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Formação inicial de professores

No documento A prática docente do professor iniciante (páginas 35-39)

CAPÍTULO 1 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR: uma discussão presente

1.3 Formação inicial de professores

Adotamos nesse estudo a concepção de formação de professores como processo contínuo, intrínseco ao desenvolvimento profissional, compreendendo a formação não na perspectiva institucional de carreira profissional, ou ainda como

idéia de acúmulo de conhecimentos ditos teóricos para posterior aplicação ao domínio da prática (NÓVOA, 1992, p. 25; MIZUKAMI, 2002, p. 13), mas como maturação conceitual que o professor constrói ao longo da vida, como aluno- professor e como profissional.

Concordamos com García (1999b, p. 27) ao afirmar que não se pode exigir que “a formação inicial ofereça ‘produtos acabados’, mas sim, compreender que é uma primeira fase de um longo e diferenciado processo de desenvolvimento profissional”.

Essa compreensão de formação inicial fundamenta-se nas diversas temáticas de investigações que tentam resgatar o sujeito do ser puramente intelectual ou técnico, que se tem atribuído ao professor, considerando sua estreita ligação com os conceitos de escola, ensino e currículo prevalecentes em cada época.

Nesse sentido, os estudos são tão diversos como complementares e resgatam o professor como pessoa a partir de seu processo de formação e, conseqüentemente, cria-se uma multiplicidade de enfoques, apresentados atualmente no debate acadêmico: o papel da formação na produção do conhecimento do professor; questões da autonomia e da ética; a profissionalização do professor; saberes docentes; identidade profissional; a reflexão do professor como base para sua formação; a formação como desenvolvimento profissional que integra práticas curriculares, docentes, escolares e pessoais; a socialização e a carreira do professor, entre outras.

Priorizaremos os aspectos referentes à relação teoria e prática na perspectiva de formação do professor reflexivo, considerando que a formação como processo de maturação conceitual encontra-se nas possibilidades da formação de professores realizar o movimento da prática imbricada com a teoria e desta última contemplar o

status contido na prática, numa perspectiva de ruptura com a lógica da racionalidade

técnica e meramente instrumental ou na ruptura da supremacia dos conhecimentos teóricos sobre a formação.

Segundo Schön (2000, p. 15), o modelo da racionalidade técnica, incorporado no campo científico e da prática profissional, é uma epistemologia da prática derivada da filosofia positivista que caracteriza os profissionais como aqueles que solucionam problemas instrumentais através de meios técnicos como propósitos específicos e aplicação de teorias originadas preferencialmente do conhecimento científico.

Outras implicações desse modelo são apontadas por Gómez (1992, p. 97): uma hierarquia nos níveis de conhecimento de um processo de derivação entre os mesmos, supondo diferentes estatutos acadêmicos e sociais das pessoas que os produzem; desencadeamento de uma autêntica divisão do trabalho, levando a uma relativa autonomia dos profissionais em cada um dos diferentes níveis; a inevitável separação pessoal e institucional e entre a investigação e a prática.

Para esse autor, nos últimos trinta anos a maior parte da investigação educacional tem sido desenvolvida com base nesse modelo também denominado instrumental:

A concepção do ensino como intervenção tecnológica, a investigação baseada no paradigma processo-produto, a concepção do professor como técnico e a formação de professores por competências são indicadores eloqüentes da amplitude temporal e espacial do modelo de racionalidade técnica (idem, p. 98).

Nesse modelo a formação de professores abrange dois componentes: um

científico-cultural, que deve assegurar o conhecimento do conteúdo a ensinar, e um

componente psicopedagógico, que deve levar a aprendizagem para uma atuação eficaz na sala de aula. Esse último componente tem uma primeira fase referente aos

processos de ensino-aprendizagem com normas e regras para sua aplicação racional, e uma segunda que se presta à aplicação na prática real ou simulada daquelas normas e regras, entendendo-se assim que o docente adquirirá as competências e capacidades necessárias a uma intervenção eficaz (ibidem).

A transmissão do conhecimento como instrumento para a atuação do professor de forma tão regular reduz o processo de sua formação a um período específico e considera que os momentos de formação que sucedem seu preparo inicial devem ser destinados à atualização dos novos conhecimentos técnicos. Ignora, assim, a dinâmica contida na prática profissional e a resolução das situações singulares de seu cotidiano que exige muito mais que um repertório técnico concluído.

Para Schön (2000, p.17), o profissional se depara com problemas que o levam a recorrer a outros conhecimentos técnicos que não constam de seu aporte técnico profissional, considerando que há em sua prática dilemas que exigem conhecimentos que vão além da racionalidade técnica, são os indeterminados, fundados nas incertezas, na singularidade e nos conflitos de valores.

Quando um profissional reconhece uma situação como única, não pode lidar com ela apenas aplicando técnicas derivadas de sua bagagem de conhecimento profissional. E, em situação de conflito de valores, não há fins claros que sejam consistentes em si e que possam guiar a seleção técnica dos meios (ibidem).

O profissional docente, com função social concretizada na interação entre professores e alunos e refletida na cultura e contextos a que pertencem seu trabalho (SACRISTÁN, 1995, p. 66), tem particularidades com conotação valorativa em maiores proporções em relação aos demais profissionais.

(...) o professor intervém num meio ecológico complexo, num cenário psicossocial vivo e mutável, definido pela interação simultânea de múltiplos fatores e condições. Nesse ecossistema o professor

enfrenta problemas de natureza prioritariamente prática, que, quer se refiram a situações individuais de aprendizagem ou a formas de comportamento de grupos, requerem um tratamento singular, na medida em que se encontram fortemente determinados pelas características situacionais do contexto e pela própria história da turma enquanto grupo social (GÓMEZ, 1992, p. 102).

A conseqüência dessa particularidade do trabalho docente para a formação do professor leva a sua compreensão em dois níveis: a do aprender a ensinar que se dá ao longo da carreira docente, na convivência com as situações escolares em sala de aula e seu entorno, e o nível da preparação para começar a ensinar, referente ao processo de aprendizagem para o início do exercício docente (ZEICHNER, 1993, p. 55). Embora se atribua ao primeiro, vivenciado no trabalho cotidiano, a efetivação do jeito peculiar de cada professor atuar, bem como a conferência de uma identidade em permanente mutação, o segundo nível refere-se à formação inicial e oferece instrumentos e prepara o caminho abrindo horizontes para o exercício da docência.

Consideramos que, através de uma formação fundamentada na reflexão, o professor poderá realizar o elo entre os níveis acima citados e as condições para (re)elaborar sua prática pedagógica. A ótica da reflexão aqui pensada não se prende ao aspecto do psicológico individual, passível de ser estudado independente do contexto e das interações, mas entendendo-a como “a imersão consciente do homem no mundo da sua experiência, um mundo carregado de conotações, valores, intercâmbios simbólicos, correspondências afetivas, interesses sociais e cenários políticos” (GÓMEZ, 1992, p. 103).

No documento A prática docente do professor iniciante (páginas 35-39)