• Nenhum resultado encontrado

Estado e luta de classes no contexto da ortodoxia neoliberal: implicações para a política pública educacional

1 O DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA E A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL: As diferentes formas de subordinação do trabalho ao capital e suas

2 O ESTADO, A POLÍTICA PÚBLICA E A EDUCAÇÃO DOS TRABALHADORES NOS DIFERENTES PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA NO

2.2 Estado e luta de classes no contexto da ortodoxia neoliberal: implicações para a política pública educacional

A adesão do Estado brasileiro ao projeto neoliberal já era sinalizada em algumas políticas dos governos militares desde meados da década de 1960, conforme explicitamos em capítulo anterior. Entretanto, foi a partir da abertura democrática em 1984, com os governos Sarney, Collor e Itamar Franco, que se efetivou a reorganização do Estado de acordo com os pressupostos neoliberais, principalmente por meio de políticas de ajuste fiscal e da privatização de estatais. Por sua vez, o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), que se inicia em 1994, além de dar continuidade a essas políticas, consolidando a reforma do Estado na perspectiva neoliberal, promoveu uma maior racionalização e modernização de

sua gestão de acordo com os moldes da ‘Nova Gestão Pública’124.

O governo FHC, que durou dois mandatos (1995-2002), foi marcado pela conquista da estabilidade econômica a partir do Plano Real, pela introdução de um modelo de gestão assentado na descentralização, pelas privatizações de estatais e pelas políticas sociais como o Bolsa Escola, que mais tarde se tornaria o Bolsa Família. De modo geral, as políticas neoliberais de FHC foram inspiradas nas experiências de Thatcher, na Inglaterra, e Reagan, nos Estados Unidos.

Apesar de apresentarem distinções, os governos de Thatcher e Reagan seguiram ações comuns, como a contração da emissão monetária, a elevação das taxas de juros, a redução dos impostos sobre rendimentos altos, bem como impuseram uma nova legislação sindical, privatizaram estatais e cortaram gastos sociais (ANDERSON, 1995). Foi a partir de seus governos que o neoliberalismo, que desde a década de 1940 e início de 1950 havia emergido no plano teórico, pautado

124 A ‘Nova Gestão Pública’ é um modelo de gestão muito difundido desde a década de 1980.

Fundamentada na racionalidade instrumental e técnica, visa o atendimento das demandas com o uso mínimo de recursos e com a máxima eficiência administrativa, ou seja, tem por objetivo fazer mais e melhor com menos. A ‘Nova Gestão Pública’ busca também reconfigurar o comprometimento e a responsabilização dos sujeitos, que passam a ser considerados ‘colaboradores’. Como se observa, é um modelo de gestão adequado ao estágio da acumulação flexível.

110 centralmente na crítica ao Estado intervencionista, conquistou sua hegemonia no plano político-ideológico e, conforme destaca Anderson (1995), passou a influenciar

as ações de diferentes governos125.

Embora a expansão das políticas neoliberais em âmbito internacional represente uma influência importante para sua implementação nos países periféricos e os acordos internacionais tenham cumprido uma função importante nesse

processo126, é preciso considerar o papel que também cumpriram os Estados

nacionais. Contrariando as perspectivas que apontam um movimento voluntarista de globalização ou de globalização que se impõe irremediavelmente de fora para dentro

das nações, Chesnais (1996,p. 34) destaca que

[...] o desaparecimento de certa especificidade dos mercados nacionais e a destruição, para muitos Estados, da possibilidade de levar adiante políticas próprias, não são consequência mecânica da globalização, intervindo como processo “externo”, sempre mais coercitivo, impondo a cada país, a seus partidos e a seus governos uma determinada linha de conduta. Sem a intervenção política ativa dos governos Thatcher e Reagan, e também do conjunto dos governos que aceitaram não resistir a eles, e sem a implementação de políticas de desregulamentação, de privatização e de liberalização do comércio, o capital financeiro internacional e os grandes grupos multinacionais não teriam podido destruir tão depressa e tão radicalmente os entraves e freios à liberdade deles de se expandirem à vontade e de explorarem os recursos econômicos, humanos e naturais, onde lhes for conveniente.

