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II - 2.1. O zircão na geocronologia U-Pb

O zircão é um constituinte menor mas surge quase sempre na composição da maioria das rochas ígneas (essencialmente ricas em SiO2), sedimentares e metamórficas, sendo o

principal mineral de Zr (Hoskin e Schaltegger, 2003). O facto de o zircão incluir na sua estrutura elementos radioativos permite que seja utilizado para determinações de idade (Corfu et al., 2003; Hoskin e Schaltegger, 2003 entre outros). As características atrás referidas tornaram o zircão num mineral de excelência para servir de base ao rápido desenvolvimento de técnicas de aquisição in-situ de dados isotópicos (utilizando microssondas), bem como à evolução da utilização da imagem construída a partir de feixe de eletrões para observação das estruturas internas e também na melhoria progressiva das técnicas de resolução espacial de análise isotópica (Hoskin e Schaltegger, 2003; Boggs e Krinsley, 2006; Cocherie e Robert, 2008; Frei e Gerdes, 2009).

A rápida evolução do conhecimento da morfologia interna do zircão e da precisão das datações in-situ permitiu mostrar que este mineral pode conter registos de uma série de múltiplos eventos geológicos, que podem ser tanto de alteração (fusão, recristalização) como de formação de novo zircão. Estes registos, eventualmente separados no tempo por milhões ou biliões de anos podem estar registados num único cristal designado de complexo, com um núcleo herdado rodeado por um ou mais crescimentos minerais posteriores (Hoskin e Schaltegger, 2003). Assim sendo, é possível extrair do zircão informação sobre a evolução temporal dos processos que conduzem à génese dos diferentes tipos de rochas onde se encontra este mineral. Nas rochas de natureza metamórfica é possível estudar, através da morfologia interna do zircão, os crescimentos metamórficos (Corfu et al., 2003).

Nas rochas magmáticas conseguem-se descriminar, através da observação da morfologia externa do zircão, diferentes tipologias de crescimento que são típicas de diferentes composições químicas de granitoides (Pupin, 1980) e através da morfologia interna diferentes fases de crescimento magmático na câmara magmática e a presença ou ausência de zircões herdados que resistiram à anatexia ou foram incorporados a partir das rochas encaixantes (Miller et al., 2007). Nas rochas sedimentares detríticas, o zircão por ser altamente resistente e durável aos processos geodinâmicos externos, conservando a informação à idade das suas fontes (Hoskin e Schaltegger, 2003). Convém salientar que é frequente ocorrerem sedimentos onde a concentração de zircão e de outros minerais pesados é favorecida pela dinâmica sedimentar como o exemplo de aluviões (e.g., Best e Brayshaw, 1985) ou de depósitos de praias (e.g., Hughes et al., 2000). O estudo da fração de minerais pesados e do zircão em sedimentos e

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rochas sedimentares permite obter informação sobre as suas fontes (Hoskin e Schaltegger, 2003).

II - 2.2. O decaimento radioativo e a datação absoluta

A datação absoluta que permite precisar a idade de determinada rocha é realizada utilizando os elementos radioativos existentes em determinados minerais e conhecendo detalhadamente todo o processo do seu decaimento, sendo o sistema urânio-chumbo aquele que é mais utilizado por ser considerado bastante robusto. O decaimento radioativo ocorre simplesmente porque os produtos gerados não são estáveis decorrendo o processo até que seja originado um isótopo com núcleo estável (Williams, 1998). Os isótopos naturais de U, o 238U e

o 235U, têm meias vidas de 4,47 Ga e 0,704 Ga respetivamente (e.g., Anderson, 1989), segundo:

238U → 206Pb + 8α + 6β- (T1/2 = 4468 Ma)

235U → 207Pb + 7α + 4β- (T1/2 = 704 Ma) (Anderson, 1989; Davis et al., 2003)

