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4 Economia da mídia: os newsgames e suas estratégias econômicas

5.5 Estímulo à corporalidade

No decorrer do estudo percebe-se o objeto comunicacional newsgame como propulsor de estímulos corporais e cognitivos e para embasar essa vantagem identificada introduz-se a Teoria das Materialidades da Comunicação145. Tal corrente de pensamento concebe

o corpo como lugar da experiência, sendo objeto de destaque em estudos da comunicação. Para Almeida (2009b, p. 10),

o modelo teórico busca estudar os mecanismos materiais que possibilitam a emergência dos sentidos nos fenômenos comunicacionais. Autores como George Simmel (1987), Ben Singer (2004), Jonathan Crary (1992, 2004) e Walter Benjamin (1985, 1994) se debruçaram sobre o contexto da modernidade para entender como o corpo funcionou como efeito e instrumento das transformações tecnológicas e sociais. A aposta de tais autores é que a frequência de estímulos sensoriais provoca uma transformação na estrutura psico-fisiológica dos indivíduos. Assim, os corpos hiperestimulados exigem estímulos cada vez mais intensos para poderem ser afetados. Por isso, as sensações e afetações perceptivas se tornam tão importantes quanto os sentidos/significados das

coisas, uma vez que determinam práticas culturais. A teoria das Materialidades da Comunicação concebe o corpo como primeiro e fundamental meio de comunicação – algo semelhante ao que Ernst Kapp (1998) defende ao entender toda tecnologia como uma analogia ao corpo e que McLuhan (2005) propõe ao falar dos meios de comunicação como extensões do homem. O corpo se torna, assim, agente central construtor das subjetividades e das práticas culturais.

Em estudos sobre novas mídias, Pereira (2006) defende ser interessante apreender como os aspectos materiais dos meios de comunicação afetam a produção de sentido em quem interage com determinada informação.

Trata-se, assim, de pensar não somente que afetações somáticas podem estar em processo com o aparecimento de uma nova mídia, ou com um conjunto tecnológico novo – como o aparecimento de corpos hiperestimulados, com um novo modelo de atenção, sedentos por espetáculos e experiências sensórias ricas em estímulos, tal como parece ter se dado com os habitantes das cidades modernas no início do século XX – mas de pensar como todo um conjunto de códigos simbólicos é criado como linguagem específica de uma nova mídia, dentre outros fatores, a partir de determinações oriundas dos limites e das potências das características materiais e funcionais dessa mídia original, o corpo (PEREIRA, 2006, p. 95).

O autor recorre ao conceito de corporificação (embodiment) para atestar a importância e a necessidade de recuperar o corpo como objeto privilegiado no campo da comunicação, investigando as dinâmicas geradas pelas novas mídias, a partir de um enquadramento referencial das materialidades da comunicação. Isso porque, por um lado, entende-se

as formas de afetações que os corpos possam estar experimentando a partir da emergência de todo

um conjunto tecnológico recente, mas já cotidianamente presente nas práticas de comunicação, de interação social e de entretenimento; por outro lado, trata-se de pensar como o corpo, pensado em suas características materiais, se apresenta como uma variável determinante na produção das tecnologias contemporâneas, forjadas a partir das materialidades e funcionalidades corpóreas que tais tecnologias estendem, potencializam, amputam, alteram, enfim, com as quais formam híbridos (PEREIRA, 2006, p. 95).

Para Almeida (2009b, p. 11), utilizar o conceito de corporificação é importante, pois postula que não somente o corpo condiciona modelos comunicacionais, “mas também que as tecnologias afetam as materialidades do corpo humano, influenciando nossa percepção, sensação e subjetividade”. Com a corporificação é possível compreender esse fenômeno, sobretudo na contemporaneidade, indicativo de que o corpo se envolve nas dinâmicas comunicativas por meio de uma multissensorialidade. A autora apresenta como exemplo o celular nos tempos atuais, que não se limita a receber e originar chamadas, tendo em sua funcionalidade uma série de recursos visuais, sonoros e táteis que estimulam sensações e demandam determinadas respostas materiais do corpo físico.

