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Capı́tulo V Discussão

V- 2 Sienito do Maciço de Sines

Os resultados da geocronologia U-Pb em zircão ígneo dos sienitos do Maciço de Sines (com 90-110% de concordância) mostram que a amostra MS-4 apresenta idades no intervalo ca. 74-87 Ma, enquanto a amostra MS-5 tem idades que variam entre ca. 77-87 Ma, indicando que representam não um único episódio de cristalização de zircão mas sim vários distribuídos por ca. 13 Ma. Ao aplicarmos o Teste K-S às duas amostras (Figura V.10) verificamos que apresentam grande afinidade entre si, o que possibilita que os resultados obtidos para cada amostra possam ser utilizados em conjunto constituindo uma única população. Assim, para o sienito foram obtidos 119 idades U-Pb, dos quais 118 são de idade cretácica, sendo um único grão de idade neoproterozoica (ca. 631 Ma).

Os zircões ígneos analisados são: i) simples, ou seja formados na câmara magmática a partir do mesmo líquido que originou a massa de sienito e durante um único evento de cristalização, ii) compósitos incluindo núcleos relativamente mais antigos relacionados com estádios precoces de cristalização que decorreram poucos milhões de anos antes (antecristal; Miller et al., 2007) ou, num caso, iii) zircões herdados de possíveis fontes bastante mais antigas cristalizadas dezenas a milhares de anos antes e/ou podem também ser zircões arrancados do encaixante (xenocristal). A observação das imagens de catodoluminescência dos zircões do sienito de Sines (Apêndice C, Figuras C.2 e C.3) revela que a maioria representa prismas euédricos a subédricos, angulares a subangulares e prismáticos ou achatados.

A morfologia interna dos zircões é muito característica (ver Figuras IV.18 e IV.22, Capítulo Resultados e Figuras C.2 e C.3, Apêndice C) pois incluem um núcleo que ocupa a maior parte da área do grão, de cor mais escura (maior concentração de U na fase inicial de cristalização), e uma zona mais externa, mais clara, com zonamento geralmente concêntrico, muitas vezes visível apenas nas extremidades do cristal (aqui designado por crescimento apical) (Apêndice C, por exemplo, Figura C.2 - MS-4, A16, B7 e Figura C.3 - MS-5, A15, A17, A26,). Frequentemente, esta zona mais externa não apresenta zonamento oscilatório, mas uma margem de cor branca circundando todo o perímetro do cristal e apenas com zonamento nas faces mais longas paralelas ao eixo maior do cristal (Figura C.3 - MS-5, A60). O núcleo mais escuro também pode ser de menor dimensão, ocupando a zona externa a maior área do grão com zonamento oscilatório a prevalecer, geralmente em cristais mais aciculares (Figura C.2 - MS-4, A29, A42; Figura C.3 - MS-5, A33, B9, por exemplo). Não se observa, na maior parte dos casos, uma transição do núcleo mais escuro para a zona de zonamento oscilatório mais clara que possa sugerir uma pausa no crescimento e eventual dissolução e recristalização de novo zircão. No entanto, verifica-se que na maioria destes zircões as duas zonas (núcleo e auréola de crescimento) apresentam idades distintas mas nunca ultrapassando uma diferença superior a 10

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milhões de anos. Por exemplo na amostra MS-5 (Figura C.3, A30, A31), o núcleo apresenta a idade U-Pb de ca. 78 Ma e a zona mais externa têm ca. 85 Ma (provável perda de chumbo), na amostra MS-4 o núcleo tem ca. 82 Ma e a zona externa tem ca. 84 Ma (Figura C.2, A31 e A32) ou as duas zonas com a mesma idade U-Pb de ca. 80 Ma (Figura C.2, A27 e A28). Alguns grãos apresentam indícios de dissolução (Figura C.2 - MS-4, A4, B29; Figura C.3 - MS-5 A44, A47), o que poderá ser interpretado como períodos de pausa na cristalização entre diferentes pulsos de magma, correspondendo à definição de antecristal (Miller et al., 2007).

