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Esquizotipia Positiva e Criatividade

No documento leticiaoliveiraalminhana (páginas 69-74)

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.5. PERSONALIDADE, ESQUIZOTIPIA E EAs

2.5.1. Esquizotipia Positiva e Criatividade

Os estudos sobre Esquizotipia parecem ter contribuído não apenas para o maior entendimento das psicoses, mas também para a compreensão de que algumas pessoas poderão apresentar EAs e, ainda assim, mostrar indicadores de saúde mental e bem- estar. Tal perspectiva teve início com as análises fatoriais e de clusters (análises de agrupamentos) a respeito das dimensões da esquizotipia (GOULDING, 2004; WILLIAMS, 1994; SUHR; SPITZNAGEL, 2001; RAWLINGS et.al., 2008).

Em geral, as análises fatoriais apontavam para três dimensões de sintomas esquizotípicos: sintomas positivos, sintomas negativos e ansiedade social ou desorganização (SUHR; SPITZNAGEL, 2001). No entanto, mais recentemente, as análises de clusters começaram a mostrar que nem todos os pacientes poderiam ser simplesmente classificados de acordo com esses três fatores. Na verdade, as análises permitiram a formação de dois agrupamentos de indivíduos: aqueles que pontuavam alto em mais de um fator ou os que, predominantemente, pontuavam alto em um único fator (SUHR; SPITZNAGEL, 2001).

Dessa forma, de acordo com a literatura, atualmente há quatro perfis de esquizotípicos (HOLT; SIMMONDS-MOORE; MOORE, 2008; GOULDING, 2004; SUHR; SPITZNAGEL, 2001; WILLIAMS, 1994; RAWLINGS et.al., 2008):

1. Esquizotípicos Positivos - que pontuam alto apenas em Experiências Incomuns; 2. Baixo Esquizotípicos - os quais não se pode considerar como pessoas com propensão à psicose, pois pontuam baixo em todas as dimensões de esquizotipia;

3. Alto Esquizotípicos - pessoas que pontuam alto em todas as dimensões, mas especialmente em Desorganização Cognitiva e Anedonia Introvertida;

4. Esquizotípicos Negativos - aqueles que pontuam alto somente em Anedonia Introvertida.

O primeiro perfil – Esquizotipia Positiva – descreve indivíduos que possuem uma maior tendência a apresentar EAs, sem, contudo, mostrar os aspectos de desorganização cognitiva, de dificuldades para estabelecer relações sociais ou de impulsividade e agressividade. Dessa forma, alguns estudos foram conduzidos com pessoas que apresentavam EAs (experiências paranormais, crenças incomuns, experiências anômalas

e experiências religiosas/espirituais) e o que parece sugestivo nesses estudos é que os indivíduos que pontuavam alto somente em EAs apresentaram indicadores de saúde mental, bem-estar, inteligência e criatividade (GOULDLING, 2004; SCHOEFIELD; CLARIDGE, 2007; McCREERY; CLARIDGE, 2002; WILLIAMS; IRWIN, 1991; KENNEDY; KANTHAMANI, 1995; PARRA, 2008; PARRA; PAUL, 2010; HERGOVICH et.al, 2008; YUNG et.al., 2006; FARIAS; UNDERWOOD; CLARIDGE, 2012).

Por tais motivos, as pessoas que possuem o perfil para Esquizotipia Positiva, também têm sido chamadas de “Happy Schizotypes” ou “Esquizotípicos Felizes”, alegando que eles apresentariam uma espécie de “Esquizotipia Benigna” ou “Esquizotipia Saudável” (HOLT; SIMMONDS-MOORE; MOORE, 2008; McCREERY; CLARIDGE, 2002; GOULDING, 2004; FISHER et al, 2004). No entanto, existem alguns estudos que apontam para os malefícios da Esquizotipia Positiva e é necessário examiná-los antes de seguir em frente.

Alguns estudos recentes sugerem que a Esquizotipia Positiva, ou seja, apresentar alterações perceptuais e de pensamento, como alucinações e delírios, tem estado associada a risco para desenvolver Esquizofrenia (SHAH et al, 2012; SACKS; MAMANI; GARCIA, 2012). Um estudo buscou observar um modelo de risco multivariado para a psicose, onde foram avaliados de forma agrupada, os fatores familiares, neurobiológicos, sócio-ambientais, cognitivos e clínicos (SHAH et.al., 2012). Para tanto, 96 parentes de 1º. e 2º. grau de pacientes esquizofrênicos foram acompanhados ao longo de 2 anos, no intuito de observar sua trajetória em direção à psicose. Em seus resultados, o estudo verificou que os sintomas clínicos de Ideação Mágica, Anedonia Social e Aberração Perceptual foram preditores diretos do desenvolvimento, subsequente, de psicose (SHAH et.al., 2012).

