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CAPÍTULO 2 O FEMINISMO NAS FALAS DE ABERTURA DA I CONFERÊNCIA

2.1 ESPETÁCULOS, HOMENAGENS E APROVAÇÃO DO REGULAMENTO

A Abertura da I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (I CNPM) foi realizada no dia 15 de julho de 2004, em uma quinta-feira. Esse evento, assim como o processo de realização da I Conferência, superou as expectativas em números de participantes, compareceram cerca de 1.787 delegadas(os) e mais de 700 observadoras (es) e convidadas(os) de todas as unidades da federação e também de alguns países da América Latina e Caribe (BRASIL, 2004a).

A mesa de Abertura contou com o nove representantes governamentais, a saber: Luiz Inácio Lula da Silva (Presidente da República), Nilcéa Freire (Ministra de Estado da Secretaria de Políticas para as Mulheres), Marisa Letícia Lula da Silva (Primeira-dama),

Dilma Rousseff (Ministra de Estado de Minas e Energia), Marina Silva (Ministra de Estado do Meio Ambiente), Matilde Ribeiro (Ministra de Estado da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), Senadora Serys Slhessarenko (Presidenta da Comissão Especial do Ano da Mulher no Senado Federal), Deputada Federal Jandira Feghali (Presidenta da Comissão Especial do Ano da Mulher na Câmara dos Deputados) e Nilza Irari (Representante do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher). A presença desses agentes denota a importância do governo e de seus representantes na Abertura da I CNPM. Fica explícito nesse momento os agentes que legitimam o evento e com os quais os movimentos feministas e de mulheres, ali presentes, dialogarão na proposição de políticas públicas para as mulheres.

A programação teve início às 8h30 com a apresentação do elenco “Os Curingas” do Centro de Teatro do Oprimido(TO)42, com o teatro-fórum43 “Coisas do Gênero”. A Abertura

teve como mestre de cerimônia Zezé Motta que é uma atriz e cantora, uma das mais importantes artistas negras do Brasil, por interpretar papéis que colaboraram para que o protagonismo das mulheres negras no teatro brasileiro fosse evidenciado positivamente. Além disso, ela encorajou a realização de discussões sobre o papel dos negros na teledramaturgia. Já o TO consiste em uma metodologia teatral criada por Augusto Boal44 nos anos 1960, que

depois de exilado pelo regime militar se dedicou a pesquisar e conceber formas teatrais que pudessem ser utilizadas para pessoas caracterizadas como oprimidas. Boal pretendeu utilizar o teatro como instrumento de trabalho político, social, ético e estético, cooperando para a

42 Os principais objetivos do Teatro do Oprimido são a democratização dos meios de produção teatral, o acesso

das classes sociais menos favorecidas – restituindo o seu direito à palavra – e a transformação da realidade por meio do diálogo – assim como Paulo Freire pensou a Educação – e do teatro. Concomitantemente, ofereceu toda uma nova técnica para a preparação do ator. Partindo da encenação de uma situação real, o TO procura estimular a troca de experiências entre atores e espectadores, por meio da intervenção direta da ação teatral, objetivando a análise e a compreensão da estrutura representada e a investigação de ferramentas concretas para ações efetivas que provoquem a transformação daquela realidade. Basicamente, o TO se baseia no princípio de que o ato de transformar é transformador. Segundo Boal: “Aquele que transforma as palavras em versos transforma-se em poeta; aquele que transforma o barro em estátua transforma-se em escultor; ao transformar as relações sociais e humanas apresentadas em uma cena de teatro, transforma-se em cidadão” (Trecho do filme Augusto Boal e o Teatro do Oprimido)

43“A dramaturgia simultânea era uma espécie de tradução feita por artistas sobre os problemas vividos pelo

povo. Até o dia em que uma mulher, no Peru, não aceitou a tradução e ousou subir ao palco para dizer com sua voz e através de seu corpo qual seria a alternativa para o problema encenado. Aí nasceu o Teatro-Fórum, onde a barreira entre palco e plateia é destruída e o Diálogo implementado. Produz-se uma encenação baseada em fatos reais, na qual personagens oprimidos e opressores entram em conflito, de forma clara e objetiva, na defesa de seus desejos e interesses. No confronto, o oprimido fracassa e o público é estimulado, pelo Curinga (o facilitador do Teatro do Oprimido), a entrar em cena, substituir o protagonista (o oprimido) e buscar alternativas para o problema encenado”. Disponível em: < http://ctorio.org.br/novosite/arvore-do-to/teatro-forum/> Acesso em: 10 Mai. 2016.

