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SUSTENTÁVEL

2.4 Especificidades do Nível Local entre os Diferentes Níveis Administrativos

A integração do ambiente e desenvolvimento na prossecução do desenvolvimento sustentável deve ser encarada aos mais diversos níveis e sectores de tomada de decisão. Os níveis global, nacional, regional (inter ou intra nacional) e local, têm sido alvo de definição de estratégias para operacionalizar o desenvolvimento sustentável. Cada nível apresenta as suas especificidades e limitações nas abordagens proporcionadas.

Nível Internacional ou Supra-nacional

A relevância da escala global assenta na existência de recursos comuns condicionantes da vida e de a toda actividade económica, por um lado, e pela necessidade de concertar políticas entre Estados para garantir a definição e implementação de estratégias que protejam o ambiente mundial, por outro. À escala global o conceito e a operacionalização do desenvolvimento sustentável tem estado sobretudo associado ao debate Norte-Sul relativamente à gestão de recursos naturais e aos níveis de desenvolvimento socio-económicos observados nos diversos países desenvolvidos e subdesenvolvidos (Blowers, 1993, 779-780). Os obstáculos à sua prossecução estão sobretudo relacionados com a inevitável confrontação com

políticas nacionais e níveis de desenvolvimento. A Conferência das Nações Unidas de 1992, já referida, constituiu um marco fundamental para o desenvolvimento de estratégias a nível internacional para o desenvolvimento sustentável. Os resultados práticos estão associados aos acordos internacionais, designadamente a Convenção das Alterações Climáticas, os Princípios de Gestão Florestal, e com maior relevância para este trabalho, a Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento, a Convenção da Biodiversidade, e a Agenda 21.

A Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento define um conjunto de princípios básicos sobre o conceito de desenvolvimento sustentável e de compromisso de colaboração das diferentes Nações para a sua prossecução. A Convenção da Biodiversidade estabelece o princípio de gestão e protecção sustentável dos recursos biológicos, propõe a preparação de planos nacionais de conservação e sustentação da biodiversidade e de monitorização do “stock” genético, medidas financeiras e transferência de tecnologia adequada (Grant, 1995, 69). A Agenda 21, talvez o documento que maiores implicações práticas pode exercer, constitui uma síntese de princípios orientadores para o desenvolvimento sustentável e inclui recomendações para uma enorme diversidade de sectores, níveis administrativos, actores e instrumentos de gestão e qualidade do ambiente. A tabela 2.3 sintetiza os principais capítulos da Agenda 21.

Em termos genéricos poderia dizer-se que todas as actividades humanas sobre o ambiente são contempladas neste documento. A suas implicações (directas ou indirectas) sobre o planeamento territorial, por exemplo, são diversas, destacando-se a referência à necessidade de estratégias e de planos para os diferentes níveis e sectores de intervenção, em detrimento do livre funcionamento das ‘forças de mercado’, da necessidade de promover sistemas de planeamento e gestão do território que previnam as crescentes pressões de uso do solo e consequente degradação, que assegurem que o desenvolvimento seja feito sob formas ambiental e socialmente aceitáveis e que garantam o acesso à terra dos grupos mais desfavorecidos (WCED, 1987). Muito embora constitua um verdadeiro programa de acção sobre desenvolvimento sustentável, este documento tem no entanto sido criticado pelo seu carácter generalista e ambíguo, e pela procura de compromissos e consensos entre diversos interesses e nações (ver Whitney, 1994, 68). Também

internacionais não governamentais ligadas a diversos sectores tais como, autoridades locais, grandes áreas metropolitanas, e outras com consequências importantes sobre a gestão ambiental ao nível local.

Tabela 2.3 - Síntese do Conteúdo da Agenda 21 Principais

capítulos Síntese Conteúdo

Dimensões Sociais e Económicas

Refere-se à forma como os problemas ambientais e respectivas soluções são interdependentes dos problemas de pobreza, saúde, comércio, consumo e população

Cooperação internacional, combate à pobreza, alteração de padrões de consumo, dinâmica demográfica, saúde humana, núcleos urbanos, integração do ambiente e desenvolvimento na tomada de decisão Conservação e

Gestão de Recursos

Refere-se à forma como os recursos físicos, terrestres, marítimos, energéticos e os resíduos devem ser geridos para garantir o

desenvolvimento sustentável

Protecção da atmosfera, planeamento e gestão de recursos terrestres, combate à desflorestação, gestão de ecossistemas frágeis, agricultura e desenvolvimento rural, conservação da diversidade biológica, biotecnologia, protecção de oceanos e zonas costeiras, gestão de recursos hídricos, gestão de resíduos