Outro estudo avaliou as relações entre esquizotipia e capacidade de insight, memória primária (source memory), conhecimento e Teoria da Mente, em 420 graduandos (SACKS; MAMANI; GARCIA, 2012). Altos índices de Esquizotipia Positiva estiveram associados à falta de capacidade de insight e baixos escores em teoria da mente e memória primária (SACKS; MAMANI; GARCIA, 2012). Tais resultados indicam que os sintomas positivos da esquizotipia podem estar relacionados a prognósticos mal adaptativos e ao desenvolvimento de transtornos psicóticos, como a esquizofrenia (SHAH et.al., 2012; SACKS; MAMANI; GARCIA, 2012).

Contudo, embora se saiba da associação entre sintomas positivos de esquizotipia e transtorno mental, a questão é: há evidências onde a presença de delírio e alucinação não estão diretamente associados à psicose? Sim.

Conforme apresentado anteriormente, existe uma série de pesquisas mostrando que

nem sempre a Esquizotipia Positiva aparece como indicativo de doenças, mas de saúde e

bem-estar (GOULDLING, 2004; SCHOEFIELD; CLARIDGE, 2007; McCREERY; CLARIDGE, 2002; WILLIAMS; IRWIN, 1991; KENNEDY; KANTHAMANI, 1995; HERGOVIT et.al, 2008; YUNG et.al., 2006; FARIAS; UNDERWOOD; CLARIDGE, 2012).

Nesse sentido, a psicologia evolutiva tem levantado algumas questões importantes quando estuda as relações entre o “sucesso de acasalamento” em humanos e a hereditariedade da esquizofrenia (NETTLE; CLEGG, 2006). Alguns autores afirmam existir uma espécie de “quebra-cabeças” em relação à permanência do transtorno ao longo dos anos. Segundo Shaner et.al. (2004), os delírios, as alucinações e os demais sintomas atribuídos à esquizofrenia acabam destruindo as possibilidades de relacionamentos sexuais e o sucesso reprodutivo.

Assim, parece paradoxal que a seleção natural não tenha eliminado a doença há tempo. O fato de que a esquizofrenia continue com uma incidência estável ao longo do tempo, e atravessando diferentes culturas, parece intrigante (SHANER; MILLER; MINTZ, 2004). Por isso há hipóteses de que existiriam efeitos benéficos vindos de fatores associados à esquizofrenia, os quais se manifestariam provavelmente em parentes saudáveis, aumentando a chance de “sucesso de acasalamento” nesses casos (SHANER; MILLER; MINTZ, 2004; NETTLE; CLEGG, 2006).

Para Nettle e Clegg (2006), alguns aspectos da esquizotipia poderiam explicar a continuidade da esquizofrenia e sua hereditariedade através da antiga associação entre psicopatologia e criatividade. Em seu estudo, avaliaram as relações entre os fatores da esquizotipia, a criatividade e o sucesso de acasalamento em uma amostra de 239 sujeitos da população geral e 186 artistas (artes visuais e poesia). Nos resultados, houve associações positivas entre EAs, não-conformidade impulsiva e número de parceiros. Por outro lado, anedonia introvertida associou-se negativamente a número de parceiros. Criatividade mediou as relações entre EAs e sucesso de acasalamento. Já a anedonia reduziu as atividades criativas e também os parceiros sexuais (NETTLE; CLEGG, 2006).

Um segundo estudo sobre o tema comparou perfis de esquizotipia com uma amostra que continha poetas, artistas, matemáticos, população geral e pacientes psiquiátricos (NETTLE, 2006). Entre os resultados, observou-se que o grupo de artistas e poetas apresentou alta pontuação de experiências incomuns, acima da população geral e semelhante a de pacientes psiquiátricos. Contudo, o que os diferenciou do grupo de pacientes foi a ausência de Anedonia Introvertida, ou seja, o grupo de artistas e poetas não apresentava ausência e superficialidade de afeto e nem a perda da volição, características de processos psicopatológicos (NETTLE, 2006).

Desse modo, parece que a presença de sintomas positivos, como alucinações e delírios poderia tomar dois caminhos diferentes: 1- Psicopatologia, quando associados a ausência de afeto, dificuldade para estabelecer relacionamentos e desorganização; 2 - Criatividade, quando somente características de Esquizotipia Positiva forem encontradas (NETTLE E CLEGG, 2005; NETTLE, 2006). Além desses, outros estudos também têm explorado as relações entre Esquizotipia Positiva, criatividade e psicopatologia (FISHER et al., 2004; HOLT; SIMMONDS-MOORE; MOORE, 2008; BATEY; FURNHAM, 2008).

Fisher et al. (2004) reuniram uma série de pesquisas apresentando evidências comportamentais e neurofisiológicas de que Esquizotipia Positiva estaria associada a altos escores em criatividade e aumento de atividades no hemisfério cerebral direito (pensamento criativo, não-verbal). Além de ressaltar o fato de que EAs e crenças mágicas podem associar-se em direção ao aumento da criatividade e da espiritualidade (FISHER et.al., 2004; McCREERY; CLARIDGE, 2002; CLARIDGE, 2010).

No documento leticiaoliveiraalminhana (páginas 69-74)