Desta forma, o autor enfatiza que as reformas dos Estados nacionais foram fundamentais para a consolidação do projeto neoliberal. Ainda que essas reformas apresentem particularidades de acordo com o contexto de cada país, de modo geral defendiam que a raiz da crise estava no poder excessivo dos sindicatos e do movimento operário por suas pressões pelo aumento de salários e gastos sociais do

125 A Guerra Fria, segundo Anderson (1995), foi um impulso significativo para as ideias neoliberais

que pregavam também o anticomunismo, o que também contribuiu para fortalecer o predomínio da nova direita na América do Norte e na Europa. O neoliberalismo surgiu como uma reação ao Estado de bem-estar europeu e ao New Deal estadunidense diante da necessidade do modelo capitalista em ajustar o modo de produção, tendo em vista uma maior acumulação. O texto de origem do neoliberalismo foi “O caminho da servidão” de Friedrich Hayek, escrito em 1944. Trata-se de um ataque aos mecanismos de controle do mercado por parte do Estado, vistos como um ataque à liberdade tanto econômica quanto política. Além de Hayek, foram também defensores do neoliberalismo: Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins, Ludwig Von Mises, Walter Eupken, Walter Lipman, Michael Polanyi, Salvador de Madariaga, entre outros. Segundo Anderson (1995), a ideologia neoliberal atingiu tanto governos de direita como de esquerda em diferentes regiões do planeta, implicando uma ampla variação de experiências.

126 O ‘Consenso de Washington’ é um exemplo do processo de indução externa das políticas

111 Estado127. Para solucionar o problema, os neoliberais indicavam a necessidade de um Estado forte para romper com o poder dos sindicatos e que o Estado não deveria atuar nas intervenções econômicas e nos gastos sociais. Além disso, afirmavam que a estabilidade monetária deveria ser o objetivo maior do governo, mantendo uma disciplina orçamentária, contendo gastos com bem-estar e restaurando a taxa natural de desemprego que, por sua vez, cria o exército de reserva e quebra a atuação dos sindicatos. As reformas fiscais, com a redução de impostos sobre as rendas e os rendimentos mais altos, eram também recomendadas como incentivo aos agentes econômicos (ANDERSON, 1995).

Ao adotar tais medidas, o projeto neoliberal teve profundas implicações na luta de classes do período. Para compreender essas implicações, é importante considerar que, como enfatiza Anderson (1995), o modelo neoliberal, em suas diversas variantes, difere muito do modelo liberal clássico.

Uma dessas diferenças fundamentais se expressa no plano teórico e político e se refere à forma como a igualdade é projetada, o que, ao nosso ver, incidirá na forma de atuação do Estado e no direcionamento e na caracterização de suas políticas. Segundo Vieira (2007), o contratualismo do passado era engendrado na

perspectiva da liberdade e da igualdade social, fundamentado na razão128 e no

direito universal. No neoliberalismo, o novo contratualismo não se inclina a esse compromisso, uma vez que admite a impossibilidade da igualdade na sociedade

capitalista129. Assim, propõe apenas pôr em ordem a desigualdade, o que configura

um novo contrato assentado na perspectiva de minimalismo social, ou seja, equidade sem igualdade. Diferentemente do conceito de igualdade, equidade significa a redução da desigualdade somente quando essa não trouxer desvantagens para outros, ou seja, desde que não apresente a possibilidade de alterar a estrutura social desigual. Além disso, a ampliação da desigualdade é vista

127 Os neoliberais defendem que os benefícios sociais e os direitos trabalhistas elevam os custos do

trabalho e dificultam o crescimento do número de empregos, portanto, pregam a diminuição das contribuições sociais por meio da privatização dos programas de política social.

128 Como afirmamos anteriormente, embora não tenha sido esse o objetivo, ao buscar a afirmação

das diferenças no âmbito cultural, algumas das teorias da agenda pós-moderna acabaram servindo para justificar a desigualdade no âmbito econômico e político como algo positivo e para o rompimento com a perspectiva racional moderna de busca da igualdade.

129 Os defensores do neoliberalismo afirmavam que o igualitarismo, promovido pelo Estado de bem-

estar social, destruía a liberdade dos cidadãos e ameaçava a concorrência da qual, segundo eles, depende a prosperidade humana. Assim, afirmavam que a desigualdade é um fator não só positivo como necessário ao desenvolvimento (ANDERSON, 1995).

112 como mecanismo impulsionador da competição que, segundo os defensores do neoliberalismo, qualifica o sistema (VIEIRA, 2007).

Como afirma Vieira (2007), para a ortodoxia neoliberal, a miséria humana não constitui violação de direitos, pois justifica-se pela falta de aptidão pessoal, desventura ou exclusão do mercado. Isso significa que a perspectiva neoliberal

reforça o mito da meritocracia130 muito difundido no âmbito das políticas

educacionais.