Reforço do Papel dos Principais Actores

Refere-se à forma como os diversos grupos de actores devem cooperar na prossecução do

desenvolvimento sustentável

Acção relativa à mulher, às crianças e à juventude, reforço do papel de grupos indígenas, das organizações não

governamentais, iniciativas das autoridades locais sobre a Agenda 21. Reforço do papel dos agricultores, dos trabalhadores e sindicatos, da indústria e do comércio Instrumentos e

Meios de Implementação

Refere-se aos instrumentos disponíveis, ao

financiamento e ao papel dos diferentes tipos de actividade governamental e não

governamental

Criação de mecanismos e recursos

financeiros, tecnologia inovadora em termos ambientais, ciência para o desenvolvimento sustentável, educação e formação

ambiental, mecanismos nacionais, internacionais de implementação, informação da tomada de decisão

Ainda ao nível supranacional deve também referir-se a política ambiental da Comunidade Europeia e os esforços para a sua horizontalização entre as diversas políticas sectoriais. O 5º Programa de Acção Ambiental, intitulado “Towards Sustainability” de 1992, definiu os princípios e referiu os instrumentos da Comunidade relevantes para a implementação do desenvolvimento sustentável no respectivo território, a todos os níveis e sectores de desenvolvimento, em particular na agricultura, energia, transportes e turismo (ver CE, 1992). Apesar da importância do seu conteúdo este documento, constituindo um instrumento para a adopção da Agenda 21 pelos Estados Membros, assume limitada relevância prática uma vez que

não tem força de lei nem para os Estados membros nem mesmo para o processo de elaboração e implementação de políticas da comunidade (Wilkinson, 1997, 153-155). Nível Nacional

Na sequência do debate internacional sobre desenvolvimento sustentável, muitos países iniciaram a preparação de estratégias de conservação e promoção da qualidade ambiental de acordo com os seus princípios básicos (ver Carew-Reid et al, 1994). As abordagens nacionais, estão relacionadas com a articulação entre os sectores produtivos, e a gestão interna da poluição e recursos naturais. A nível externo está associada à (complexa) adopção de medidas de controlo da poluição transfronteira. Em termos práticos, muito embora as características institucionais e políticas atribuam a este nível potencialidades acrescidas para a implementação do desenvolvimento sustentável, a verdade é que a necessidade de integrar e articular as políticas associadas aos níveis global e local desafiam a sua actuação. Até agora, a definição de estratégias de âmbito nacional relacionadas com o desenvolvimento sustentável têm incidido sobretudo na restruturação das políticas de ambiente (ver Bolan, 1992, 305-307; Blowers, 1993, 776-778), em requerer melhor implementação dos instrumentos disponíveis, e em recomendar a integração da dimensão ambiental nas políticas sectoriais (ver Dovers, 1990, 298-300). As reflexões sobre a implementação de desenvolvimento sustentável ao nível nacional não se têm limitado aos países da Europa Ocidental ou da América do Norte mas estendeu-se também a Austrália (ver Moffatt, 1993), China (ver Wu e Flynn, 1995), Libano (ver Mezler, 1997), Polónia (Bolan, 1992) e muitos outros.

Nível Regional

Ao nível regional as contribuições tendem a estar associadas a regiões como unidades de planeamento isoladas ou ainda a determinados ecossistemas específicos com escala supra-local. Incidem frequentemente sobre a preparação de planos ambientais regionais visando a articulação entre as características e potencialidades naturais e socio-económicas com estratégias de desenvolvimento dos sectores produtivos através do envolvimento e participação de todos os agentes regionais. As contribuições são de natureza genérica (ver por exemplo Welford, 1992, Barkham, 1995) e aplicada à generalidade dos ecossistemas ou incidindo sobre zonas com características específicas e sensíveis do ponto de vista ambiental tais como ilhas (ver

zonas montanhosas (Carpenter e Harper, 1989), etc. Globalmente estas contribuições incidem sobre os princípios da sustentabilidade ambiental em áreas sensíveis, sobre estratégias e instrumentos para a operacionalizar. Hunt (1994) propõe um modelo de avaliação ambiental regional baseado na definição e posterior avaliação de metas de qualidade ambiental. Barkham (1995) debate o significado da gestão dos ecossistemas na prossecução da sustentabilidade ambiental salientando a relevância da manutenção da biodiversidade e dos respectivos habitats e a importância de estruturas administrativas adequadas, salvaguardando, no entanto, que

“the global priority for ecosystem management is (...) to attend with the greatest urgency to the real basic need of ordinary human beings. Until these are met, action to maintain the structure and biodiversity of the biosphere can only be locally effective” (Barkham, 1995, 89).

A abordagem do desenvolvimento sustentável a este nível é, em termos teóricos, particularmente relevante. A razão desta afirmação esta relacionada com os seguintes aspectos:

- os problemas ambientais e as estratégias de resolução deverem ser compreendidos de forma integrada tendo em conta a integridade dos ecossistemas, e

- os ecossistemas não corresponderem necessariamente a fronteiras administrativas e requererem a concertação de intervenções sobre eles.