44 Augusto Boal nasceu em 1931 no Rio de Janeiro e faleceu nesta mesma cidade em 2009. Primeiramente,

tornou-se engenheiro químico e, posteriormente, tornou-se tetatrólogo, diretor, dramaturgo, ensaísta e, essencialmente, criador do Teatro do Oprimido. Ainda foi professor na New York University, na Harvard University e na Université de La Sorbonne-Nouvelle.

transformação social. Cada uma das técnicas do TO refere-se a uma resposta encontrada por Boal e pelos atores-colaboradores para realizar uma transformação por meio da arte, tal fato justifica a apresentação do teatro-fórum “Coisas do Gênero” na abertura da I CNPM.

Este espetáculo foi realizado em uma linguagem, exclusivamente, não verbal e com um repertório musical inédito, onde apresentou a história de uma mulher que desde o seu nascimento até a maturidade lutou para ser reconhecida em casa e no trabalho. Tal peça discutiu a relação entre gêneros, onde a mulher para sair da situação de oprimida precisaria conquistar seu espaço próprio, respeito e independência. O espetáculo contou com a direção geral de Helen Sgrapeck e com a direção musical de Roni Valk45.

Esse espetáculo, desde a abertura com a dança dos Orixás, uma saudação à Mãe Terra, que representou uma celebração ao feminino e ao masculino na criação da vida, objetivou introduzir a discussão sobre seres que nascem do mesmo ventre, mas são separados pela ação da sociedade que os transforma em “Mulher” e em “Homem”. Pode-se perceber que, ao longo do espetáculo, o processo do crescimento, descoberta e explosão da paixão são incorporados/enquadrados no ritual do casamento que, consequentemente, constrói a família e a vida doméstica, essencialmente, desgastante. Assim, a mulher, agora, esposa, passa a procurar atividade profissional fora do lar e começa a vivenciar a pressão da dupla jornada de trabalho – “sua vida se torna um tormento”46. Ela tenta sair dessa situação, mas não consegue.

Precisa então, da ajuda dos espectadores que são convidados a entrar na peça, para em seu lugar tentar sair da opressão.

Além da apresentação teatral ocorreram, na Abertura da I Conferência, o show da cantora Margareth Menezes47 e uma solenidade de homenagens a quatorze mulheres, tidas

como relevantes para a história e as lutas das mulheres brasileiras. Esta homenagem ocorreu por meio da leitura de um texto48, pela mesa de abertura, que procurou ilustrar a diversidade

45 O roteiro deste espetáculo encontra-se na publicação da SPM intitulada de Ano da Mulher no Brasil - I

Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres. (BRASIL, 2004b, p.239).

46 Disponível em < https://carlosscomazzon.wordpress.com/2009/10/07/centro-de-teatro-do-oprimido-promove-

coisas-do-genero/>Acesso em 30 Jan. 2016.

47 Margareth Menezes nasceu em Salvador, Bahia, em 1962. É uma cantora, compositora, produtora e atriz

brasileira. É referência da música negra no Brasil e lidera o movimento “Afropop Brasileiro”, que objetiva preservar e promover a cultura afro-brasileira. Ela criou a “Fábrica Cultural”, uma organização não governamental que ajuda crianças e adolescentes carentes. Conquistou, ainda, 02 (dois) troféus Caymmi, 02 (dois) troféus Imprensa, 04 (quatro) troféus Dodô e Osmar, e também foi indicada para o Grammy Awards e Grammy Latino. Foi considerada pelo jornal estadunidense Los Angeles Times como a “Aretha Franklin brasileira”. Além disso, todos os anos, a cantora leva seu trio elétrico, um dos mais tradicionais, às ruas de Salvador no carnaval.

