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Estado dos Cidadãos Subordinação do Direito Tributário ao Quadro Jurídico da Pessoa

É inerente ao estado de direito a busca do cidadão pela implementação da democracia participativa e a transparência das questões relacionadas à tributação, ao sistema tributário e aos órgãos de tributação, arrecadação e fiscalização, e cabe ao Estado, no seu papel de poder de império, o dever constitucional de manter uma relação aberta com o contribuinte, tendo em vista que é dele que o poder emana.

No estado dos cidadãos, o que se busca é manter a integridade do cidadão-contribuinte à luz dos direitos fundamentais, visto que no estado democrático de direito há princípios jurídicos que afiançam um poder de império ao Estado, mas igualmente há princípios específicos que atuam como limitações ao poder de tributar e protegem os direitos e garantias de todos os cidadãos.

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Diogo Leite de Campos161, quando trata do direito dos impostos, aponta que o direito tributário deve ser mais garantista, nos mesmos moldes do processo criminal e do processo civil, e deve “[...]subordinar os impostos ao quadro jurídico produzido pela pessoa humana em sociedade e animado desde logo por um conjunto de direitos fundamentais”.

Nessa perspectiva, o estado de direito, além de limitar os poderes públicos e garantir o império das leis como expressão da vontade popular, deve estar totalmente alinhado ao conjunto de direitos fundamentais, de forma que o contribuinte, sujeito passivo da obrigação tributária, deve cumprir sua obrigação de pagar os impostos, enquanto o Estado, sujeito ativo da obrigação, deve administrar recursos públicos adequadamente e na legalidade, sempre em prol do interesse público, concretizando, destarte, os direitos fundamentais.

Notemos que o tributo possui uma função socioeconômica, uma vez que os valores por ele arrecadados são destinados à consecução do bem comum, tais como os direitos sociais, "a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social e a assistência social." 162

O desempenho de tais funções é açambarcado pelo Estado através do recolhimento dos tributos, principal fonte de financiamento do poder público. Além disso, a normatização para a instituição e cobrança dos tributos deverá sempre estar encartada nos sistema tributários, o que deveria ocorrer, em tese, no Brasil e em Portugal.

Igualmente, o poder dos governantes, gestores do Estado, não pode ficar limitado à vontade individual quando se trata de instituição e cobrança dos tributos, tampouco pode expressar a vontade de alguns grupos econômicos ou políticos, porquanto é absolutamente inadmissível no estado democrático de direito que tais interesses sobreponham-se ou restrinjam interesses da coletividade.

Nesse sentido assevera Paulo Bonavides: “[...] O povo é paradoxalmente, nas leis, no discurso do poder, nos atos executivos, na política desnacionalizadora, nas privatizações irresponsáveis e nos canais da mídia, um dos bloqueios à democracia de libertação[...]”.

A atuação do Estado, ao adentrar na esfera patrimonial dos cidadãos, deve respeitar os direitos e as garantias fundamentais, assegurar o direito de liberdade e igualdade das pessoas de gerir a própria vida, com o fim de atender ao objetivo maior da Constituição (brasileira e portuguesa), que é o de proporcionar aos cidadãos uma vida digna, pautada na moral e na ética.

Logo, quando o Estado confere ao cidadão este ou aquele modelo de cobrança tributária dentro de um sistema tributário, esse deve refletir os cenários da economia e da sociedade.

161 CAMPOS, Diogo Leite de – O Sistema Tributário no Estado dos Cidadãos. Coimbra: Portugal. Ed. Almedina. p.

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162

Constituição da República Federativa do Brasil [em linha]. Brasil (5-10-1988) [Consult. 23 de mar. De 2015].

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Nessa perspectiva, da mesma forma que os tributos são essenciais para promover o crescimento econômico e o desenvolvimento social do país, o respeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadão guardam a ordem social.

Assim, busca-se no estado dos cidadãos que o sistema tributário esteja subordinado ao quadro dos diretos fundamentais, pois o poder de tributar, sob a ponto de vista de um estado democrático de direito, deve concretizar direitos e garantias fundamentais dos seus cidadãos, a fim de promover a justiça social e obter a dignidade para todos os indivíduos. Ou seja, o Estado, ao instituir o tributo, deve observar os princípios estruturais constantes da Constituição e adotar, além das normas do sistema tributário, a imperatividade da república, o federalismo, o regime democrático, o respeito à cidadania e a valorização da dignidade humana e do trabalho163.

Infelizmente, verificamos que, quando ocorre essa condição vem sendo concretizada pelo Judiciário, por meio de interpretação constitucional do direito tributário à luz da valorização da dignidade humana e da cidadania.

O tributo não é mais o meio financeiro que o Estado utiliza para cumprir sua missão institucional de garantir desenvolvimento econômico, segurança, saúde, educação, lazer e fazer funcionar a máquina administrativa. O tributo é o elemento necessário para fortalecer os princípios democráticos.164

Destarte, o interpretar, no direito tributário, deve buscar o valor de Justiça nele contido. Os direitos da cidadania e o respeito à dignidade humana devem ser respeitados de modo absoluto pelo Estado, não ficando limitados à proteção da liberdade, mas também aos princípios da segurança jurídica, legalidade, da moralidade, da capacidade contributiva, da uniformidade, do não confisco, da razoabilidade, da proporcionalidade e dos fins para os quais o Estado foi constituído.

