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II - 3.1. Geocronologia U-Pb no registo estratigráfico

A definição da escala de tempo geológico foi inicialmente baseada nos princípios da sobreposição e da correlação estratigráfica e, posteriormente melhorada com a bioestratigrafia (conteúdo fossilífero), litoestratigrafia (tipos litológicos), magnetoestratigrafia e, mais recentemente, a cronoestratigrafia isotópica. O aparecimento dos métodos de datação absoluta e particularmente do método U-Th-Pb permitiu estimar as idades de eventos geológicos muito recuados no tempo, nomeadamente aqueles que se podem inferir antes da existência de seres vivos passíveis de constar em registos fósseis. Inclusivamente para os eventos mais recentes que o Precâmbrico o método permite um grau de rigor não só ao nível da datação dos eventos mas também da sua duração, tal como explicam Bowring e Schmitz (2003), que consideram que a bioestratigrafia e as datações absolutas, por si só, permitem obter uma escala de tempo geológico com um erro de aproximadamente 5-10 Ma.

A geocronologia U-Pb em zircões aplicada ao estudo dos grandes períodos de extinção da história da Terra (Bowring e Schmitz, 2003), nomeadamente nas transições Neoproterozoico- Câmbrico, Pérmico-Triásico e Triásico-Jurássico, mostrou que, por um lado, as extinções podiam ser síncronas à escala global e, por outro podiam resultar de um encadeamento de eventos sequenciais no espaço e no tempo.

A utilização da geocronologia U-Pb usando zircões detríticos extraídos de sedimentos e rochas sedimentares teve um grande desenvolvimento nas últimas décadas, resultando num volume considerável de estudos. Existem alguns trabalhos de referência como sejam: i) a proveniência dos sedimentos dos rios Indo e Ganges (Campbell et al., 2005), ii) a proveniência de depósitos litorais e sedimentares na Austrália (Sircombe, 1999); iii) um trabalho sobre os terrenos Apalachianos (Moecher e Samson, 2006); iv) a proveniência de areias fluviais na Austrália (Cawood et al., 2003); e v) sobre a proveniência de arenitos do Mar da Noruega (Morton et al., 2005), entre outros.

II - 3.2. O zircão e os estudos de proveniência sedimentar

Os estudos de proveniência sedimentar são multidisciplinares incluindo dados de mineralogia, geoquímica, geocronologia, sedimentologia, petrologia ígnea e metamórfica e, têm por objetivo procurar a localização e a natureza das fontes de sedimentos e, discutir se possível,

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os padrões de transporte do sedimento desde a origem até à bacia de deposição (Haughton et al., 1991). As rochas sedimentares e os sedimentos siliciclásticos refletem as características das áreas fonte (Cawood et al., 2003). Nos constituintes das rochas sedimentares e dos sedimentos siliciclásticos surge o zircão, que é um traçador de proveniência muito atrativo devido à sua durabilidade e grande estabilidade química (Corfu et al., 2003; Moecher e Samson, 2006). No entanto, se o zircão resiste a muitos processos geológicos de forma incólume, pode registar crescimentos relacionados com eventos térmicos e de geração de magmas, tanto em rochas magmáticas como em rochas metamórficas e sedimentares, durante ciclos orogénicos e de desmantelamento de cadeias de montanhas (Moecher e Samson, 2006). O zircão tornou-se, por isso, um dos minerais mais usados com o propósito de obter informação sobre o percurso geológico e genético de rochas magmáticas, metamórficas ou sedimentares (Corfu et al., 2003). Os eventos térmicos que permitem a formação de novo zircão ficam, normalmente, preservados como crescimentos secundários sobre um núcleo pré-existente, herdado (Corfu et al., 2003).

Um zircão proveniente de uma rocha magmática é, muito provavelmente, um cristal primário, ou seja é formado por cristalização a partir de um magma e a sua idade é, também muito provavelmente, a idade da rocha em que ele se encontra. Em rochas metamórficas o zircão pode ser sujeito a elevadas temperaturas próximas da anatexia e recristalizar formando novos cristais ou crescimentos secundários ao redor de núcleos herdados mais antigos e que resistiram à fusão ou que foram incorporados a partir da rocha encaixante. No entanto, em rochas sedimentares e metamórficas de baixo grau, e mesmo rochas magmáticas que tenham sido sujeitas a outros processos geológicos, a interpretação dos resultados de datação de zircões é diferente pois pode representar a idade da cristalização das fontes ou idades de grãos herdados a partir de outros ciclos sedimentares (Sircombe, 1999).

