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1 O DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA E A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL: As diferentes formas de subordinação do trabalho ao capital e suas

2 O ESTADO, A POLÍTICA PÚBLICA E A EDUCAÇÃO DOS TRABALHADORES NOS DIFERENTES PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA NO

2.3 A nova aliança de classes e a política de ‘consensos’ do Estado no período neodesenvolvimentista

A influência da ortodoxia neoliberal nas políticas públicas brasileiras, além de contribuir para o aumento significativo da desigualdade social, com as reformas propostas por seu programa, em alguma medida prejudicou também alguns segmentos das classes dominantes ligados aos setores produtivos da economia.

Com a crescente organização de movimentos sociais no período147 e o

146 Ao destacar a forte influência dos organismos internacionais nas políticas públicas educacionais a

partir dos anos 1990, Leher (2010) afirma que o Banco Mundial se tornou uma espécie de ministério da educação para os países periféricos.

147 Nesse período, a forte atuação do MST e da Via Campesina, a organização da ‘Consulta Popular’,

a emergência do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD) e do Levante Popular da Juventude, além da realização dos Fóruns Sociais Mundiais em contraponto ao Fórum Econômico Mundial de Davos, foram elementos que expuseram as implicações do neoliberalismo no agravamento das desigualdades sociais e contribuíram para um amplo movimento de desgaste desse projeto.

123 descontentamento de alguns setores da burguesia interna, já no final da década de 1990 e início dos anos 2000, começa a se delinear uma nova configuração da aliança de classes no Brasil. Essas condições criaram o cenário favorável para a construção de uma frente política que abarcasse os setores que acumulavam críticas ao projeto neoliberal (BOITO JR., 2016).

Boito Jr. (2012) destaca que instrumentos políticos da classe trabalhadora como o Partido dos Trabalhadores (PT), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que desde a década de 1980

começaram a se organizar, foram importantes impulsionadores de uma ‘frente

política neodesenvolvimentista’, que começou a se conformar a partir da segunda

metade da década de 1990148.

Como expõem Singer (2015), a coalizão de diferentes frações de classe que se formou no período tinha em comum a meta de acelerar o ritmo de crescimento por meio de uma intervenção do Estado que permitisse a reindustrialização e uma distribuição de renda mais rápida. Essa coalizão ‘produtivista’, que reunia os empresários industriais e a fração organizada da classe trabalhadora, tendo também o suporte do subproletariado, opunha-se à coalizão ‘rentista’, formada pelo capital financeiro e pela classe média tradicional. A coalizão rentista representava o receituário neoliberal, com um programa articulado aos interesses do grande capital internacional sob a liderança geopolítica dos Estados Unidos (SINGER, 2015).

A frente neodesenvolvimentista que chegou ao governo com a eleição de

Lula da Silva149, por sua vez, caracterizava-se por uma aliança de classes e por um

programa que, segundo Boito Jr. (2016), não permitia que fosse denominada populista ou que fosse identificado com o antigo desenvolvimentismo.

A atuação do Estado durante o governo Lula da Silva, eleito em 2002, tornou explícita as distinções entre as políticas do antigo e do novo desenvolvimentismo. Lula promoveu mudanças significativas na atuação do Estado e de suas políticas

148 Boito Jr. (2012), afirma que ao categorizar a frente desenvolvimentista está considerando basicamente os conflitos de classe, uma vez que eles predominam na sociedade brasileira atual. No entanto, destaca que há conflitos que transcendem e atravessam o conflito de classe, como a luta das mulheres, do movimento negro, dos LGBTQ+ e dos indígenas.

149 Diante do fracasso das políticas baseadas na ortodoxia convencional em promover o crescimento,

diversos países da América Latina no final dos anos 1990 e início dos anos 2000 elegeram governos trabalhistas e/ou populistas, os quais implementaram políticas baseadas na perspectiva do novo desenvolvimentismo.

