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CAPÍTULO 03 SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SALVAGUARDA E

3.1. Antecedentes da Preservação

3.1.1. Preservação no Contexto Mundial

As políticas públicas de Estado para a cultura, no que se refere aos países ocidentais, têm como suporte a preservação do patrimônio histórico e artístico das nações. Este, por sua vez, inicialmente era representado, principalmente, pelo patrimônio de “pedra e cal”, ou seja, pelo patrimônio arquitetônico. Essa realidade, conforme dito anteriormente, foi motivada pelo pioneirismo francês e durante o século XIX, tanto na França quanto na Inglaterra e em outras nações europeias, foram criadas instituições, na sua maioria públicas, foram elaboradas leis e foram realizados trabalhos de inventário, de conservação e de restauração, tudo em função de estruturar a prática de preservação do patrimônio cultural.

A criação de políticas estatais naquela época foi uma preocupação de vários dirigentes, como foi o caso de Napoleão Bonaparte, que chegou a encomendar aos seus subordinados inventários minuciosos relatando todas as riquezas existentes nos territórios sob seu comando. Ademais, nas palavras de Maria Cecília Londres Fonseca (2005):

Essa denominação já indica a dupla dimensão que assumiu a questão nesse período: a dimensão cívica, na medida em que determinados bens culturais são convertidos em testemunhos privilegiados da memória da nação, e passam a ser protegidos por leis que ordenam sua proteção, cuidados por instituições criadas especificamente para esse fim, e divulgados por meio da instrução pública e leiga; a dimensão estética, na medida em que, como signos do passado, os monumentos integram a iconografia e o imaginário romântico, em que a Idade Média era tema recorrente e as ruínas um motivo muito frequente. (FONSECA, 2005: p. 165)

Portanto, na primeira metade do século XIX formou-se em vários países europeus, em especial na França, uma imagem de nação povoada pelos testemunhos materiais do que a história apresentava como seu processo de formação.

Com relação às legislações nacionais, na maioria delas consta o preceito de que é dever do Estado preservar o patrimônio histórico e artístico, entretanto, após a 2ª Guerra Mundial esse assunto ganhou envergadura internacional e motivou a criação de um organismo multilateral, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO)51.

A UNESCO foi fundada em 1945 com o intuito de desenvolver “a solidariedade mundial e intelectual da Humanidade”. Logo no prefácio da sua

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Disponível em: <www.peaunesco.com.br/.../2.Documento%20-%20História>. Acesso em: 09 jan. 2016.

Constituição destaca-se: “ já que as guerras nascem na mente dos homens, é na mente dos homens que devemos erguer os baluartes da paz”. Em seguida, o mesmo documento apresenta-se o seu objetivo como:

Contribuir para a manutenção da paz e da segurança através da Educação, da Ciência e da Cultura, a colaboração entre as nações a fim de garantir o respeito universal à justiça, à lei, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, de sexo, de idioma ou de religião, que a Carta das Nações Unidas reconhecem a todos os povos. (UNESCO, 2015).

Dentre as ações da instituição aparecem, a reconstrução de escolas, bibliotecas, museus e fundações educativas que haviam sido destruídas na 2ª Guerra Mundial; fóruns de intercâmbios de ideias e conhecimentos científicos; oferta de educação para vencer o analfabetismo, meta que ainda hoje se constitui em grande desafio, segundo a instituição; proteção ao meio ambiente onde busca reconciliar o uso e a conservação dos recursos naturais e, especificamente, no campo do patrimônio cultural, nos anos de 1960, a campanha de proteção e salvamento aos templos de Núbia, no Egito e no Sudão, monumentos que foram removidos para a construção da barragem de Assuã. Esta ação transformou a maneira de proteger o patrimônio cultural e abriu caminho para a criação do Programa de Proteção do Patrimônio Mundial, em 1972, com a já referida “Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural”52

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Apoiada nesta Convenção, essa instituição supranacional vem atuando desde então, contudo, para alcançar resultados depende essencialmente da iniciativa dos Estados Nacionais. Durante o século XX, a UNESCO foi responsável pela disseminação do modelo de políticas públicas de preservação do patrimônio pelo planeta, chegando até os países de tradição não-ocidental, onde pôde estabelecer um diálogo com as práticas preservacionistas de nações milenares, como é o caso do Japão e da China, que viriam a contribuir para as mudanças na concepção da política pública de preservação. Segundo Fonseca (op. cit.: p. 166): “O modelo francês de preservação do patrimônio histórico tornou-se um artigo de exportação, e foi introduzido no século XX em vários países do mundo, inclusive no Brasil”. Esse processo de expansão e ao mesmo tempo de crítica à hegemonia do modelo europeu corroborou o princípio da diversidade cultural, considerado pela UNESCO como um dos principais recursos para uma cultura da paz.

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Contudo, a adesão das sociedades, com seus distintos grupos sociais, às práticas da preservação de bens culturais tem sido considerada o grande desafio a ser enfrentado no século XXI. Isto porque, mesmo tendo como justificativa para sua implantação o interesse público, a concepção de uma identidade nacional proposta por uma política construída por uma minoria (neste caso, intelectuais e/ou agentes públicos) não parece apropriada para legitimar ações que, muitas vezes, afetam significativamente a vida de um grande número de cidadãos com tantas peculiaridades.

No entanto, não se pode deixar de reforçar que o interesse da preservação do patrimônio cultural na contemporaneidade, não é um empenho apenas de classes mais abastadas ou intelectualizadas e, muito menos, está restrito a proteção de bens culturais de excepcional valor. Se, inicialmente, o trabalho em prol da preservação do patrimônio concentrou-se nas áreas tradicionais da cultura de elite, como os monumentos e sítios históricos ou as obras de arte, com o passar do tempo, o alargamento da concepção conceitual do que é patrimônio cultural, a diversificação dos instrumentos de proteção, assim como, o envolvimento de novos atores sociais no processo de proteção, passaram a demandar políticas públicas que abarcassem a amplitude da concepção, da mesma forma que passaram a exigir ações que vão além da simples identificação e proteção de monumentos.

De acordo com Fonseca:

Novos problemas, como a questão ambiental nas áreas de interesse histórico, a inserção dos centros históricos urbanos na dinâmica de desenvolvimento das grandes cidades, a demanda por bens culturais pela indústria do turismo, o reconhecimento dos bens culturais de natureza imaterial como parte do patrimônio cultural da nação, os direitos de propriedade intelectual coletivos sobre conhecimentos tradicionais associados ou não a recursos genéticos, são apenas alguns temas que passaram a integrar a agenda das políticas de preservação. (FONSECA, op. cit.: p. 160)

Diante deste contexto, parafraseando Néstor Garcia Canclini (1994), se faz mister continuar ampliando a problemática que compõe o patrimônio cultural, assim como, o campo disciplinar em que ele se situa.