A existência de zircões detríticos numa formação sedimentar e as idades resultantes da sua análise identificam pelo menos uma ou várias populações de idade de zircões e, portanto, sendo eles detríticos, pré-existentes e integrantes da formação sedimentar, então a idade do zircão poderá ser uma estimativa da idade máxima da deposição dessa formação (Fedo et al., 2003). Nem todos os autores estão de acordo com esta interpretação. Andersen (2005, 2013) defende que o uso do zircão mais recente existente num sedimento não deve ser usado como limite para definir a idade de deposição, sendo questionável por razões geológicas e estatísticas. Segundo este autor, o uso do zircão mais recente existente num sedimento pode ser usado para balizar a idade da deposição apenas quando a história de pós-deposição é bem conhecida (reciclagem de sedimentos, transporte e enquadramento paleogeográfico) sendo que neste caso o zircão é um indicador inquestionável. No entanto, as rochas vulcânicas representam os marcadores temporais mais úteis no registo estratigráfico dada a sua propensão para se dispersar

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por grandes áreas e num curto intervalo de tempo aquando das erupções vulcânicas (Bowring e Schmitz, 2003). A determinação da idade absoluta de rochas vulcânicas interestratificadas é de grande utilidade para fazer correlações estratigráficas, calcular taxas de sedimentação, enquadrar fenómenos tectónicos, etc.

Os elementos traço existentes na estrutura de grãos individuais de zircão, nomeadamente o Hf, U, Th, Y e Terras Raras, podem também ser usados para identificar as fontes desses grãos com razoável grau de confiança, particularmente em zircões derivados de rochas magmáticas (Belousova et al., 2002). Os elementos Terras Raras e o conteúdo em Hf permitem inferir as condições de crescimento dos cristais de zircão, a composição e a fonte do líquido magmático a partir do qual se formaram, desde que haja um rigoroso conhecimento das relações entre o zircão e esse líquido magmático (Hanchar e Westrenen, 2007).

Os estudos mais recentes de proveniência sedimentar apontam para uma abordagem multidisciplinar. Pereira et al. (2013a) utilizaram a datação de grãos de zircão por ablação laser conjuntamente com análises de elementos maiores e traço das rochas sedimentares (grauvaques) de onde foram extraídos os zircões detríticos. Estes autores referem que os grauvaques por serem mais imaturos e indicando fontes de composição intermédia-máfica fornecem pouca informação sobre a reciclagem de fontes crustais mais antigas por terem provavelmente resultado de rochas com pouca contribuição de crusta continental. Os grauvaques mais maturos e com fontes de composição félsica são aqueles cuja população de zircão detrítico apresentam o espectro de idades mais extenso indicando reciclagem de fontes crustais mais antigas típicas da crosta continental.

Schoene et al. (2010) utilizaram geocronologia U-Pb em zircão, pelo método de diluição isotópica (ver Apêndice A) conjuntamente com análise de elementos traço em rochas vulcânicas e metamórficas permitindo estudar os processos de cristalização fracionada, assimilação e misturas de magmas. Os dados de datação U-Pb revelaram grande complexidade na interpretação das populações de zircão, pelo que se propuseram utilizar o líquido residual resultante da metodologia de diluição isotópica (ID-TIMS) para caracterizar os elementos traço. Procederam à redissolução e análise por espectrometria de massa dos elementos Ti, Nb, Ta, Zr, Hf, Y, Sc e elementos Terras Raras pesadas, melhorando consideravelmente a qualidade das interpretações. As duas análises são efetuadas sobre o mesmo volume de amostra.

Também é possível reconstruir alguns cenários paleogeográficos e tectónicos utilizando o cortejo de minerais pesados de rochas detríticas sem recorrer à datação de zircão. Hubert (1962, citado em Fedo et al., 2003) definiu um índice ZTR (zircão-turmalina-rútilo) como uma

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medida de maturidade mineralógica de um depósito sedimentar e que pode ser eficiente na determinação de proveniência e em reconstruções paleogeográficas. Hallsworth e Chisholm (2008) utilizam uma metodologia que combina o estudo do cortejo de minerais pesados, geoquímica da granada e estudos de paleocorrentes para determinação de potenciais fontes sedimentares.

Morton et al. (2012) ao estudarem as areias das sucessões paleocénicas da Bacia Faróe- Shetland no Atlântico Norte utilizaram uma elaborada combinação de análise do cortejo de minerais pesados, geoquímica dos elementos maiores da granada, geoquímica dos elementos traço do rútilo, datação U-Pb de zircão detrítico e estudos de palinoflora, tendo concluído que nenhum dos métodos, por si só, permitiria descriminar proveniências. Nehyba et al. (2012) também partilham a ideia de que os estudos combinados usando petrografia, minerais pesados, geoquímica da granada, rútilo e espinela, morfologia e datação de zircão, elementos menores e traço são os mais adequados para se propor a reconstrução paleogeográfica, no caso, de bacias pós-variscas na Europa central.

