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Formação de professores reflexivos

No documento A prática docente do professor iniciante (páginas 39-48)

CAPÍTULO 1 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR: uma discussão presente

1.4 Formação de professores reflexivos

A formação do profissional reflexivo, desenvolvido em estudos realizados por Schön (1992, 2000), propõe uma nova epistemologia da prática com base no ensino

prático reflexivo, como forma de os estudantes adquirirem os “tipos de talentos artísticos” essenciais para agirem em situações inesperadas da prática profissional.

Segundo esse autor, o processo de aprendizagem se dá na formulação de situações contidas no próprio movimento da prática, explicada na seqüência:

1) uma situação de ação para a qual trazemos respostas espontâneas e de rotina, revelando-se como processo de conhecer-na-ação que pode ser descrito em termos de estratégias, compreensão de fenômenos e formas de conceber uma tarefa de problemas adequados à situação;

2) nas respostas de rotina pode haver surpresa ao produzir resultados que não se encaixam nas categorias de nosso conhecer-na-ação;

3) a surpresa leva à reflexão dentro do presente-de-ação, levando à reflexão-na- ação que tem uma função crítica, questionando a estrutura de pressupostos do ato de conhecer-na-ação, podendo levar à reestruturação das estratégias de ação, à compreensão dos fenômenos ou a formas de conceber os problemas;

4) a reflexão gera o experimento imediato, seguindo momentos como: pensar e experimentar novas ações para explorar os fenômenos observados, testar a compreensão ou afirmar as ações inventadas para mudar as coisas para melhor; 5) há o momento do possível olhar retrospectivo para si como uma ação, uma observação e uma descrição que exige o uso de palavras. Nos processos de formação, a pesquisa na prática ou reflexão sobre a reflexão-na-ação podem levar os profissionais a adquirirem nova compreensão de situações indeterminadas e a vislumbrarem novas estratégias de ação (SCHÖN, 2000, p. 33-36).

Essa seqüência que evidencia os fundamentos para o ensino prático reflexivo deve ter como condição inicial o diálogo entre instrutor e estudante, enquanto empreendimento comunicativo específico de palavras e ações e, a exemplo da

formação artística exercitada em ateliers que exercitam o design enquanto forma do “ser aprender no fazer” e o treino físico da aprendizagem profissional, cria-se a idéia do praticum, compreendendo-o como “qualquer cenário que representa um mundo real – um mundo da prática – e que nos permita fazer experiências, cometer erros, tomar consciência dos nossos erros, e tentar de novo, de outra maneira” (SCHÖN, 1992, p. 89; 2000, p. 128).

Essa perspectiva do praticum é tratada na formação do professor por Zeichner (1992, p. 117) para referir-se aos “momentos estruturados de prática pedagógica (estágio, aula prática, tirocínio) integrados nos programas de formação de professores”.

Ao tratar do campo da educação, Schön (1992, p. 82-88) identifica uma crise centrada num conflito entre o saber escolar e a reflexão-na-ação dos professores e alunos. O saber escolar é caracterizado como fatos e teorias tidos como certos, organiza-se em categorias e em níveis, o que leva o professor ao exercício de práticas uniformizadas. O tipo de ensino com base na reflexão-na-ação exige do professor a capacidade de individualizar, prestando atenção a um aluno em seu grau de compreensão e de dificuldades e: a) permita-se ser surpreendido pelo que o aluno faz; b) pense sobre o que o aluno diz ou fez e procure compreender a razão por que foi surpreendido; c) reformule o problema suscitado pela situação; e, d) efetue uma experiência para testar sua nova hipótese.

Como dificuldades para a introdução de um praticum reflexivo na formação de professores, esse autor coloca a epistemologia dominante na universidade e o seu currículo profissional normativo, baseados, primeiro, em princípios científicos, segundo, na aplicação desses princípios e terceiro, num praticum cujo objetivo é aplicar à prática quotidiana os princípios da ciência aplicada (idem, 1992, p. 91)

Nessa perspectiva de ensino reflexivo, Liston e Zeichner (1997, p.103-104) afirmam que Schön coloca a reflexão na prática técnica, para conceber a relação entre o conhecimento e a prática contida na prática profissional individual, o que consideram uma contribuição acertada, mas acreditam que o desenvolvimento de uma prática reflexiva competente deve conter um exame das mudanças e das condições nas quais se desenvolve a escolarização, isto é, o processo de mudanças sociais e institucionais. Essa forma de reflexão individualizada ignora as ações e deliberações cooperativas e limita as mudanças às salas de aula.

Assim, Zeichner (1993, p.16) adota a prática reflexiva dos professores como reação à concepção de professor como técnico cumpridor das normas educativas que lhes ditam fora de sala de aula e o conceito de professor como prático reflexivo fornece as bases para o desenvolvimento dos estudos voltados para a formação docente.