As telas touch screen, por exemplo, exigem certa habilidade tátil do usuário. Esta exposição a novas sensorialidades estaria gerando um conjunto de transformações que resultam em novos padrões de percepção. Entendemos esta mudança claramente ao verificarmos o uso do telefone celular por diferentes gerações. A chamada ‘geração ponto- com’ apresenta uma facilidade muito maior em lidar com as tecnologias digitais do que muitos adultos. É impressionante a rapidez com que movimentam os dedos e realizam as operações. É como se o corpo já estivesse treinado para estes movimentos e obedecesse a um comando natural, diferente das pessoas mais velhas que apresentam imensa dificuldade em se adaptar a essa nova linguagem (ALMEIDA, 2009b, p. 11).

Na mesma linha de raciocínio, Pereira (2006) assevera que com a corporificação consegue-se investigar as novas formas de afetação psicossomáticas oriundas dos meios de comunicar contemporâneos – as quais constroem novas materialidades – e também entender como o corpo participa como referência determinante na produção das tecnologias de comunicação e dos seus códigos.

Pode-se observar que todo um conjunto de mudanças que se deram em relação às formas e funções de diferentes tecnologias comunicacionais – discos e teclados de telefone, teclados e monitores de computadores, mouses, webcam, microfones etc. – podem refletir dimensões e características das materialidades e funcionalidades do corpo humano (PEREIRA, 2006, p. 96).

A modalidade contemporânea de comunicação, de acordo com Pereira (2008), torna-se uma comunicação multissensorial com linguagem tátil e audiovisual, que muda a dinâmica de consumo de notícias, tendo forte apelo do entretenimento como linguagem. Para o autor, as possibilidades interativas proporcionadas pelas tecnologias digitais são inúmeras, acarretando a criação de ambientes midiáticos que envolvam a prática social e sensorial. Uma nova relação entre indivíduos e máquinas ocorre inevitavelmente por meio dos games, das telas sensíveis ao toque, das interfaces acionadas por gestos e outras invenções que ainda estão por vir. Isso cria ambientes de imersão, de sociabilidade e de interatividade. Para Almeida (2009b, p. 12), cada vez mais a nova geração de games aposta na participação e no movimento do usuário:

O usuário de um game como o Wii, da Nintendo, por exemplo, é forçado a combinar a racionalidade do pensamento com a sensorialidade dos gestos e movimentos feitos pelo corpo. Em jogos como este, o manuseio dos consoles se aproxima, e muito, da experiência física do mundo real. Como temos argumentado, a experiência digital promove formas inéditas de afetação do corpo, despertando sensações físicas nunca antes vivenciadas e modificando a relação do homem com a máquina.

Dessa forma, os newsgames são fonte de desenvolvimento de sensações corporais, demandando habilidade tátil (manuseio de mouse e teclado), visual e auditiva (por meio dos textos, das fotografias, dos vídeos, dos sons), e de estímulo de processos cognitivos, como a atenção, e o despertar de sentimentos, como a raiva, a felicidade e a indignação. Ao experienciar um newsgame, o indivíduo passa por um treinamento corporal e cognitivo, já que para se inserir no espaço informacional digital é preciso ter noção básica de espacialidade para poder clicar e participar do jogo. Quem já possui esse tipo de domínio se aprimora, e as pessoas que não têm essa capacidade esforçam-se para alcançá-la. Consequentemente, exige o estímulo em três dos quatro sentidos humanos, o que é uma vantagem em relação aos produtos comunicacionais tradicionais.