II - 3.3. Interpretação dos resultados de estudos de proveniência baseados em zircões detríticos

As interpretações dos resultados obtidos em estudos de proveniência baseados em geocronologia U-Pb em zircão detrítico devem ser realizadas com precução. São aqui referidos e resumidos cinco pontos essenciais do trabalho desenvolvido por Moecher e Samson (2006), nos terrenos Apalachianos, onde alertam para aspetos relevantes desta temática.

Nem todas as potenciais áreas-fonte são igualmente férteis na produção de zircões – A quantidade de zircões detríticos recolhidos numa amostra reflete uma distribuição que nem sempre corresponderá à proporção da contribuição de cada possível fonte. Ou seja, a proporção dos grupos de idade definida pelos grãos deveria representar a proporção relativa de cada potencial fonte. No entanto, nem sempre assim será, uma vez que a existência de zircão numa rocha primária não representa um valor fixo da análise total da rocha-mãe. Moecher e Samson (2006) referem particularmente o caso das rochas máficas, pobres em zircão e que, quando apontadas como possível fonte em conjunto com litologias predominantemente félsicas, contribuirá marginalmente para a proporção total de zircão na amostra. Conclui-se deste pressuposto que se deve estudar a distribuição de todos os grãos da amostra e não apenas os grupos com maiores frequências relativas.

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Os crescimentos de zircão são essencialmente produzidos durante eventos magmáticos (como por exemplo a formação de arcos magmáticos) – Neste ponto Moecher e Samson (2006) referem que os zircões primários podem passar por processos posteriores à sua formação original. Desde logo, na câmara magmática onde os zircões são formados, a refusão e/ou assimilação pode dar origem a crescimentos secundários envolvendo zircão primário. O crescimento secundário de zircão também pode ocorrer à volta de um núcleo herdado de rochas encaixantes da camara magmática ou podem formar-se em condições de metamorfismo de alto grau associadas a eventos tectónicos. Estes novos crescimentos definem a idade do respetivo evento que lhes deu origem, no entanto, e segundo Moecher e Samson (2006), a quantidade de zircão formado em condições de metamorfismo regional é muito inferior aos formados por processos magmáticos (principalmente em arcos magmáticos) exceto para condições de metamorfismo que atinjam importante migmatização.

O zircão metamórfico nem sempre é analisado por ser geralmente representado por crescimentos de reduzida largura – Os crescimentos de novo zircão de natureza metamórfica rodeando núcleos herdados nem sempre podem ser datados. Uma das causas mais recorrentes diz respeito ao facto desses crescimentos, geralmente concêntricos ou como auréolas em redor do núcleo serem muito estreitas para serem datadas, ou os grãos simples serem demasiado pequenos e serem preteridos. Embora as datações com ablação laser já possam ser efetuadas em alvos com dimensões inferiores a 10 μm, o método escolhido para este tipo de análise é o SHRIMP (ver Apêndice A). Assim sendo, na maioria dos grãos é apenas analisado o núcleo do grão mas não o fino crescimento secundário, ficando por vezes por estimar a idade desse evento metamórfico.

As idades obtidas caracterizam a fonte a partir do qual o zircão foi erodido mas não representam necessariamente a fonte original – Ao selecionar os alvos para análise dos crescimentos de zircão, seja no núcleo ou nas orlas do grão, é necessário ter consciência que os resultados refletem uma distribuição de idades da última fonte do zircão, considerando mais do que um ciclo erosivo ou magmático e, não necessariamente uma distribuição de idade das áreas- fonte originais (Moecher e Samson, 2006). Será particularmente verdadeiro se na zona de estudo existirem fontes heterogéneas, quer em termos de idade, quer de composição química quer em termos de história geológica e evolução geodinâmica.

A amostragem das populações de zircão de cada amostra deve ser aleatória, para que as proporções relativas de cada grupo de idade reflita as proporções relativas das potenciais fontes – Este aspeto é relevante e as suas causas foram já referidas nos pressupostos anteriores, uma vez que resultam das heterogeneidades dos grãos, da localização dos alvos selecionados e da

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aleatoriedade que está associada às escolhas. Pode ser mais fácil identificar, manusear e selecionar os grãos de maiores dimensões em detrimento de outros mais pequenos não cumprindo por isso, o princípio da aleatoriedade. Moecher e Samson (2006) alertam ainda para o cumprimento de um número mínimo de análises que garantam que a representatividade dos grupos pouco representativos (com percentagem relativa inferior a 5%) seja levada em consideração na interpretação dos resultados.

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Capı́tulo III - Enquadramento