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CAPÍTULO 1 AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DA I CONFERÊNCIA

1.4 PERFIL DAS DELEGADAS

As delegadas participantes da I CNPM foram fundamentais para que o objetivo de propor diretrizes para o I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (I PNPM) fosse alcançado, pois tinham por função aprovar, suprimir, mudar ou incluir diretrizes provenientes dos relatórios das etapas preliminares. Tendo em vista esse relevante papel das delegadas, a SPM e o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) firmaram um convênio em 1 de julho de 2004 para execução de uma pesquisa (BRASIL, 2005) com o objetivo de traçar o perfil das delegadas que participaram da I Conferência. Essa pesquisa resultou em um relatório final, publicado no ano de 2005 sob o título “I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres – Perfil das delegadas e perspectivas de atuação”. Esse relatório contribuiu para uma melhor compreensão dos arranjos políticos-institucionais instaurados por meio da

identificação do perfil das delegadas que participaram da I CNPM. Além disso, tal relatório traz uma avaliação do processo de construção e de realização da I Conferência, além de um destaque às possibilidades de efetivação das resoluções aprovadas nesse evento.

O processo de estruturação da I CNPM mobilizou uma vasta rede social constituída por técnicos governamentais, gestores e mediadores de políticas públicas, militantes dos movimentos feministas e de mulheres, representantes de ONGs, lideranças comunitárias, trabalhadoras rurais e urbanas etc. A implementação de políticas públicas construídas sob a ótica de uma gestão democrática e popular solicita o esforço de diálogo e escuta juntamente aos inúmeros segmentos da sociedade civil e governamentais que pretendem construir uma sociedade marcada por relações de gênero igualitárias. A concepção do I PNPM, resultante dos trabalhos da I CNPM, consistiu em um instrumento de políticas públicas que forneceu subsídios para as três esferas de governo no que diz respeito ao planejamento, à implementação e ao monitoramento de projetos, programas e ações direcionais a redução das desigualdades de gênero no país.

A pesquisa sobre o perfil das delegadas da I CNPM foi organizada a partir de um questionário no qual suas respostas foram sistematizadas. O painel de amostra final foi composto por 900 delegadas, “o que significa 50% do total das(os) delegadas(os) que efetivamente compareceram ao evento” (BRASIL, 2005, p. 08) (Figura 1, p. 64). O número alcançado foi considerado mais que suficiente para este estudo quantitativo, já que as informações apresentaram a qualidade necessária (Figura 2, p. 65). Essa pesquisa é, também, “fruto complementar do trabalho de supervisão dos questionários, evitando-se assim a perda de informações para a construção do Banco de Dados” (BRASIL, 2005, p. 08).

O Quadro134 (p. 63) apresenta uma comparação entre o número previsto de

delegadas(os), das(os) que responderam à pesquisa, e o painel de amostras mínimo calculado em 30%, por UF. Como o Governo Federal tinha uma cota em separado, assim entrou no painel de amostra (BRASIL, 2005, 16).

Quadro 1: Distribuição das(os) delegadas(os) previstas(os) que responderam à pesquisa e do painel de amostra mínimo por UF

Figura 2: Distribuição dos municípios representados na Conferência no total de municípios da região e dos país e distribuição das pessoas que responderam ao questionário por município de origem

A metodologia utilizada na pesquisa foi a quantitativa, tendo como instrumento de coleta de dados o questionário que respondido pelas delegadas. Tendo em vista esse procedimento, o universo da pesquisa constituiu-se em 1.993 delegadas, cujo comparecimento à I CNPM estava previsto de acordo com o regimento interno da I Conferência. Entretanto, apenas 48% das delegadas devolveram a ficha35 preenchida dentro do prazo previsto. Por esse

motivo, na pesquisa, optou-se por tomar como referência o número de delegadas previsto no regimento. Tinha-se como intenção atingir um painel de amostras de, no mínimo, 30% do total de participantes, respeitando a distribuição de cada uma por Unidade da Federação (UF). O monitoramento dos questionários preenchidos só deixou de ser realizado após o cumprimento dessa meta que, como foi dito, foi ultrapassada com “folga”.