Os resultados obtidos para a razão Th/U permitiram caracterizar a composição do magma a partir do qual cristalizou o zircão analisado. A Figura V.6 projeta todos os dados obtidos onde alguns (cerca de 8%) se localizam no campo acima do valor de Th/U=1 indicando que se formaram a partir de um magma máfico mas, na sua maioria (cerca de 92%) os zircões estão associados a magmas de composição félsica a intermédia metaluminoso que correspondem ao campo 0,1<Th/U<1 do mesmo gráfico (Rubatto e Gebauer, 2000; Wu e Zheng, 2004; Lundmark e Corfu, 2008).

Figura V.6 – Gráfico da razão Th/U versus a idade para os zircões ígneos do sienito do Maciço de Sines. A razão Th/U tende a ser baixa em rochas evoluídas, ou seja, tende a diminuir progressivamente durante a evolução dos sistemas graníticos (Corfu, 2013) razão pela qual a descriminação dos tipos de magma em função da razão Th/U deve ser considerada como um

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indicador genérico. Grange et al. (2010) referem que os magmas alcalinos de Sines (e Sintra) terão sido inicialmente de origem mantélica sublitosférica, com composição química muito próxima dos basaltos das cristas médias oceânicas mas terá tido uma importante contaminação do manto litosférico subcontinental.

Se considerarmos o espectro de idades cretácicas da população de zircões ígneos do sienito de Sines (n=118; com concordância 90-110%) notamos que se distribui por um intervalo de aproximadamente 13 milhões de anos entre ca. 87-74 Ma. O pico principal da distribuição Kernel e da distribuição de probabilidade das idades U-Pb surge aos ca. 82 Ma (Figura V.7-A).

Figura V.7 – A – Gráfico da distribuição de Kernel e da distribuição da probabilidade para o conjunto de dados (n=118) do sienito de Sines; B – Diagrama de concórdia para o mesmo conjunto de dados.

A distribuição das duas curvas de probabilidade e de Kernel, que descreve uma curva gaussiana, indica que o início da cristalização de zircão ocorreu aos ca. 87 Ma, atingiu um pico máximo aos ca. 82 Ma e terá terminado aos ca. 74 Ma.

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Ao projetarmos todas as idades num diagrama de concórdia (Figura V.7-B) constatamos que não é possível definir uma só idade de concórdia (obtendo-se, no entanto, uma idade weighted average de 81,15±0,51 Ma), observando-se que as elipses de erro se distribuem e se podem agrupar por vários grupos de idades: aos ca. 80-74 Ma, aos ca. 84-81 Ma e aos ca. 87-85 Ma (Figura V.8).

No primeiro grupo, respeitante aos zircões mais recentes (ca. 80-74 Ma), a idade de concórdia obtida foi de 78±0,4 Ma (MSWD de concordância = 0,0037; probabilidade de concordância = 0,95). No segundo grupo (ca. 84-81 Ma) obteve-se a idade de concórdia aos 82±0,3 Ma (MSWD de concordância = 0,005; probabilidade de concordância = 0,94) e para o terceiro grupo (ca. 87-85 Ma) a idade de concórdia é de 86±0,6 Ma (MSWD de concordância = 0,00037; probabilidade de concordância = 0,98). Com esta divisão em grupos, sugerimos que esta intrusão admitiu uma sucessão de eventos de cristalização de zircão durante um intervalo de aproximadamente 13 Ma e espaçados entre si por ca. 4 Ma.

Num estudo geocronológico anterior sobre o Maciço de Sines, Miranda et al. (2009) apresentaram resultados de datação U-Pb, utilizando o mesmo método (ablação laser), em zircões ígneos do sienito. As idades U- Figura V.8 – Diagramas de concórdia dos três intervalos de

cristalização de zircão dos sienitos do Maciço de Sines.