Como destacamos no capítulo anterior, embora o projeto neoliberal afirme que uma de suas distinções em relação ao projeto neodesenvolvimentista está na maior ou menor intervenção do Estado na economia, conforme destacou Katz (2016), o que de fato se difere é a forma como se dá essa intervenção em cada um desses projetos. A atuação do Estado nunca deixou de ser fundamental para a reprodução do modo de produção capitalista. No projeto neoliberal os discursos de não intervenção estatal servem para omitir o financiamento estatal ativo dos capitalistas e para legitimar o desamparo dos desprotegidos.

Esses discursos foram fundamentais para justificar as políticas neoliberais que, como destaca Anderson (1995), atingiram grande parte dos objetivos que se propuseram a alcançar, sobretudo, a ampliação da desigualdade com desemprego em massa e redução de salários.

Entretanto, o neoliberalismo não foi capaz de restaurar as taxas de crescimento com a estabilidade que tinham antes da crise de 1970, uma vez que a desregulamentação financeira criou condições mais propícias para o investimento no setor especulativo e, assim, a recuperação de lucros não resultou em recuperação dos investimentos na produtividade. Com isso, o comércio mundial de mercadorias reais diminuiu e o Estado se viu obrigado a aumentar os gastos sociais

(ANDERSON, 1995).

Contudo, mesmo diante de um quadro de profunda recessão que ampliou significativamente a dívida pública de vários países na década de 1990, a ideologia neoliberal não foi afetada significativamente, ao contrário, como afirma Anderson

130 Como destaca Souza (2017), em grande medida, o mito da meritocracia se sustenta no

rompimento com a perspectiva analítica que se fundamenta na categoria de classe social. Segundo o autor, “sem a ideia de classe e o desvelamento das injustiças que ela produz desde o berço, temos a legitimação perfeita para o engodo da meritocracia individual do indivíduo competitivo” (SOUZA, 2017, p. 84).

113 (1995), alcançou um grau de êxito que não era sequer esperado por seus fundadores, uma vez que hegemonizou a ideia de que

[...] não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a suas normas. Provavelmente nenhuma sabedoria convencional conseguiu um predomínio tão abrangente desde o início do século como o neoliberal hoje. Este fenômeno chama-se hegemonia, ainda que, naturalmente, milhões de pessoas não acreditem em suas receitas e resistam a seus regimes (ANDERSON, 1995, p. 12).

A hegemonia das ideias neoliberais permeou as políticas públicas, especialmente as políticas educacionais. Peroni (2015, p. 16) destaca que essa hegemonia pode ser percebida em um processo que a autora denomina de “naturalização do possível”, que trata da substituição da ideia de direitos sociais para todos e com qualidade e que passa a priorizar políticas focalizadas, destinadas principalmente às populações consideradas em vulnerabilidade social, como medida “para evitar o caos social”.

Além do caráter assumido pelas políticas públicas do período, os meios de comunicação de massas representaram um reforço importante para a hegemonia das ideias neoliberais ao difundirem a ideia conformista de que não há possibilidade de superação da desigualdade e que, portanto, o possível é apenas amenizar suas consequências mais imediatas. Esses aspectos, somados aos condicionantes econômicos que configuraram o contexto da informalidade, como demonstramos em capítulo anterior, contribuíram para a conformação de uma significativa desmobilização da classe trabalhadora que, de modo geral, passou a atuar em torno de pautas mais específicas e pontuais.

Algumas particularidades do desenvolvimento latino-americano são

fundamentais para a compreensão da forma específica que a luta de classes, a reforma do Estado e as políticas públicas assumiram no continente durante esse

período131. Como demonstramos no capítulo anterior, um aspecto importante nesse

131 Vieira (2007), ao constatar essas particularidades, afirma que o que ocorreu na América Latina a

partir das décadas de 1980 e 1990 não pode ser compreendido como um ‘neoliberalismo puro’, mas sim como um ‘neoliberalismo tardio’ que resultou de diretrizes elaboradas por organismos internacionais em conjunto com organismos nacionais, quando o neoliberalismo já havia terminado ou entrado em descrédito nos países centrais. Diferentemente de Vieira (2007), interpretamos que o neoliberalismo latino-americano, assim como outros projetos de desenvolvimento do capitalismo, é resultado do desenvolvimento ‘desigual e combinado’ do sistema, que implica considerar as especificidades de cada contexto, conforme explicitamos com base em Trotsky, no primeiro capítulo.

