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CAPÍTULO 4 O FEMINISMO NAS PROPOSTAS DE CONSTRUÇÃO DO PLANO

4.1 PAINEL 2: OBJETIVOS E SUJEITOS DE FALA

O Painel 2 da I CNPM teve como objetivo apresentar sugestões, princípios e propostas de diretrizes para integrar a construção do I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (I PNPM). Considerando proposições do plano plurianual e incorporando programas ministeriais específicos, além de proposições arroladas em outros documentos nacionais e internacionais e por alguns movimentos feministas e de mulheres, este Painel apresentou um elenco de diretrizes e de debates a partir dos cinco eixos temáticos trabalhados na I Conferência pelos grupos de trabalho que mencionamos no capítulo 1 dessa dissertação. Nesse Painel, as discussões realizadas para a construção do I PNPM apresentaram, ao mesmo tempo, uma perspectiva propositiva e operativa. Ou seja, propositiva por apresentar em seu conteúdo de falas diversas propostas que representariam, caso aderidas, ganhos para os grupos sociais interessados e, também, operativa por possuir um potencial de produzir efeitos na sociedade, principalmente em longo prazo.

O Painel foi coordenado por Mara Vidal (Secretária de Estado da Mulher do Governo do Acre) e contou com cinco palestrantes, que expuseram seus discursos na seguinte ordem: Dirce Veron (Representante do Conselho Nacional das Mulheres Indígenas no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher/CNDM), Maria Betânia Ávila (Coordenadora Geral do, Instituto Feminista para a Democracia/SOS Corpo e da Articulação de Mulheres

Brasileiras/AMB), Matilde Ribeiro (Ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República/SEPPIR), Nalu Faria (Coordenação da Marcha Mundial de Mulheres/MMM), Maria Laura Sales Pinheiro (Secretária Adjunta da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República/SPM). Assim como no Painel 1, cada palestra teve uma duração média de vinte minutos.

Dentre as palestrantes desse Painel, observa-se que apenas Dirce Veron não fez menção alguma ao termo “feminismo(s)” e “feminista(s)”. Sua fala, de modo geral, ressalta a busca pelo reconhecimento do lugar da mulher indígena no âmbito social, nas tomadas de decisões e, também, nos processos de demarcações de terras, ressaltando a importância da participação e presença de representantes indígenas na I Conferência. Assim, diz a palestrante:

Quero dizer que nós estamos mesmo audaciosas, nós estamos com muita ousadia mesmo, nós saímos de trás do cocar, agora nós estamos ao lado dos nossos caciques, o que nossos caciques ainda não fizeram nós estamos buscando agora. O que eles não fizeram, o que até agora eles não encontraram o meio, nós mulheres vamos encontrar, porque nós somos, ao lado das mulheres negras, as mais sofridas do Brasil (BRASIL, 2004a, p. 77).

Dirce Veron é bacharel em Direito e aluna de Ciências Sociais e Humanas na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). Envolveu-se na militância em defesa dos Kaiowá-Guarani, principalmente depois do assassinato de seu pai, Ava Taperendy (Marcos Veron), um funcionário público aposentado que abraçou a luta pela demarcação das terras indígenas, se juntando às demais lideranças indígenas para reaver as regiões tomadas71.

O crime ocorreu em 13 de janeiro de 2003, em uma emboscada que segundo Veron teve a participação de mais de vinte homens. No entanto, somente três foram formalmente acusados e levados a júri popular em 2011. Esses foram considerados culpados, condenados a 12 anos e 3 meses de reclusão, pena que cumprem em liberdade por terem passado 4 anos presos antes do julgamento. “É o que prevê a lei”72, comentou Dirce em uma entrevista sobre o caso.

Em vista dessa vivência, Veron, também, ressaltou em sua fala, a necessidade de se respeitar o jeito de viver e a diversidade étnica das mulheres indígenas, para que diminuam as situações constrangedoras e preconceituosas em suas experiências diárias. Ela ressaltou também a necessidade de as mulheres indígenas continuarem participando de espaços de poder, elaborando seus próprios documentos para que os indígenas, de modo geral, tenham

71 Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/noticias?id=112847> Acesso em 06 Set. 2016. 72 Disponível em: < http://pib.socioambiental.org/pt/noticias?id=112847> Acesso em 06 Set. 2016.

suas culturas e modos de vida respeitados. Ao final de sua fala, indicou diretrizes e ações contidas em um documento elaborado pelas mulheres indígenas para a incorporação ao conjunto das propostas apresentadas no processo de construção do I PNPM. Assim, propôs:

Políticas afirmativas que visam incluir as mulheres índias no enfrentamento a pobreza, geração de renda, trabalho, acesso ao crédito e a terra, humanização da atenção e a saúde da mulher índia com atendimento diferenciado, inclusão de uma área temática específica para as mulheres índias dentro da Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres e da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, e quando houver essa inclusão que esteja a índia lá dentro participando. Garantia da educação escolar para as mulheres índias nos três níveis, fundamental, médio e superior. Punição em forma de lei específica para qualquer tipo de discriminação à mulher índia (BRASIL, 2004a, p. 79).

Dirce Veron traz propostas diferentes, marcadas pelos interesses coletivos indígenas e pela necessidade de as mulheres indígenas conquistarem espaços dentro das instituições que representam o interesse político das mulheres, como a SPM. A ausência do termo “feminismo(s)” e/ou “feminista(s)” em sua fala tem relação com o distanciamento dos movimentos de mulheres indígenas em relação aos movimentos feministas urbanos e de classe média, cujas pautas não levam em consideração as demandas específicas de mulheres indígenas que são mais coletivas, não só contra o patriarcado e o machismo, mas também contra o preconceito e a discriminação étnica e social dos índios no Brasil. A falta de sensibilidade cultural frente aos seus problemas específicos e concepções de mundo dificultou muitas vezes o diálogo entre estes movimentos (CASTILLO, 2014). No entanto, a I CNPM revela um esforço importante no diálogo entre estes movimentos para a construção de propostas políticas que contemplem a diversidade das mulheres.

Já na fala de Maria Betânia Ávila, o termo “feminista(s)” aparece duas vezes, porém apenas uma vez em um enunciado que comporta com sentido e significado para análise. Na fala de Matilde Ribeiro aparece três vezes, na de Maria Laura Sales Pinheiro o termo aparece duas vezes e na de Nalu Faria o termo “feminismo(s)” aparece duas vezes. Tais práticas discursivas, de forma dialógica, evidenciam o modo como o feminismo é evocado e/ou associado às propostas de diretrizes para a construção de um plano nacional de políticas públicas para as mulheres, já que se trata de uma situação discursiva cujo objetivo é propor orientações, normas e ações políticas.

4.2 MARIA BETÂNIA ÁVILA: A TRANSFORMAÇÃO DO ESTADO EM UMA