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CAPÍTULO 01 SOBRE O TERRITÓRIO

1.2. Território Urbano Contemporâneo

1.2.1. Gentrificação

O termo gentrificação tem sua origem vinculada à palavra inglesa

gentrification e, de forma sintética, pode ser entendido como o processo de

requalificação pelo qual passa o território urbano, envolvendo necessariamente a troca de um grupo com condição financeira reduzida por outro com maior poder aquisitivo. Embora apoiado no suporte cultural, mais especificamente no discurso da memória e da tradição, tem seu foco no mercado e sua práxis na produção de espaços que não podem ser usufruídos por toda a população.

Do ponto de vista histórico, Ruth Glass, por volta de 1970, utilizou o termo “gentrification” ao se referir à transformação que vinham sofrendo os antigos bairros operários de Londres, de onde se via retirar-se a classe popular em detrimento de uma classe média assalariada. Esta, por sua vez, retornava do subúrbio para onde fora, ao longo do século XIX, em busca de melhor qualidade de vida, de mais segurança e de espaços mais amplos e arejados. Ao abandonar o centro da cidade para ir em direção à periferia, a classe média permitiu que a classe popular ocupasse os bairros centrais que, em seguida, viram-se em degradação física devido à falta de investimentos. Este processo vem se desenvolvendo nos países industrializados basicamente ao longo da etapa chamada pós-industrial ou pós-

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Gentrificação é o processo de “enobrecimento” de um espaço urbano, intencional ou não, que

expulsa a população mais pobre, seja por remoção ou especulação imobiliária, substituindo-a por outra com maior poder aquisitivo. Dentre tantos exemplos pode-se citar o Pelourinho em Salvador.

moderna, iniciada com o declínio do modelo socioeconômico industrial tradicional e caracteriza-se pelo deslocamento de uma parte da população com elevada remuneração para os centros das cidades, de onde são deslocados os habitantes com menor poder aquisitivo que viviam nestes espaços. O deslocamento vem acompanhado de investimentos e melhorias tanto nas moradias, que são renovadas ou reabilitadas, quanto em toda a área envolvida, tais como comércio, equipamentos e serviços. Tal ação reflete diretamente no mercado de solo e habitacional, de modo que desempenham um papel decisivo os agentes do solo: os proprietários, os promotores, os governos - locais, estaduais - e as instituições financeiras, assim como, os moradores em regime de propriedade ou de aluguel.

Para Neil Smith, este processo urbano, identificado inicialmente por Glass, evoluiu rapidamente e chega ao século XXI como uma dimensão marcante do urbanismo contemporâneo e como “o motor central da expansão econômica da cidade, um setor central da economia urbana” (SMITH, 2006, p. 76). Se, em seu início, os estudos definiam a gentrificação como um fenômeno associado ao mercado e ao comportamento da iniciativa privada, atualmente, muitos autores o reconhecem como parte de uma política pública. Para Smith (op. cit.), são definidas como “políticas oficiais de gentrificação”.

Na concepção de Luís Mendes:

De anomalia local e esporádica, limitada à cidade centro, a gentrificação passou a constituir-se como estratégia global ao serviço do urbanismo neoliberal e dos interesses da reprodução capitalista e social, tendo-se generalizado por todo o mundo urbano. É certo que, na realidade, essa evolução evidencia-se de diferentes formas, em diferentes bairros e cidades, e segundo ritmos temporais diferentes. (MENDES, 2011, p. 479)

Para Savage e Warde (1993) citado por Mendes (op. cit.), para que haja gentrificação no espaço urbano, tem de se dar uma coincidência de quatro processos a saber: i) uma reorganização da geografia social da cidade, com substituição, nas áreas centrais da cidade, de um grupo social por outro, de estatuto mais elevado; ii) um reagrupamento espacial de indivíduos com estilos de vida e características culturais similares; iii) uma transformação do ambiente construído e da paisagem urbana, com a criação de novos serviços e uma requalificação residencial que prevê importantes melhorias arquitetônicas; iv) por último, uma mudança da ordem fundiária, que, na maioria dos casos, determina a elevação dos valores fundiários e um aumento da quota das habitações em propriedade.