Para Almeida (2009a), cada vez mais essa experiência da multissensorialidade está requisitada pelas tecnologias digitais, evidenciando como a materialidade dos objetos – ou seja, suas características físicas – influencia no processo comunicativo. A autora aponta alguns fatores determinantes na formatação da sensorialidade: mudanças dos suportes, dimensão da imagem, qualidade do som e da forma de interação do usuário com o conteúdo, incluindo interfaces sedutoras e divertidas de acesso a conteúdos. Essas apropriações de recursos lúdicos e de interações multissensoriais – presentes nos newsgames – são formas de chamar a atenção de usuários, captando assim mais audiência, reforçando também a lógica do consumo contemporâneo que envolve a cultura do entretenimento no século 21. “A impressão que temos é que nada mais parece fazer sentido ou se torna atraente em nossos dias se não evocar, de alguma maneira, a força do entretenimento” (ALMEIDA, 2009a, p. 10). Pereira (2006, p. 98) entende a sensorialidade como a capacidade de processar sons, imagens, sinais gráficos e texturas táteis – entre outros estímulos sensoriais –, “como uma experiência para qual o corpo possui, conquistado através de um aprendizado, um repertório de significados, ações, emoções ou respostas relacionadas, capaz de organizá-lo frente à experiência”. Assim se compreendem as aptidões cognitivas e sinestésicas aprendidas a partir do contato entre corpo e diferentes mídias (escrita, cinema, rádio, televisão), ou seja, as produções e alterações materiais que acontecem em um corpo ao interagir com diferentes formas de expressão (PEREIRA, 2006).

Portanto, trata-se de reconhecer que ao permitir a união de várias mídias em um mesmo aparelho ou plataforma tecnológica os meios de comunicação “permitem também que todo um conjunto de diferentes

linguagens possa vir a se apresentar para muitos e diferentes corpos, com materialidades e sensorialidades distintas” (PEREIRA, 2006, p. 98). Para o autor, isso pode gerar problemas na cultura contemporânea, já que as ações, os sentimentos e as respostas corpóreas podem ser diferentes entre os indivíduos, dependendo da mídia.

Enquanto um grupo poderá estar restrito às sensorialidades desenvolvidas por mídias como a TV, o cinema e os jornais impressos, por exemplo, outro grupo já poderá contar com sensorialidades desenvolvidas pelas próprias mídias digitais. Assim, qualquer comunicação que se proponha para um dado público poderá incidir em fracasso maior ou menor em função do desconhecimento das características sensoriais do público em questão. A título de exemplo meramente especulativo, poder-se-ia pensar em certos traços subjetivos comuns em um público majoritariamente jovem e urbano, com as seguintes características sensoriais: a capacidade de reconhecer pequenos signos visuais em uma tela de computador com maior ou menor rapidez, facilidade de processamento de leituras que fujam dos tradicionais formatos ocidentais da esquerda para a direita e de cima para baixo, movimentos manuais finos de controle de mouse, capacidade de realizar tarefas em paralelo com a atenção distribuída, dificuldade de concentração em uma única linearidade narrativa, valorização da velocidade em diferentes práticas e esferas do cotidiano, dificuldade para enfrentar tarefas que não estejam associadas ao lúdico e a alguma forma de prazer etc (PEREIRA, 2006, p. 99). A partir dessas argumentações entende-se a multisensorialidade muito desperta no público jovem, demonstrando a sua facilidade em lidar com os newsgames, reforçando que estes são pertinentes ao leitor contemporâneo e ao leitor do futuro.

Outra questão favorável é a afetividade proporcionada pelos jogos jornalísticos. A afetividade é o conceito que Pereira (2006) resgata para elucidar as novas mídias e a materialidade da comunicação, afirmando que esta deve ser pensada como uma espécie de imaginário. Tendo em vista que toda mensagem evoca imaginários, eles serão mais

apreendidos caso as sensorialidades de tais mídias sejam conhecidas. Então, é primordial aos desenvolvedores de newsgame refletirem sobre quais elementos e regras de jogo serão elaborados com a finalidade de estimular as sensorialidades e a afetividade.

Nesse contexto, também podemos incluir os newsgames como sendo parte da literatura ergódica (ergon – trabalho; hodos – caminho) e do cibertexto (AARSETH, 1997). Para o autor, literatura ergótica refere- se aos jogos de computador que exigem um esforço corporal diferente de apenas ler um texto, o que exercita a aptidão da habilidade corporal; e cibertexto são esses textos que demandam desempenho corporal do leitor, que se torna um jogador que não deve somente ler e ouvir, mas precisa “explorar o ambiente virtual, perder-se na narrativa [do jogo], ganhar bônus, descobrir caminhos secretos, não metaforicamente, mas por meio das estruturas topológicas da máquina textual” (AARSETH, 1997, p. 4, tradução nossa). Por atender a esses requisitos, os newsgames incluem-se nesses conceitos.