48Este texto foi intitulado de “Homenagem às Mulheres Brasileiras” e pode ser encontrado na parte final dos

de trabalhos e de esforços que estas brasileiras homenageadas empenharam ao longo de suas carreiras para a melhoria de toda a sociedade49.

Um vídeo50 produzido, também, em homenagem às mulheres que lutaram de alguma

forma pelos direitos das mulheres foi exibido em grande tela para o público da I Conferência. Com duração de 13:35 minutos mostrou imagens e mencionou mulheres que aderiram a luta em prol da equidade entre mulheres e homens e que colaboraram, de alguma forma, no combate a preconceitos e estereótipos que acometem as mulheres51.

Esse momento de abertura deixa claro sua característica de reconhecimento e valorização da diversidade das mulheres brasileiras, sejam elas negras, indígenas, cientistas, acadêmicas etc. Já a homenagem realizada confere fundamento histórico e uma identidade à I CNPM, ressaltando, com isso as lutas empreendidas historicamente por diferentes mulheres no Brasil. Dentre as homenageadas podemos notar a presença também de mulheres que se autodenominavam “feministas” como: Gracíliana Selestino Wakanã, Zuleika Alambert, Rose Marie Muraro e Heloneida Studart. Desse modo, as feministas, ao lado de mulheres de outros movimentos e grupos, são homenageadas e rememoradas, nesse momento de Abertura da I Conferência, o que denota a consideração aos movimentos feministas como parte das lutas pelos direitos das mulheres até o presente. Não se trata de uma luta exclusiva dos feminismos,

49 Dentre elas, oito estavam presentes à cerimônia de Abertura, são elas: Lenira Maria de Carvalho (alagoana e

fundadora da Associação das Empregadas Domésticas), Raimunda Gomes da Silva (maranhense, conhecida como Raimunda dos Cocos, criou a Federação Interestadual das Quebradeiras de Coco e a Associação das Quebradeiras de Coco), Graciliana Selestino Wakanâ (do povo indígena Xucuru-Kariri, uma das mais atuantes líderes do movimento em defesa dos povos indígenas); Zuleika Alambert (escritora, feminista e ativista política e fundadora do Grupo de Mulheres Brasileiras em Paris), Benedita da Silva (a primeira senadora negra no Brasil, eleita vereadora, deputada federal, senadora, vice-governadora e governadora do Estado do Rio de Janeiro), Heleieth Saffioti (socióloga, professora, pesquisadora e primeira teórica brasileira a tratar da questão da violência contra as mulheres), Clara Charf (viúva de Carlos Mariguella que viveu exilada em Cuba por nove anos, e é hoje membro do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e coordenadora do Comitê Brasileiro 1000 Mulheres para o Prêmio Nobel da Paz de 2005), e, Enid Backes (socióloga, militante do Movimento Feminino pela Anistia e fundadora da primeira Coordenadoria da Mulher no Rio Grande) (BRASIL, 2004b, p. 231). As outras seis homenageadas que não estivam presentes na solenidade de Abertura da Conferência, são elas: Rose Marie Muraro (escritora e uma das pioneiras do movimento feminista no Brasil, formada em Física e Economia e uma das mais brilhantes intelectuais do nosso tempo), Heloneida Studart (escritora e feminista, foi deputada estadual em 1978 pelo antigo MDB e fundadora do Centro da Mulher Brasileira), Elizabete Teixeira (líder das Ligas Camponesas), Ruth de Souza (atriz brasileira), Ana Montenegro (uma das fundadoras do Partido Comunista no Brasil); e a Mãe Estela de Oxossi (ialorixá e herdeira do axé do candomblé Axé Opô Afonjá) (BRASIL, 2004b, p. 231).

50 OBSERVATÓRIO DA MULHER. Mulheres do Brasil, Presente!. Disponível em

: <https://www.youtube.com/watch?v=s_95rDEQjpA. > Acesso em: 30 Jan. 2016.