35 As fichas previamente respondidas foram as das delegações dos seguintes Estados: Amazonas, Amapá,

Tocantins, Paraíba, Sergipe, Piauí, Alagoas, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e a delegação do Governo Federal (BRASIL, 2005, p. 11).

Contudo, tem-se razões para acreditar que a amostra é ainda mais ampla do que se demonstra aqui, uma vez que o número de delegadas(os) que efetivamente compareceu é distinto do previsto, aqui tomado como base. O número total de pessoas que estiveram na I Conferência foi de 1.785 e não de 1.993, segundo informações posteriormente fornecidas pela SPM (BRASIL, 2005, p. 18).

O Quadro 2 (p. 66) permite corroborar o ótimo nível de representatividade obtido pela pesquisa, como também observar o sentido assumido pela autosseleção. No entanto, há que levar em consideração que o parâmetro de comparação está sendo o número e a distribuição previstos no Regimento Interno da I Conferência e não a lista das pessoas que de fato compareceram à I CNPM, para as quais somente o número total é conhecido: 1.785 (BRASIL, 2005). Assim, pode ter havido variações entre o número de representantes previsto por UF/região e o número que de fato esteve presente à conferência.

Quadro 2: Distribuição percentual das delegações previstas para a Conferência e das que responderam à pesquisa segundo região geográfica e/ou administrativa da representação

O questionário foi composto, basicamente, por perguntas fechadas, totalizando 114 variáveis divididas em quatro conjuntos temáticos e, ainda, um espaço, ao final, para o registro de quaisquer opiniões e impressões. Como foi indicado no relatório final da pesquisa:

 Perfil socioeconômico das(os) participantes: constituindo-se das variáveis de praxe (sexo, idade, naturalidade, posição na família, instrução condição de atividade, religião etc.);

 Avaliação do processo que antecedeu à Conferência e da realização propriamente dita do evento;

 Expectativas quanto à efetividade das proposições da Conferência: relativas à elaboração do Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres e às condições concretas de execução das políticas propostas pelo encontro cm fruto do processo nacional que o antecedeu (BRASIL, 2005, p. 14).

Quanto à distribuição por sexo, registrou-se que 99% das pessoas que responderam à pesquisa, sobre o perfil das(os) delegadas(os), eram mulheres, sendo apenas sete homens, possivelmente em número proporcional à presença na I CNPM na condição de delegados36:

“um na delegação do Governo Federal, dois nas delegações dos Governos Estaduais, um nas delegações dos Governos Municipais, e três nas delegações da Sociedade Civil” (BRASIL, 2005, p. 21) (Figura 3, p. 67 - 68).

Figura 3: Distribuição das pessoas que responderam ao questionário por características sócio demográficas

36 “Havia homens participando também na condição de observadores, de convidados e de pessoa de apoio”

A idade média das entrevistadas era de 42,77 anos, “praticamente igual à da mediana (43 anos) ” (BRASIL, 2005, p. 21). Segundo a cor ou raça, a distribuição concentrou-se nas pessoas que se declararam brancas (45%), seguidas pelas pardas (30%) e, por último, as negras (que corresponderam a 20%); no entanto, se considerarmos a soma37 das entrevistadas

que se declararam pardas e negras, observa-se que ocorre um predomínio dessas sobre as brancas. O restante da distribuição corresponde às pessoas que se declararam indígenas, amarelas e às que não responderam ao critério cor (2% de cada). Quanto à religião, houve

37“Vale lembrar que a investigação da cor na pesquisa foi feita segundo o critério clássico de autodeclaração,

adotado pelos Censos Demográficos brasileiros e também que, como já foi insistentemente repetido na avaliação destes Censos, a existência de preconceito social promove um branqueamento da população. Contudo, considerando-se constituírem as(os) entrevistadas(os) um grupo politizado e, em grande parte, com escolaridade e renda média elevadas, e havendo alta correlação entre cor branca e melhores condições socioeconômicas, não há que questionar a alta proporção de brancos no grupo, ao lado de significativa parcela que se declarou não branca: mais da metade: (BRASIL, 2005, p. 22).

entre as entrevistadas uma forte predominância das que se declararam católicas (62%), seguidas das protestantes (11%) e das espíritas (9%) e também das que se declararam não possuir religião (11%)38.