Esse autor recorre à definição de John Dewey para conceituar o ensino reflexivo em sua distinção entre o ato humano que é reflexivo e o ato humano que é rotina:

I – Ato humano que é rotina: guiado pelo impulso, tradição e autoridade; nas escolas e universidades, existem uma ou mais definição da realidade que definem os problemas, metas e objetivos; a realidade é definida sem problema (ausência de ruptura), impedindo os professores de experimentar alternativas; há uma forte concentração em atingir objetivos e soluções de problemas definidos por outros; e aceitação automática do ponto de vista dominante numa dada situação.

II – Ato humano que é reflexivo: consideração ativa, persistente e cuidadosa daquilo que se acredita ou se pratica (justificativa e conseqüências); mais do que busca de soluções racionais e lógicas, envolve intuição, emoção e paixão; ter espírito aberto

para perguntar-se por que estão fazendo o que fazem na sala de aula; implica ponderação cuidadosa das conseqüências de uma determinada ação – pessoais, acadêmicas, sociais e políticas; e ter responsabilidade com a própria aprendizagem. (idem, p.18).

Assim, a formação do professor na perspectiva do profissional reflexivo, implica: a) tê-los como profissionais que devem desempenhar um papel ativo na formulação dos objetivos do seu trabalho e dos meios para os atingir; b) reconhecer que os professores também têm teorias que podem contribuir para uma base codificada de conhecimentos de ensino, não sendo exclusividade das universidades e centros de investigação; c) considerar que o processo de melhoria do seu ensino deve começar pela reflexão sobre a sua própria experiência; e d) os formadores de professores ajudem, durante a formação inicial, a desenvolver a capacidade dos alunos professores estudarem a maneira como ensinam e de melhorá-la com o tempo (idem, p.16-17).

Segundo Matos (1998, p. 302), o termo professor reflexivo soa redundante, pois a reflexão é uma característica peculiar do ser humano, mas o que se busca nas implicações acima citadas é evidenciar um conteúdo de formação que contribua com o desenvolvimento dessa peculiaridade em direção à atuação profissional a serviço da excelência e da eqüidade.

O conteúdo básico a considerar na formação de professores compõe-se de três níveis de reflexão: o nível da técnica que corresponde à análise das ações explícitas (o que fazemos e é passível de ser observado); o nível da prática referente ao planejamento e à reflexão que trata do que se vai fazer e sobre o que foi feito; e o nível da crítica que analisa a ética, ou a política da própria prática e suas repercussões contextuais (GARCÍA, 1992, p. 63).

Para contemplar esses níveis de reflexão, há de se considerar não apenas a representação das disciplinas, mas “o pensamento e compreensão dos alunos, as estratégias de ensino sugeridas pela investigação e as conseqüências sociais e os contextos do ensino” (ZEICHNER, 1993, p. 25).

A pertinência das colocações acima está na evidência que se dá na formação dos professores como processo de reflexão crítica das conseqüências sociais de escolarização e dos contextos de ensino. Para Liston e Zeichner (1997, p. 112-120), abordar esses aspectos nos cursos de formação de professores pode levar os futuros professores a compreenderem como em geral esse contexto facilita ou dificulta suas metas educativas, assim justificando:

Os professores que vão ingressando um a um na profissão permanecem durante muito tempo inconscientes da natureza institucional dos sistemas escolares e, em conseqüência, estão mal preparados para enfrentar os conflitos que surgem da mesma natureza na estrutura institucional. A situação do professor no conjunto do sistema escolar não constitui uma preocupação profissional e os conflitos institucionais inerentes ao rol do professor seguem como estão (FREEDMAN Y COLS, 1986, p. 57 apud LISTON; ZEICHNER, 1997, p. 112).7

A preocupação profissional exige dos professores a compreensão de que o ensino que desenvolvem é um trabalho e que, num sentido muito real, são trabalhadores cujas condições de trabalho podem facilitar ou obstruir seus esforços educativos. Ao terem essa compreensão,

os futuros docentes adquirem um conhecimento muito mais profundo de seu trabalho, de sua própria experiência e também uma visão mais clara de suas relações com os alunos. Um exame das condições de trabalho dos professores permite que os aspirantes adquiram uma visão geral do contexto e de como influi em sua capacidade para ensinar (LISTON; ZEICHNER, 1997, p. 119)8.