114 sentido diz respeito ao fato de a América Latina ter mantido seu papel como exportadora de produtos básicos no mercado internacional. Segundo Katz (2016), esse aspecto reforça a conversão da velha burguesia nacional em burguesia local, pois ela, ao priorizar a exportação, passa a defender políticas que reduzem os custos de produção e exportação em detrimento de políticas que ampliem o consumo132.

Outra particularidade do neoliberalismo latino-americano é o fato de surgir como uma reação ao antigo desenvolvimentismo, às lutas anticoloniais e à perspectiva nacionalista, e para isso contou com a adesão das burguesias nacionais. Segundo Katz (2016), os neoliberais atribuem o atraso do desenvolvimento latino-americano ao atraso de certas estruturas, entre elas o Estado. Além disso, afirmam que os padrões culturais tradicionais resultam na dificuldade de emergirem valores característicos do empreendedor contemporâneo.

Assim, no contexto latino-americano, o neoliberalismo, de modo geral, além de contribuir para a negação do socialismo como uma possibilidade histórica e diminuir a influência da esquerda, contribuiu também para a descaracterização do

nacionalismo radical133 inspirado na Revolução Cubana e nas lutas anticoloniais que

possuem grande importância na resistência popular no continente (KATZ, 2016). Desse modo, “[...] aprofund[ou] uma tradição conservadora de hostilidade com as maiorias; retom[ou] o desconhecimento da opressão racial, o preconceito com o indigenismo e a desqualificação dos movimentos populares” (KATZ, 2016, p. 145),

132 Katz (2016, p. 29) considera que a inserção do México, do Brasil e da Argentina no G-20 marca

um salto na relação das burguesias nacionais com o capital estrangeiro, entretanto, ressalta que se trata de uma cooperação antagônica, que combina o estreitamento das relações com a manutenção das diferenças entre o “sócio maior do norte” e o “empresário menor do sul”. Além disso, destaca que se consolida uma subordinação maior da burguesia nacional ao capital estrangeiro, que exige a renúncia da primeira em realizar transformações progressistas.

133 Segundo Katz (2016), o neoliberalismo equiparou as diferentes perspectivas de nacionalismo

presentes na América Latina, advertindo que o nacionalismo seria um reduto de lideranças corruptas e atribuindo um conteúdo reacionário a todo e qualquer nacionalismo. Ao não fazer a distinção entre o nacionalismo conservador e os nacionalismos anti-imperialistas, a perspectiva neoliberal visa sufocar as tradições anticolonialistas. Como já demonstrara Trotsky (1969) em seus ‘Textos sobre América Latina y la Cuestión Nacional’, é preciso distinguir os tipos de nacionalismos, aqueles que se alinham com o imperialismo e aqueles que defendem a autodeterminação nacional como forma de enfrentamento ao imperialismo, como as lutas anticoloniais também citadas por Katz (2016). Segundo Trotsky (1969, p. 243), “denegar el derecho de las naciones a la autodeterminacion equivale, en efecto, a ofrecer ayuda y alivio a los imperialistas contra sus colonias y, em general contra todas las nacionalidades oprimidas”.

115 fortalecendo a visão do colonialismo como processo civilizatório de povos bárbaros134.

Esses fatores, além da reestruturação produtiva que se iniciou nos anos 1980, contribuíram para a perda de força política da classe trabalhadora, o que, especialmente no Brasil, distanciou ainda mais a possibilidade de ruptura com a via passiva, dificultando a realização e a luta por reformas radicais (OLIVEIRA, 2003) e ampliando a confiança da esquerda na possibilidade dessas reformas por meio da institucionalidade.

No entanto, mesmo nesse contexto desfavorável para as lutas populares, o período neoliberal, especialmente a década de 1990, contou com significativos movimentos de resistência no Brasil. Os movimentos sociais do campo, especialmente, estiveram à frente de mobilizações que, além da luta pela terra, incorporaram pautas como a luta contra os transgênicos, contra o uso de agrotóxicos, pela soberania alimentar, pelos direitos das mulheres, pela preservação ambiental, pelo direito de acesso à educação pública, entre outras.

Além do MST, vinculado à Via Campesina,135 outros importantes movimentos

sociais contribuíram para um redimensionamento do debate político, teórico e social na América Latina nesse período, como os Zapatistas no México, os indígenas na Bolívia, os Pachakutik no Equador, entre outros. As ações desses movimentos pautaram-se pela defesa do protagonismo popular e pelo enfrentamento às formas de espoliação dos camponeses diante das políticas sugeridas pelo BM, pelo FMI e pela OMC para a América Latina (SANTOS, 2016).