Em relação à escolaridade, a maior parte das delegadas declaram possuir curso superior, o que correspondia a 47% das delegadas. A quantidade de delegadas que declarou possuir mestrado e doutorado superou a quantidade das que afirmaram possuir o segundo grau completo, respectivamente 9% e 7% (Figura 4, p. 69).

Figura 4: Distribuição das(os) delegadas(os) que responderam à pesquisa, segundo o tipo do curso superior que concluíram

A compreensão da composição familiar das entrevistadas foi possibilitada através do conhecimento do estado conjugal, da posição ocupada na família e do número de filhos. Houve predomínio de delegadas em união estável (legal 36% e consensual 13%)39, seguidas

38 Essas são “bastante atípicas se considerada a população feminina brasileira em geral onde somente 6%

admitem não professar qualquer religião” (BRASIL, 2005, p. 22-23).

39 “Vale notar que o conceito de estado conjugal diz respeito à situação de fato das pessoas e não de direito e,

por solteiras (27%), separadas, desquitadas ou divorciadas (19%) e, por fim, viúvas (4%). Quanto à posição familiar das entrevistadas, houve um grande percentual (52%) que se declararam “chefes” ou “a pessoa de referência” no âmbito familiar; esse alto valor dá margem para algumas reflexões sobre mudanças nos papéis tradicionais de gênero, assim como as respostas dadas na alternativa “outro”, entre as quais predominaram a afirmação de que “na sua família há divisão total das responsabilidades entre os parceiros” (BRASIL, 2005, p. 26). Por fim, é significativa a quantidade de delegadas que declarou não possuir filhos, porém entre as delegadas que declararam possuir filhos a média é baixa, de 1,92 crianças40

(Figura 5, p. 70).

Figura 5: Distribuição das pessoas que responderam ao questionário por características da sua situação familiar

Quanto à inserção no mercado de trabalho, a maioria das entrevistadas (80%) declarou estar empregadas no momento da I Conferência e, somente, 9% se declararam aposentadas.

feminina, vive sem um(a) parceiro(a) estável. Na população feminina brasileira como um todo, esta proporção é de 52% do total das mulheres de 10 anos e mais e seria muito menor se restringisse a base de cálculo às mulheres de 19 anos e mais (BRASIL, 2005. p. 25).

40 “É possível inferir que as mulheres presentes à Conferência apresentam um padrão distinto da população

Houve predominância de funcionárias públicas (52%), seguidas de empregadas com ou sem carteira assinada (respectivamente, 17% e 11%) (Figura 6, p. 71 - 72). Os resultados da pesquisa mostraram que a participação por classes de salários mínimos foi bastante equilibrada, com reduzida participação de pessoas com rendimentos muito baixos (menores que 1 salário mínimo), e com significativa participação de mulheres com rendimentos salariais mais altos (acima de 10 salários mínimos)41 (Figura 7, p. 72).

Figura 6: Distribuição das pessoas que responderam ao questionário por características da sua atuação no mercado de trabalho

41“O valor médio fica em R$1819,83, e o mediano em R$1250,00, o valor mínimo é zero (19 pessoas) e o

máximo de R$ 38.268,00 (valor conferido e confirmado pela única respondente que declarou este valor, uma pequena empregadora do setor serviços)” (BRASIL, 2005, p. 28).

Figura 7: Distribuição das pessoas que responderam à pesquisa, segundo indicadores de instrução e rendimento

Chama atenção a grande presença de delegadas da sociedade civil (57%), corroborando, portanto, a estimativa inicial prevista no regimento interno da I CNPM de que o evento seria realizado com 60% de representantes da sociedade civil e 40% dos governos; seguiu-se, em ordem decrescente, as delegações municipais, estaduais e federais. Tal disposição aponta para a consecução do objetivo de construir a I Conferência a partir das bases.

