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CAPÍTULO 01 SOBRE O TERRITÓRIO

1.2. Território Urbano Contemporâneo

1.2.2. Espetacularização

Quanto à “espetacularização das cidades”, deve-se dizer inicialmente que este termo está associado ao processo de “revitalização urbana” pelo qual vêm passando muitas cidades, tendo em vista sua inserção na rede global de cidades culturais e turísticas. Este processo tem como foco principal a recuperação da economia e utiliza, na maioria das vezes, o patrimônio cultural como instrumento de legitimação e muitos estudiosos o consideram como um reflexo da economia globalizada. Por globalização entende-se, de acordo com Lopes (2004):

(...) algo mais do que a planetarização da economia, a mundialização dos fluxos (financeiros, de relações sociais, mas também mediáticos e informacionais, logo simbólicos) ou a compressão espaço-tempo e a consequente separação do espaço face ao lugar. A globalização implica, também, uma tensão entre dominantes e dominados, vencedores e perdedores, sem que o sentido dessa dominação (que também é uma dominação de sentido…) implique um reducionismo tal que elimine resistências, assimilação, difusão, reconstrução, reciclagem, importação-exportação de significados. (LOPES, 2004, p.67)

As mudanças provocadas pela globalização afetam a produção do espaço urbano, atingindo diretamente a formulação das políticas públicas urbanas. Dentre os muitos efeitos da globalização destaca-se a espetacularização das cidades,

oriunda do chamado planejamento urbano estratégico, explicado pelas palavras de Castells (1990) citado por Vainer (2007, p.76): “a flexibilidade, globalização e complexidade da nova economia do mundo exigem o desenvolvimento do planeamento estratégico, apto a introduzir uma metodologia coerente e adaptativa face à multiplicidade de sentidos e sinais da nova estrutura de produção e administração”. Diante desta realidade, de acordo com Otília Arantes (2007), é retomada a “animação urbana”, quando a cidade só se torna protagonista se for devidamente dotada de um plano estratégico capaz de gerar respostas competitivas aos desafios da globalização. A transformação dos espaços em novas centralidades é o objetivo do plano estratégico, sendo utilizadas como ferramentas as opções culturais e de lazer como forma de apropriação dos mesmos. Ainda segundo a autora, quando se fala de cidade nos dias de hoje, fala-se cada vez menos em racionalidade, funcionalidade, zoneamento, plano diretor, e cada vez mais em requalificação.Corroborando este pensamento, João Teixeira Lopes (2007) diz que:

As políticas urbanas dominantes assumem explicitamente um caráter gerencial, legitimadas pelo discurso da competitividade da cidade tornada empresa, apresentada como condição sine qua non para encontrar um lugar ao sol na economia globalizada” (Lopes, 2007).

A espetacularização se dá por meio da mercantilização que, por sua vez, é fomentada pela publicidade e marketing, responsáveis por criarem novas imagens para as cidades a fim de fazê-las conquistar novos lugares geopolíticos na citada rede global. Essa tendência urbana contemporânea, baseada na lógica da imagem, utiliza a cidade como uma mercadoria e chega a forjar um produto, com características ideais, para ser consumido por um público internacional. De acordo com Fernanda Sánchez (2001), no que tange o campo das imagens é necessário: i) o desvendamento da construção de relações entre comunicação, poder e imagem; ii) a mercantilização da imagem da cidade e a circulação dos discursos das cidades- modelo; iii) as estratégias de difusão de imagens em múltiplas; iv) a inscrição de filtros sociais e espaciais na organização da imagem da cidade; v) as práticas materiais e os valores que pressionam para a atualização das imagens; e vi) a emergência de leituras e imagens alternativas.

As práticas ideológicas que produzem um objeto a partir do discurso e da imagem fazem com que a produção de um objeto material pertencente à cidade esteja diretamente relacionado com a produção de consumo deste objeto, tornando

este simbolismo parte da realidade social. Tal situação é criticada e indagada por Jacques da seguinte forma:

O que se vende internacionalmente é, sobretudo, a imagem de marca da cidade e, paradoxalmente, essas imagens de marca de cidades distintas, com culturas distintas, se parecem cada vez mais. Haveria, então, um padrão internacional de imagem de cidade? Um consenso mundial sobre um modelo de criar imagens, logotipos urbanos, ou ainda, de se vender cidades? Ou estaríamos diante de um tipo de ‘internacionalismo do particularismo’? (JACQUES, op. cit., p. 33).

A “espetacularização das cidades” está associada, na maioria das vezes, à criação ou adaptação de estruturas arquitetônicas que se transformam em marcos referenciais para a cidade visando ao desenvolvimento de atividades culturais. Museus e centros culturais são construídos e/ou acomodados em marcos históricos, passando a ser o cartão de visita e o ingresso das cidades na tão almejada rede cultural global.

Neste contexto, a instituição jurídica do tombamento acaba por funcionar como um estímulo para a “renovação urbana”. No entanto, a preservação que deveria assumir um caráter educativo e social passa a ter uma função econômica e os bens culturais se tornam grandes cenários de um espetáculo ao qual a grande maioria da população não tem acesso. Devemos pensar também que essa publicização de uma parte da cidade em detrimento das outras regiões serve como um mascaramento para a verdadeira face que se mostra feia diante da falta de educação e da miséria. David Harvey (1996), ao se referir às cidades ajustadas à ordem econômica contemporânea, também as denominou por mercadorias, além de atribuir o termo “empresariamento urbano” às iniciativas tratadas aqui como “espetacularização”. Outro viés associado a este tema e que merece nota é o estabelecimento das parcerias entre o poder público e as empresas privadas para a criação e/ou manutenção dos espaços culturais, também conhecidas como parcerias público-privadas.

A “cidade espetáculo” contemporânea está estreitamente ligada ao patrimônio cultural, sobretudo ao arquitetônico, utilizando-o para sua promoção e propaganda em escala mundial e visando tornar-se um marco referencial. Para Evelyn Furquim Werneck Lima10:

No processo de museificação das cidades globalizadas há uma tendência em se criar grandes espaços expositivos, não apenas pelos mega projetos de arquitetura, onde as artes plásticas operam no sentido da revitalização. É também comum a

10

Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.046/601. Acesso em: 04 fev. 2016.

valorização dos acervos dos museus através de sua contínua circulação, em superfícies cada vez maiores, implicando também em alterações na sistemática das exposições, ao prever a intensa circulação de exposições concebidas para se viabilizarem financeiramente através de circuitos internacionais. (LIMA, 2004, s/p) É fato que a arquitetura e o urbanismo têm o poder de concretizar as representações e esta característica, atualmente, vem sendo muito trabalhada e utilizada pelos planejadores e outros profissionais na renovação urbana. Ao utilizá- los, os codificam em códigos de consumo para consumidores que irão reinterpretá- los. Percebe-se, a partir de tais características, como a representação da cidade é uma ferramenta cobiçada e disputada. Afinal, as diversas formas de representação também implicam poder, e o poder implica em dominação. Infelizmente, mais que um instrumento de alfabetização e desenvolvimento social, a cultura tem sido usada como um instrumento de desenvolvimento econômico, ao passo que devem andar juntos.