51 As mulheres apresentadas no vídeo são: Benedita da Silva, Heloneida Studart, Clara Charf, Heleieth Saffioth,

Almeida (primeira eleitora brasileira), Ana Montenegro, Rose Maria Muraro, Raimunda dos Cocos, Zuleika Alambert, Elizabeth Teixeira, Graciliana Wakanã, Lenira Maria de Carvalho, Enid Backes, Ângela Borba, Antonieta de Barros, Beatriz Nascimento, Bertha Lutz, Beth Lobo, Carmem da Silva, Carmem Portinho, Carolina Maria de Jesus, Cida Kopcak, Clementina de Jesus, Cora Coralina, Eliane de Grammont, Helenina Resende, Lélia Abramo, Lélia Gonzalez, Márcia Dangremont, Margarida Alves, Marta, Miriam Botassi, Nise da Silveira, Nísia Floresta, Olga Benário, Patrícia Galvão (Pagu), Regina Stella, Rosely Roth, Rosinha do Cim, Trindade, Vânia Araújo, Wilma Lessa e Zuzu Angel.

mas várias outras mulheres cujas lutas são também marcadas, não só por questões de gênero, mas também de raça, classe, étnica, religião, orientação sexual, região, dentre outras.

Assim a I CNPM parece se abrir no reconhecimento, inclusão, diálogo e interação entre mulheres de diversas perspectivas e experiências políticas. Desse modo, pode-se perceber o lugar e a importância histórica do feminismo na I CNPM. Fica claro que o feminismo se configura como uma das perspectivas ali presentes, ou seja, não é a única, mas se coloca junto a outras interessadas nas políticas públicas para as mulheres. Essa concepção está em sintonia também com os acordos gerais (BRASIL, 2004a, p. 103) que irão aparecer na plenária final da I Conferência, onde se estabelece o uso do termo “movimentos de mulheres e feministas” nas resoluções aprovadas.

A Plenária de Abertura, também, teve como função aprovar o Regulamento Interno da I CNPM e deliberar sobre eventuais recursos. Nesse sentido, trata-se de um espaço cujas falas e participações são produzidas dentro de um contexto normatizado. A aprovação do Regulamento Interno foi realizada das 14h às 15h30, sendo a última ação realizada no evento de abertura. Esse Regulamento Interno teve por finalidade definir as normas de funcionamento da I Conferência. Nesta Plenária participaram: “a) as(os) delegadas(os), com direito a voz e voto; b) as(os) convidadas(os) com direito a voz; e, c) as(os) observadoras(es)” (CNPM, 2004g, p. 149). Esta sessão da Plenária foi coordenada por uma mesa constituída por integrantes da Comissão Organizadora e por pessoas por ela indicadas, coube à mesa: “a) informar ao plenário o número de delegadas(os), convidadas(os) e observadoras(es) inscritas(os) na Conferência; b) encaminhar para aprovação o Regulamento Interno da Conferência; c) conduzir os trabalhos das plenárias” (CNPM, 2004g, 2004, p. 150). Essa mesa foi composta por: Maria Laura Sales Pinheiro (Secretária Adjunta da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres/SPM), Marlise Fernandes (Subsecretária de Articulação Institucional da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres/SPM), Schuma Schumaher (Representante da Articulação Brasileira de Mulheres e integrante do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres/CNDM), Maria Ednalva Bezerra Lima (Representante da Central Única dos Trabalhadores e componente do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres/ CNDM), Eline Jonas (Representante da Central Única dos Trabalhadores e Componente do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres/CNDM), Mari Machado (Representante Governamental do Ministério de Ciência e Tecnologia/MCT) e Liège Rocha (Gerente de Projetos da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres/SPM).

Ainda, na Abertura da I Conferência, às 9h30, discursaram Nilza Iraci (Representante do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher/CNDM), Nilcéa Freire (Ministra da Secretaria

Especial de Políticas para as Mulheres/SPM) e o então presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva. Estes sujeitos de fala trataram das expectativas do governo em relação à I Conferência. A seguir apresento uma análise das falas proferidas nessa Abertura por esses representantes do governo federal.