Do ponto de vista da atuação política, a pesquisa mostrou o tipo de participação das delegadas, destacando-se os movimentos sociais em geral (55%), os partidos políticos (49%), as ONGs (34%) e as organizações governamentais (31%), como os principais locus de atuação política (Figura 8, p. 74). Mesmo que não tenha sido muito claramente formulado em termos de sua distinção com a pergunta anterior, o levantamento das organizações onde as delegadas atuam destaca, bem à frente das demais, o movimento de mulheres (58%), seguido pelo movimento popular, movimento feminista e o movimento sindical (com porcentagens entre 21% e 30%).

Figura 8: Distribuição das pessoas que responderam ao questionário por características de atuação política e de representação na I CNPM

Essas informações gerais expostas na segunda parte da pesquisa permitiram afirmar que as delegadas que participaram da I CNPM eram, em sua maioria, mulheres de mais idade,

escolarizadas em nível universitário, com altos rendimentos salariais e com menor número de filhos, comparado à média nacional para as mulheres. Tais elementos permitiram a essas mulheres uma maior mobilização e melhores condições de acesso para integrar a rede social que foi estabelecida a partir dos processos municipais e estaduais que possibilitaram participação na I Conferência, assim como permitiram discutir a representação das mulheres neste evento.

Esta representativa feminina se deu ao longo do primeiro governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi eleito no ano de 2002 com mais de 58 milhões de votos e exerceu o mandato, primeiramente, nos anos de 2003 a 2006. Esse governo caracterizou-se pala estabilidade econômica, favorecendo o investimento e o crescimento do país. Lula conseguiu diminuir a dívida externa, em cerca de 168 bilhões de reais, porém acabou aumentando a dívida interna. Seu governo foi marcado por políticas e ações de caráter social, auxiliando a parcela mais humilde da população. O governo, entretanto, no ano de 2005, recebeu denúncias de um esquema que ficou conhecido como “Mensalão”, além do escândalo dos correios.

A pesquisa trata seus dados de forma genérica, visto que, nos critérios presentes no questionário, respondido pelas delegadas, não foram especificados os nomes de grupos e entidades que cada uma pertencia. Tal fato, especialmente no âmbito da atuação política, mostrou que as delegadas se identificaram como pertencentes, em primeiro lugar, aos movimentos de mulheres, seguido do movimento popular, dos movimentos feministas, do movimento sindical etc. Nos Anais da I CNPM, entre os dezenove grupos representantes de entidades da sociedade civil, apenas seis possuem explicitamente um caráter feminista, a saber: Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), a Articulação de Ongs de Mulheres Negras Brasileiras, a Marcha Mundial das Mulheres (MMM), a Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos e o Instituto Feminista para a Democracia (SOS Corpo) .

Ainda segundo o relatório (BRASIL, 2005), os movimentos de mulheres e os movimentos feministas são apreendidos como espaços distintos, frente aos quais as mulheres devem se posicionar e decidir entre um ou outro. A pesquisa, ao mostrar a maior identificação das delegadas nos movimentos de mulheres, indica que nem todas definem-se como parte dos movimentos feministas. Aliás, a presença feminista é pouca dentro da I CNPM, e difícil de se saber ao certo, já que o relatório não se preocupa em apresentar o número de movimentos feministas representados, ao incluí-los na porcentagem geral de movimentos “outros”, junto aos sindicais e populares. Diante desses dados, notamos que, embora sejam todas mulheres

lutando pelas mulheres, depreende-se que existe, ainda, muito desconhecimento, algumas desconfianças para se autodeclarar feminista. Por isto, tende-se a considerar o feminismo como parte do movimento de mulheres, mas não como sendo a mesma coisa. São feministas aquelas mulheres e organizações que se definam assim.