Cabe destacar que foi também o período de ampliação da atuação política via institucional por parte dos grandes proprietários de terra no Brasil, que desde o período do Império combatem as diferentes organizações dos trabalhadores utilizando-se das políticas e dos regulamentos do Estado como importantes elementos para isso. Um exemplo da organização dos ruralistas para a determinação das políticas que favorecem ao agronegócio na atualidade é a União

134 Como exemplo desse processo, Katz (2016) cita o sufocamento da tradição combativa de Tupac

Katari na luta indigenista contra o colonialismo e da retomada do indigenismo atual pelas demandas de igualdade política e cultural dos povos andinos.

135 A Via Campesina, originada em 1992 durante o ‘Congresso da União Nacional de Agricultores e

Pecuaristas (Unión Nacional de Agricultores y Granaderos – UNAG)’ na Nicarágua, é uma organização internacional composta por diversos movimentos sociais camponeses e tem por objetivo articular em nível internacional as ações dos povos do campo.

116 Democrática Ruralista (UDR) que, criada em 1985, tem se encarregado, junto aos diferentes governos brasileiros da estratégia, de nomear seus representantes para ministros dos setores estratégicos para o agronegócio e para a defesa do direito à

propriedade136 (SANTOS, 2016).

Além disso, desde a abertura democrática, tem sido eleito um número significativo de deputados e senadores representantes do agronegócio, a

popularmente denominada bancada ruralista137. A agenda política dos ruralistas tem

como principais bandeiras a defesa do perdão de dívidas do agronegócio, a expansão de terras agricultáveis em oposição à ampliação de reservas indígenas e de reservas ambientais, entre outras políticas de financiamento público e isenções fiscais. A atuação dos ruralistas tem apresentado forte influência nas políticas estatais voltadas para o campo.

Conforme destaca Santos (2016), as políticas do governo FHC, algumas delas orientadas e financiadas pelo BM, como o PRONAF, o Programa ‘Novo Mundo Rural’ e o ‘Cédula da Terra’138, além de exemplificar a influência hegemônica do paradigma do capitalismo agrário no projeto de desenvolvimento do campo, como demonstramos anteriormente, representaram uma nova relação entre Estado e movimentos sociais. Ao implementar a política de compra e venda da terra para os trabalhadores, essas políticas visam acabar com as ocupações de terra que estavam se expandindo naquele período, ao mesmo tempo que buscam criminalizar

os movimentos sociais139, inibindo formas de atuação combativas.

136 Como exemplos, Santos (2016) cita a nomeação de Antônio Cabrera para ministro da agricultura

no governo Collor e de Kátia Abreu para o mesmo ministério no período do governo Dilma. Poderíamos citar ainda a nomeação de Blairo Maggi para o ministério da agricultura durante o governo de Michel Temer (2016-2019) e Tereza Cristina da Costa Dias, que assumiu o ministério em 2019.

137 Nas eleições de 2018, houve uma redução no número de deputados e senadores da banca

ruralista eleitos ou reeleitos. No entanto, essa continua sendo uma das bancadas mais numerosas e influentes na câmara federal e no senado.

138 O governo FHC, pressionado pelas crescentes manifestações dos movimentos camponeses,

especialmente após os massacres de Corumbiara em 1995 e de Eldorado dos Carajás em 1997, instituiu programas de crédito e assistência técnica para os trabalhadores rurais. Especialmente a partir do seu segundo mandato, suas políticas voltadas ao meio rural buscaram transformar os pequenos produtores em ‘empreendedores rurais’, de modo a integrarem-se à competitividade do mercado. Para tanto, os programas ‘Novo Mundo Rural’, ‘Banco da Terra’ e ‘Cédula da Terra’ constituíram medidas de contenção dos conflitos agrários, pois buscaram transferir a reforma agrária do âmbito dos embates políticos para o âmbito do mercado.

139 O processo de criminalização dos movimentos sociais tem se apresentado pelas práticas de

perseguição e prisão arbitrária de lideranças sociais, a judicialização das ações dos movimentos sociais, a grande campanha de desqualificação das ações de resistência caracterizadas como atos de terrorismo nas mídias de massa, entre outras práticas que não apenas constroem um ideário

Outline

Documentos relacionados