Idade de concórdia 80-74 Ma

Idade de concórdia 84-81 Ma

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Pb obtidas por aqueles autores variam entre ca. 77-73 Ma (n=18), correspondendo a uma idade média ponderada de 75±0,6 Ma (Figura V.9). Mais tarde, Grange et al. (2010) amostraram o sienito e o gabro do Maciço de Sines e dataram os zircões pelo método de diluição isotópica. Nas duas amostras de gabro as idades obtidas variaram entre ca. 78-77 Ma a partir das médias ponderadas calculadas a partir de frações de zircão: 77±0,6 Ma (5 frações de zircão, MSWD=0,19) e 77±0,4 Ma (9 frações de zircão, MSWD=0,50). Na amostra de sienito usaram sete frações de zircão, e obtiveram idades no intervalo ca. 78-74 Ma, com média ponderada de 76±1,3 Ma (MSWD=2,7). Para comparar as idades publicadas por estes autores com as nossas foram construídas curvas da distribuição de Kernel (Figura V.9). As curvas Kernel mostram importantes diferenças entre o espectro de idades U-Pb dos sienitos amostrados neste estudo (amostras MS-4 e MS-5) e os dos sienitos e gabros estudados por Miranda et al. (2009) e Grange et al. (2010) que apresentam um intervalo de idades mais limitado, confinado a idades mais recentes e também a um menor número de dados.

Figura V.9 - Comparação da distribuição Kernel para as idades de zircão ígneo das amostras MS-4 e MS-5 (presente estudo) e para as obtidas por Miranda et al. (2009) e Grange et al. (2010).

Os resultados obtidos por Miranda et al. (2009) e por Grange et al. (2010) indicam intervalos de idades de zircão mais recentes do que os obtidos para as amostras MS-4 e MS-5 no presente estudo. A aplicação do teste K-S (Figura V.10) utilizando as idades de zircão ígneo das amostras de Miranda et al. (2009), de Grange et al. (2010) e as amostras MS-4 e MS-5, revelou que:

i) a população de zircão ígneo das amostras de sienito MS-4 e MS-5 são compatíveis entre si mas não apresentam afinidade com as populações de zircão ígneo das amostras de sienito e gabro analisados por Miranda et al. (2009) e por Grange et al. (2010), como se pode ver pelo afastamento das curvas cumulativas para as idades mais antigas;

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ii) as populações de zircão ígneo das amostras de sienito e gabro analisados por Miranda et al. (2009) e por Grange et al. (2010) apresentam afinidade entre si, como indica a quase sobreposição das suas curvas cumulativas.

O intervalo de idades total de cristalização de zircão (ca. 87-73 Ma) pode ocorrer se existirem vários episódios de cristalização no Maciço de Sines. As idades de cristalização que se distribuem por três estádios durante aproximadamente 13 Ma podem ser explicadas pelo facto de o processo de cristalização de um magma ser mais lento no interior da camara magmática comparativamente com as zonas marginais onde o arrefecimento é mais eficiente em contacto com as rochas encaixantes mais frias. Miller et al. (2007) citando trabalhos de Bateman e Chappell (1979) e Bateman (1992) referem, como exemplo deste processo de cristalização faseada no tempo, o batólito Cretácico de Tuolumne (EUA) que regista um intervalo de cristalização de magma de cerca de 8-10 Ma, onde os zircões ígneos formados na câmara magmática a partir do mesmo magma podem ser simples e relacionados com um único evento de cristalização ou, serem compósitos incluindo núcleos relativamente mais antigos relacionados com estádios precoces de cristalização que decorreram poucos milhões de anos antes (antecristal; Charlier et al., 2005; Miller et al., 2007; Corfu, 2013).

Figura V.10 – Teste K-S para as idades U-Pb de zircão das amostras de sienito MS-4 e MS-5 (presente estudo) e das amostras de sienito e de gabro do Maciço de Sines estudadas por Miranda et al. (2009) e de Grange et al. (2010). Sienitos/Gabros (a) – Dados conjuntos de Miranda et al. (2009) e de Grange et al. (2010); Sienitos (b) – Dados de Grange et al. (2010); Sienitos (c) – Dados de Miranda et al. (2009).

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As idades de zircões ígneos obtidas no presente estudo e por Grange et al. (2010) e Miranda et al. (2009) para o Maciço de Sines podem ser usadas conjuntamente com as idades obtidas para o Maciço de Sintra e para o Maciço de Monchique para se discutir a paleotectónica do Cretácico e a relação entre a distribuição espacial e temporal do magmatismo alcalino no SW da Ibéria.