Todos esses princípios acima arrazoados determinam que o tributo cobrado e recolhido tenha destinação voltada ao atendimento das necessidades dos cidadãos, assim como na entrega de uma prestação jurisdicional com célere, segura e do modo mais econômico possível.

De tal modo, se o Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário) atuar de forma adequada quanto ao direito, na elaboração, na instituição e na interpretação, a tributação será um importante instrumento de desenvolvimento político, social e econômico, a fim de se valorizar as estruturas da

163 “São os tributos, conforme já dito no tópico primeiro, um dos meios mais eficientes de orientar e dirigir a atividade

econômica, a cargo do particular, para que e a mesma possa traduzir-se em benefícios para todos os segmentos da sociedade. A experiência histórica do liberalismo econômico provou a imperatividade da intervenção do Estado no domínio econômico. Entretanto, esta mesma experiência, dentro do Estado Social, demonstrou a ineficiência de uma intervenção direta na economia. Com este respaldo histórico, faz-se urgente que a atividade tributante atual ultrapasse os limites meramente fiscais e se converta em um instrumento de política socioeconômica por parte do Estado”. (BOTELHO, Werther – Da Tributação e Sua Destinação. Belo Horizonte: Editora Del Rey. 1994. p. 35).

164“[...] não se pode conceber o Estado Democrático de Direito dissociado de uma tributação com finalidades amplas,

extrafiscais, que não se resumam na mera fiscalidade”. (BOTELHO, Werther – Da Tributação e Sua Destinação. Belo Horizonte: Editora Del Rey. 1994. p. 35).

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cidadania e fortalecer a dignidade do cidadão. Haverá, assim, o tão almejado respeito do Estado pelo homem, de modo que o princípio da necessidade de uma convivência social restaria plasmado no bem-estar, tornando ultrapassada a visão de que a exação fiscal é mecanismo dirigido apenas ao aumento de receitas.

Portanto, considerando que, pela ausência de um trabalho eficaz dos Poderes Executivo e Legislativo o Judiciário tornou protagonista dessa almejada democracia, assumindo a posição de defensor dos direitos das pessoas, temos que o processo de criação do direito pelo Judiciário - até mesmo pelo ativismo judicial -, deve contar com meios de integração para com a sociedade, fazendo com que a participação popular efetivamente aconteça, seja por meio da mídia com o acesso à informação, seja discutindo o direito por meio das consultas públicas ou a intervenção do

amicus curiae.

Sob essa perspectiva, por mediação do Judiciário, busca-se discutir a segurança jurídica na criação do direito e, especificamente, a estabilidade das relações nos processos de alteração da jurisprudência já consolidada pelo próprio Poder Judiciário, motivo pelo qual se apresentam nos capítulos seguintes os conceitos de jurisprudência, a teoria dos precedentes e as consequências que a alteração da interpretação do direito podem ensejar para a sociedade caso não seja preservada a segurança jurídica.

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4 – DESLOCAMENTO DA DEMOCRACIA DA BASE DO ESTADO PARA A JUSTIÇA. PAPEL DO JUDICIÁRIO PARA A PRESERVAÇÃO DA SEGURANCA JURÍDICA

Conforme ponderado no capítulo anterior, caso o Estado atuasse de forma adequada na elaboração e interpretação do direito tributário, a tributação seria um instrumento de desenvolvimento positivo para a concretização da cidadania e fortalecimento da dignidade humana. Nesse cenário, o Poder Executivo está sempre buscando leis que permitam arrecadar mais e mais, sem nenhuma preocupação com a situação dos cidadãos, ou a concretização dos direitos fundamentais. Ao mesmo tempo, o Legislativo é quase sempre subserviente ao Executivo e não traduz a vontade popular, legítima detentora do poder de criar o direito.

Diante dessas omissões, surge o Poder Judiciário como freio desse sistema tributário totalmente falido e desvirtuado do estado democrático de direito, o que denominamos de deslocamento da democracia da base do Estado para a justiça. Notemos que tal fato ensejou que o Judiciário saísse de coadjuvante para protagonista no cenário de ineficácias e frustrações das expectativas legítimas dos cidadãos.

Com efeito, quando o Judiciário cria a norma jurídica concreta, através de suas interpretações, ou até mesmo quando ocorre o ativismo judicial, este atende ao ideal da vontade do povo e tem o dever de preservar a segurança jurídica, que deve ser preservada neste longo caminho de construção dos precedentes/jurisprudência como fonte de direito e justiça.

Dessa forma, observamos que a atuação do homem de se auto-organizar e dispor de seus bens não está limitada apenas na lei criada pelo legislativo, que pressupõe ser da vontade do povo, mas também na norma jurídica concreta cunhada pelo Poder Judiciário, motivo pelo qual o estudo da jurisprudência e precedentes é indispensável para entendermos a construção do direito e enseja na manutenção da estabilidade social e na garantia de segurança jurídica como condições de efetivação dos direitos fundamentais.