Segundo Bortolozzi (op. cit.; s/p) ao citar Leite (2004): “Embora o processo de ‘gentrificação’ possa resultar igualmente em paisagens urbanas estandardizadas e que poderiam ser consumidas por qualquer pessoa, a lógica da intervenção não se baseia na indistinção de mercadorias voltadas para as massas”. Ainda de acordo com Mendes:

A gentrificação trata-se de uma recentralização urbana e social seletiva, alimentada por novas procuras, promotora de uma crescente revalorização e reutilização física e social dos bairros de centro histórico, indiciando, por conseguinte, novos processos de recomposição da sua textura socioespacial. (MENDES, op. cit., p. 480)

Para a urbanista Helena Menna Barreto Silva (2006), ao apresentar a obra de Catherine Bidou-Zachariasen intitulada: “De volta à cidade: dos processos de gentrificação às políticas de “revitalização” dos centros históricos”, esse fenômeno tende a ocorrer por influência de dois processos que podem ser combinados ou não, quais sejam:

Pelo lado da demanda, as estratégias das classes médias de (re) conquista de territórios e de volta a cidade depois de décadas de encantamento, pelos conjuntos e loteamentos fechados, estimuladas pelo setor imobiliário. Mas não seria a classe média tradicional, mas sim outro tipo: ou os yuppies, ou famílias jovens, com maior escolaridade. Pelo lado da oferta e das decisões dos produtores de espaço – as estratégias dos governantes, em acordo com o setor privado, para tornar as cidades competitivas, dotando os centros de características que o tornariam atrativo para aquelas classes, seja para moradia ou para consumo e lazer. (SILVA, 2006, p. 8) O uso da expressão, ao longo do tempo, teve altos e baixos. Em meados dos anos 1980 foi usada em tom positivo, apontando melhoramentos em uma área abandonada ou degradada e depois passou a ter uma conotação negativa, que permanece até hoje, justificada pela visão de que a gentrificação promove um urbanismo excludente. Para os críticos, esse processo traz consequências como o uso do espaço como ferramenta de poder, a semelhança entre as cidades, a reafirmação da classe média e de um modo de vida que não valoriza o coletivo, e sim um determinado grupo.

Dos exemplos que são encontrados para ilustrar o fenômeno, Nova York aparece com destaque, sobretudo no bairro do Soho. O processo começou com a instalação de artistas que buscavam alugueis mais baratos e valorizavam o patrimônio histórico. Sua chegada a este bairro gerou uma nova vida cultural e boêmia e aumentou o preço das propriedades. A gentrificação também pode ser observada em diferentes capitais brasileiras, haja vista, a revitalização do Centro de São Paulo (SP); as obras da zona portuária no Rio de Janeiro (RJ); o projeto “Novo Recife” no histórico Cais Estelita em Recife (PE), entre outros.

Independentemente de qual seja o origem do fenômeno, deve-se atentar para as suas consequências. Segundo Smith (2006), a utilização de termos como “regeneração” ou “renovação” acaba por neutralizar as críticas aos projetos dessa natureza e permite a vitória das visões neoliberais da cidade. Da mesma forma, para Bortolozzi (op. cit.; s/p) em referência ao alertado por Leite (2004):

(...) Tanto na indústria cultural como nas políticas urbanas de “gentrificação”, os bens artísticos e o patrimônio cultural são tratados como mercadoria, portanto sujeitos à racionalidade econômica. (...) Este (processo), acaba por atuar na elitização do espaço, uma vez que suas características principais são a formação de paisagens de poder; a centralidade e a apropriação de certos espaços da cidade (...).

Assim, Bortolozzi (op. cit.) sintetiza assinalando que esses processos contemporâneos de reconstrução de áreas degradadas em território urbanizado deveriam representar novas práticas socioespaciais que permitissem integrar cultura e gestão social, tanto quanto estética e ética.

Ao mesmo tempo, uma sociedade participante nas políticas públicas voltadas para os centros históricos e para a cidade como um todo, pode ser um começo para amenizar esse fenômeno, o qual nos exige estado de alerta e disposição para agir.