Na Figura V.11 estão representadas as idades obtidas por Grange et al. (2010) e por Miranda et al. (2009) para as diferentes espécies petrográficas dos maciços cretácicos de Sintra, Sines e Monchique e, outras ocorrências menores como Ribamar (a norte de Sintra). Os dados de Grange et al. (2010) indicam que a idade de cristalização dos maciços ígneos aumenta de sul (Monchique) para norte (Ribamar). Para estes autores a formação dos maciços cretácicos terá ocorrido durante a migração para noroeste da placa ibérica, que se deslocou sobre uma pluma mantélica, corroborando o modelo proposto por Merle et al. (2006). Estes admitem que a existência de uma pluma mantélica sob a Ibéria é coerente com a rotação sinistrogira da Ibéria proposta anteriormente por Ribeiro et al. (1979). Esta pluma mantélica terá perdurado no tempo estando periodicamente ativa sob a crosta oceânica Atlântica, sob a zona de transição continente-oceano e sob a margem continental da Ibéria (Merle et al., 2006). No entanto, podemos verificar que os intervalos de idade obtidos por Grange et al. (2010) mostram alguma sobreposição temporal entre os três eventos principais, particularmente evidente entre as litologias dos maciços de Sintra e Sines.

Figura V.11 - Gráfico com os intervalos de idades U/Pb obtidas no presente estudo, por Grange et al. (2010) e por Miranda et al. (2009) para os diferentes litotipos dos maciços cretácicos da margem Ibérica.

Para Miranda et al. (2009) as idades obtidas nos Maciços de Sintra e Sines apresentam também alguma sobreposição e não são substancialmente diferentes dos obtidos por Grange et al. (2010). Miranda et al. (2009) admitem a possibilidade de terem ocorrido dois eventos

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magmáticos durante o intervalo de ca. 22 Ma que terá durado o magmatismo alcalino na Ibéria (ca. 94-72 Ma), nomeadamente um primeiro evento aos ca. 94-88 Ma (Sibuet et al., 2004) e um segundo evento aos ca. 75-72 Ma. O primeiro evento estaria relacionado com o processo de abertura do Golfo da Biscaia e consequente rotação sinistrogira da Ibéria, enquanto o segundo evento estaria relacionado com os episódios iniciais de tectónica compressiva Alpina que formaram os Pirenéus e a Cordilheira Bética, bem como com a inversão tectónica das bacias mesozóicas. Verifica-se que as idades obtidas no Maciço de Sintra (ca. 82-76 Ma) caem no intervalo que separa os dois eventos magmáticos propostos enquanto uma parte das idades obtidas para Sines (ca. 73-77 Ma) se incluem no evento mais recente.

A rotação da península está balizada por anomalias magnéticas que indicam que o início do movimento ocorreu aos ca. 118 Ma e o final aos ca. 80 Ma (Sibuet et al. 2004). A ascensão do magma alcalino seria através de descontinuidades na litosfera em zonas de adelgaçamento que se desenvolveriam em função do movimento de rotação da Ibéria (Ribeiro et al., 1979; Terrinha, 1998; Solé et al., 2003). Segundo os dados radiométricos disponíveis o início do processo de cristalização de sienito no Maciço de Sines ocorreu aos ca. 87 Ma, ainda antes de ter finalizado a rotação da Ibéria e, prolongou-se depois de ter terminado esse movimento.

As idades de cristalização de zircão ígneo obtidas no presente estudo, que definem um intervalo de ca. 13 Ma, não suportam o modelo de pluma mantélica argumentado por Grange et al. (2010), porque as idades do Maciço de Sines coincidem com as idades do Maciço de Sintra (Figura V.11).

O magmatismo alcalino Cretácico que não é exclusivo da margem continental, pois está bem representado na crosta oceânica adjacente (Merle et al., 2006), parece ter resultado de uma importante anomalia térmica regional. Esta anomalia térmica terá favorecido condições de fusão mantélica sobre uma extensa área de crosta continental e oceânica tal como sugerem Miranda et al., (2009). A tectónica associada à rotação da Ibéria e consequente compressão Alpina terão criado as condições estruturais para facilitar a ascensão dos magmas alcalinos que formaram os Maciços de Sintra, Sines e Monchique.