As contribuições sobre a operacionalização do desenvolvimento sustentável a este nível assumem também particular relevância do ponto de vista técnico, quer através das análises sistemáticas das potencialidades e fragilidades ambientais e das pressões de desenvolvimento, quer ainda através da definição de indicadores, modelos e estratégias de intervenção adequadas às características específicas destas regiões ou ecossistemas. A viabilidade de aplicação, constitui no entanto, o ponto fraco destas contribuições uma vez que grande parte destas áreas não é dotada de estruturas administrativas e políticas próprias, reduzindo as possibilidades de responsabilização e mobilização de recursos operativos.

Nível Local

O envolvimento dos níveis locais nas políticas de ambiente começou por ser marcado por protestos locais contra determinadas usos do solo indesejados ("locally unwanted land uses") e caracterizados pela expressão "not in my backyard". Estes comportamentos reflectem, de acordo com Blowers (1993a, 784-785), uma crescente procura de auto-determinação local, participação e controlo sobre os processos de decisão que afectam a respectiva localidade. Mais recentemente, começa a revelar-se na preparação de Planos Locais de Ambiente como no caso Holandês ou na preparação de Agendas Locais 21 como no caso Inglês (ver Patton et al, 1996). Estas últimas foram influenciadas pelo conteúdo do capítulo 28 da Agenda 21 sobre o papel das autoridades locais. Estes documentos que definem os objectivos locais de desenvolvimento sustentável, as estratégias, os instrumentos e os meios disponíveis. Na sua grande maioria incluem os sectores tradicionais de gestão ambiental - prevenção da poluição do ar e da água, conservação da natureza, gestão de resíduos e eficiência energética. A sua vertente mais relevante reside, no entanto, nos programas de sensibilização da população e dos actores económicos e sociais das localidades bem como na mobilização destes através de parcerias e cooperação na implementação de diversos projectos, visando a protecção e promoção da qualidade ambiental e o desenvolvimento local equilibrado. Segundo O’Riordan e Voisey (1997, 19), as Agendas Locais 21 não constituem apenas programas de acção local, mas sobretudo uma iniciativa

“involving and empowering to create structures which will perpetuate locally responsive action and create a shared vision of the future”

Alguns destes documentos estão no entanto a alargar o seu âmbito de aplicação incluindo a restruturação de instrumentos como é o caso do planeamento, a reformulação de objectivos locais de desenvolvimento ou mesmo a realização de auditorias ambientais às autoridades locais (ver O’Riordan e Voisey, 1997, 20).

Ao discutir o papel do nível local para a operacionalização do desenvolvimento sustentável, Gibbs (1991) defende que

"Sustainable development favours increased local control over development decisions and such "bottom up" development strategies would require devolution of more decision-making authority to the local level". (Gibbs, 1991, 226)

que deveriam resultar de um processo concertado com as políticas ambientais e sectoriais regionais e nacionais, mas garantindo um papel proactivo.

"The compelling need for local authorities is to act as the primary agents for integrating and co-ordinating policy initiatives and to provide a leading role to reduce adverse environmental impacts and enhance positive ones. However, environmental initiatives which stem solely from local authorities, whether they are within individual departments or are coordinated initiatives, are not enough. These are simply essential elements of broader local and regional initiatives designed to enhance environmental quality, working across all sectors - with business, with community groups and with central government departments (Gibbs, 1991, 233).

Para facilitar a operacionalização do desenvolvimento sustentável ao nível local Gibbs sugere um conjunto de iniciativas que se distinguem em três grupos (233-237):

a) iniciativas que podem ser tomadas por autoridades locais designadamente, sobre as suas decisões e sobre o seu modo de funcionamento (envolvendo a avaliação de impacte ambiental e monitorização de todas as grandes decisões de desenvolvimento internas ou externas realizadas, bem como a definição de novas políticas locais de protecção e promoção ambiental).

b) iniciativas dirigidas à economia local e incidindo sobre estratégias existentes (desenvolvimento de parques de tecnologia ambiental, desenvolvimento de políticas para atrair investimento e mão de obra com base numa imagem de elevada qualidade de vida, planeamento de infraestruturas e planeamento ambiental, auditorias ambientais, desenvolvimento de iniciativas de apoio e incentivos a empresas consideradas ambientalmente benignas).

c) participação em iniciativas de âmbito mais vasto e envolvendo os outros níveis administrativos (desenvolvimento de diferentes modelos económicos para as economias locais, maior transparência e responsabilização nas decisões do nível local, nomeadamente no que respeita a decisões de desenvolvimento).