula extra-classe. A gente sai, faz passeios (AMETISTA , R 63, p. 6 e 7).

Os comentários da professora Ametista confirmam o observado nas escolas e nos leva a concluir, mesmo com todas as limitações das escolas com relação à criação de espaços que promovam uma maior articulação entre as professoras e, embora as pesquisas apontem o individualismo e o isolamento como condições mais preexistentes e disseminadas no ensino (FULLAN E HARGREAVES, 2000, p. 58), as professoras iniciantes demonstram disposição para expor suas necessidades e solicitar colaboração às colegas ou outros profissionais da organização escolar.

Por outro lado, embora encontremos nas três escolas momentos de reuniões com a participação das professoras iniciantes, essas reuniões apresentam alguma limitação na gestão do tempo, dos espaços e dos encaminhamentos que dificultam um clima de maior colaboração entre as professoras mais experientes e as iniciantes, ou mesmo entre as professoras com mais experiência como docentes, mas novatas na escola, sendo essa limitação percebida pelas professoras iniciantes. Dessa forma, mesmo encontrando procedimentos de interação entre as professoras iniciantes e demais colegas professoras, a promoção de um ambiente de interação ainda é tímido nas escolas observadas, tanto em relação ao tempo quanto ao espaço e às pessoas. Isso nos leva à afirmação de Hargreaves (1994, p. 295), para quem o clima de colaboração e reflexão da organização escolar depende da interação entre os docentes no sentido de aprender mais uns com os outros e melhorarem suas competências, sendo necessário criar novas estruturas, tempo e espaços que possibilitem tais aprendizagens e interações.

Cavaco (1995, p. 168) coloca a escola como instância que pode vir a contribuir para reverter o quadro atual de desvalorização da imagem do professor, desde que a escola se organize “para acolher os novos docentes, abrindo caminho para que possam refletir e ultrapassar de forma pertinente e ajustada as suas dificuldades”. Para essa autora, a escola deve assumir coletivamente essa responsabilidade através de projetos de formação profissional.

Reconhecemos que a inclusão da socialização do professor, desde sua iniciação como profissional docente no repertório da organização escolar e de seus membros, já é por si só uma prática que possibilita a criação de um cenário de reflexão e aprendizagem. Esse cenário pode levar a escola e as professoras a analisarem fenômenos como, por exemplo, o insucesso dos alunos na

aprendizagem “do ponto de vista interno da adequação ou inadequação do modo de ensinar aos modos de aprender os alunos” (ROLDÃO, 2001, p. 129).

A análise dos fenômenos contidos na prática pedagógica das professoras iniciantes reporta-nos ao repertório adquirido na formação inicial a respeito dos processos de ensino e nos faz retornar a ela na perspectiva das próprias professoras. Nesse sentido, no item seguinte, as professoras iniciantes expõem suas reflexões sobre a formação inicial e as novas aprendizagens, a partir da entrada na profissão docente.

5.4 O professor iniciante no processo de reelaboração de seus conhecimentos

No documento A prática docente do professor iniciante (páginas 175-184)