Estes tempos de meia-vida são considerados suficientemente longos para abranger toda a história da Terra, mas também suficientemente curtos para que tanto os elementos radiogénicos parentais como os elementos radiogénicos filhos (206Pb e 207Pb, resultantes do seu decaimento)

possam ser medidos em determinados minerais como é exemplo o zircão (Davis et al., 2003). Como cada decaimento funciona como um processo independente, recorrendo aos dois isótopos de U é possível estimar simultaneamente dois valores de idade numa mesma amostra. Se o sistema se manteve fechado ao U-Pb em termos de mobilidade dos isótopos pai ou filho, então os dois valores de idade obtidos devem ser semelhantes, ou seja, os dois valores obtidos deverão estar em concordância (Corfu, 2013), funcionando como um teste interno de precisão (Davis et al., 2003).

A fórmula que quantifica o decaimento radioativo e permite obter a idade é dada por (Williams, 1998):

D = Po (1-e-λt),

em que D é o número de átomos-filho produzidos durante um intervalo de tempo t, sendo Po o número de átomos radioativos parentais e λ a constante de decaimento para cada isótopo. Esta equação pode ser reescrita em termos da razão entre átomos-filho produzidos e átomos- parentais restantes após um intervalo de tempo t (Williams, 1998), obtendo-se

9 D/P = eλt – 1

O tempo de meia-vida traduz a taxa de decaimento, que está por sua vez relacionado com a constante de decaimento através da expressão (Williams, 1998):

T1/2 = ln 2/λ,

no entanto, a aplicação destas fórmulas nem sempre permite obter dados concordantes nos dois sistemas de decaimento (Parrish e Noble, 2003; Corfu, 2013), devido a ganho ou perda de U ou Pb desde a formação do zircão. O resultado traduz-se então na obtenção de valores discordantes, indicando a abertura do sistema U-Pb. Segundo Wetherill (1956), haverá idades concordantes e portanto, indicadoras da verdadeira idade do mineral em causa, sempre que: i) não ocorreram ganhos nem perdas de U ou de Pb desde a formação do sistema, ou seja, o sistema manteve-se fechado; ii) o mesmo não aconteceu com membros intermédios do esquema de decaimento; iii) as correções da concentração inicial de 206Pb e 207Pb tenham sido corretamente efetuadas; e iv)

tenham sido usados os métodos e parâmetros teóricos corretos. Uma questão recorrente em geocronologia está relacionada com a perda de Pb. A razão isotópica entre os isótopos pai-filho revela alguma dificuldade de cálculo e de precisão, no entanto, a idade do isótopo filho pode ser calculada apenas a partir da sua própria composição isotópica (Davis et al., 2003). É neste ponto que o zircão e a sua composição ZrSiO4 se revestem de primordial importância porque este

mineral contem concentrações de U muito acima da média da rocha onde ocorre. Durante a cristalização de zircão as diferenças de concentração de U e Pb são bastante distintas, embora o zircão seja suficientemente robusto para preservar o seu conteúdo em U original e a concentração de Pb radiogénico acumulado, mesmo em condições geológicas mais extremas, quando se atingem condições de alta temperatura próximas da anatexia (Davis et al., 2003).

As técnicas geocronológicas que utilizam o sistema isotópico U-Th-Pb (U-Pb e Th-Pb) evoluíram muito rapidamente nas últimas décadas (e.g., Parrish e Noble, 2003; Ireland e Williams, 2003; Kosler e Sylvester, 2003; Corfu, 2013), sempre com o objetivo de aumentar a sua precisão, mas também no sentido de desenvolver instrumentação que permita testar amostras com cada vez menores dimensões e refinar a sua aplicação in-situ, incluindo a possibilidade de descriminar crescimentos diferentes de um único cristal/grão (Davis et al., 2003). Esta capacidade de resolução espacial é de grande importância sempre que a morfologia interna do zircão mostre zonamentos que indicam processos de crescimento sucessivos no tempo. No Apêndice A, apresenta-se uma resenha histórica da evolução da geocronologia e dos métodos de datação utilizados em zircão.

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II - 3. Estado da arte da aplicação a estudos de proveniência