Para esses autores, a inclusão das condições de trabalho dos professores nos currículos de formação do professorado pode contribuir com a preparação de

profissionais mais realistas a respeito das prováveis situações em que vão trabalhar, considerando que o trabalho com êxito nas escolas exige uma visão comprometida do ponto de vista pessoal, porém razoavelmente crítica. Enquanto disposição, essa “visão comprometida” deve ser estimulada pelos formadores de professores antes de sua imersão inicial, sob o risco de se ter como resultado mais provável a “adaptação e posterior aceitação da situação ou o cinismo, a desesperança e o abandono do ensino” (idem, p. 120).

Segundo Zeichner (1998, p. 81, 83), uma das estratégias instrucionais que tem sido utilizada para ajudar os futuros professores a se tornarem reflexivos a respeito de sua prática é a pesquisa-ação enquanto modo que inclui a atenção aos aspectos técnicos e morais do ensino e ao seu contexto, de tal forma que os formadores de professores também passam a compreender e aperfeiçoar sua própria atuação docente, melhorando sua orientação aos futuros professores.

Compreendemos assim a formação de professores reflexivos não apenas como desenvolvimento da reflexão sobre as técnicas e práticas na relação com o ensino e com os alunos, mas na reflexão crítica e construtiva do contexto e das condições que são oferecidas para o exercício do trabalho docente. Essa formação implica uma revisão dos programas de formação com relação ao exercício das práticas ou um praticum que deve ter como base a reflexão dos contextos reais da sala de aula, das escolas e dos sistemas de ensino, como instâncias dinâmicas na oferta de educação.

Vista nessa perspectiva, a formação inicial cria um elo de ligação com as organizações escolares ao expor os futuros professores à realidade dessas últimas, podendo influenciar positivamente em seu processo de inserção como profissionais.

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Tradução nossa.

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Isso nos faz refletir sobre a responsabilidade de cada uma dessas instâncias no desenvolvimento profissional dos professores, principalmente nessa primeira fase da carreira do professor.

Ao tratar da relação entre a formação inicial e a prática docente iniciante, Perrenoud é incisivo ao colocar suas conseqüências para os professores e os programas de formação continuada – um dos aspectos necessários para o desenvolvimento profissional:

A primeira aula pode ‘lavar’ o professor recentemente saído da escola normal de todas as suas ilusões e ambições. Isto significa que a formação não teve em conta as condições efetivas da prática, que lhe falamos de uma escola que não existe. Se só descobrir, nesse momento, que os alunos são pouco colaboradores, que as novas pedagogias são extremamente difíceis de gerir, que as famílias têm expectativas contraditórias, que os pais nem sempre entram no jogo, que dele se espera uma seleção razoável e não tanto uma avaliação formativa, então o professor terá todas as razões para dizer que a formação não lhe serviu para nada, que ele próprio tem de encontrar processos e artifícios para manter a ordem, para fazer os alunos trabalharem, para se conciliar com os pais ou para ser aceito pelos colegas. Dez anos mais tarde, quando lhe propusermos uma formação contínua, dirá que perdeu o interesse por contos de fadas (Perrenoud 1993, p. 100).

Para esse autor, a formação é uma mensagem que precede qualquer outra e é constantemente consolidada ou enfraquecida, dependendo dos feedbacks que o professor recebe no dia-a-dia.

Aqui encontramos o limite institucional da formação inicial do professor e entramos no espaço institucional do professor iniciante – a organização escolar. A escola se apresenta como base privilegiada para construção docente por ser o espaço de manifestação do professor pessoa e professor formado, visto que é nesse espaço que mobiliza suas energias, seus conhecimentos, afetos e compreensão de seu papel como educador e como expoente dos saberes selecionados para

transposição didática com os alunos. Ao tratar desse último aspecto, Perrenoud insere a escola num patamar decisivo:

A escola submete os saberes (global, práticas, culturas) a um conjunto de transformações para os tornar ensináveis: da cultura extra-escolar ao currículo formal; do currículo formal (a ensinar) ao currículo real (os ensinados); e do real à aprendizagem dos alunos (aprendizagem efetiva dos alunos)(PERRENOUD,1993, p. 25).

Os professores ficam encarregados de equilibrar o tempo dos programas e da construção de saberes pelos alunos, gerar situações didáticas para os alunos com o fito de realizar trabalhos e atribuir um estatuto aos saberes no contrato didático – interiorização dos alunos no tratamento de erros, ajuda, atividades, etc. (idem, ibidem, 26).

Sendo a escola o espaço privilegiado nos processos de ensino e aprendizagem dos educandos e, conseqüentemente, do empenho dos educadores nessa direção, trataremos a seguir de caracterizá-la como organização escolar e encontrar sua importância e responsabilidade no processo de desenvolvimento profissional dos professores enquanto aspectos importantes na inserção do professor iniciante em seu posto de trabalho.

CAPÍTULO 2 A ESCOLA E SEU PAPEL NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DO

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