124 públicas, sem, no entanto, romper radicalmente com a perspectiva neoliberal, especialmente em alguns aspectos da macroeconomia, conforme destaca Leher (2010), ao analisar a perspectiva já anunciada por esse governo em ‘Carta ao povo

brasileiro150’. Os ajustes promovidos pelo governo Lula incidiram, sobretudo, no

âmbito da condução e da gestão das políticas públicas de modo a promover o fortalecimento da governabilidade (LEHER, 2010), o que impulsionou o projeto neodesenvolvimentista. Suas políticas expressaram o que, conforme destacamos anteriormente, segundo os defensores do projeto neodesenvolvimentista, configura a diferença fundamental entre esse e a ortodoxia neoliberal: a concepção da relação entre Estado e mercado. Para o novo desenvolvimentismo, Estado e mercado não se configuram como oponentes.

Dessa forma, segundo Bresser-Pereira (2010), o projeto

neodesenvolvimentista exigiu um novo acordo entre as classes sociais em torno de um projeto nacional que expresse o sentimento de nação, portanto, o componente político teve papel fundamental. O entendimento de Sicsú, Paula e Michel (2007) corrobora com a afirmação de Bresser-Pereira (2010). Segundo esses autores, para o novo desenvolvimentismo o crescimento sustentado depende do fortalecimento do Estado e do mercado, o que exige um novo pacto social em torno de um projeto nacional de desenvolvimento que compatibilize crescimento com equidade social.

Como é possível observar, para que o projeto neodesenvolvimentista se efetivasse, as mudanças nas políticas públicas e na configuração da ação estatal foram fundamentais. Isso porque, como já demonstramos com base em Marx (2011; 2012) e Poulantzas (2015, p. 188), o Estado é um espaço estratégico na modificação da relação de forças entre as classes, uma vez que “[...] organiza e reproduz a hegemonia de classe ao fixar um campo variável de compromissos entre as classes”, o que muitas vezes implica recuos por parte da classe dominante, tendo

em vista a continuidade da reprodução de sua hegemonia151.

150 A ‘Carta ao povo brasileiro’ sintetiza os principais compromissos assumidos por Lula ao concorrer

ao seu primeiro mandato e está disponível em:

http://novo.fpabramo.org.br/uploads/cartaaopovobrasileiro.pdf. Acesso em: nov. 2016.

151 Conforme destaca Poulantzas (2015, p. 189), “todas as disposições tomadas pelo Estado

capitalista, mesmo as impostas pelas massas populares, são finalmente e a longo prazo inseridas numa estratégia em favor do capital ou compatível com sua reprodução ampliada. [...] Não apenas o Estado assegura esse mecanismo, mas ele é o único a poder assegurá-lo: as classes e as frações dominantes, entregues a si mesmo e a seus interesses econômico-corporativos a curto termo e contraditórios, se revelam incapazes disso”.

125 A forma como foram conduzidas as políticas dos governos Lula e Dilma nos permite afirmar que se tratou de um período em que hegemonicamente vigorou um projeto social, econômico e político que se aproxima do que Katz (2016) denomina

de neodesenvolvimentismo. Segundo Singer (2015), os governos ‘lulistas’ atuaram

como uma constante arbitragem que favoreceu de formas diferentes diversos grupos sociais de acordo com a correlação de forças.

Em uma análise semelhante à de Singer (2015), Boito Jr. (2016) afirma que uma frente policlassista ampla, heterogênea e contraditória, a qual o autor chama de ‘frente neodesenvolvimentista’, formada pela grande burguesia interna, pelos segmentos do operariado, pela baixa classe média, pelos trabalhadores rurais e pelos trabalhadores marginalizados, sustentou os governos Lula e Dilma durante o período neodesenvolvimentista.

Entretanto, enquanto Singer (2015) entende que o caráter rentista ou produtivista das frações da burguesia define suas alianças de classe, Boito Jr. (2016) considera que o caráter nacional ou internacional é o elemento chave para compreender a posição de cada segmento da burguesia. Segundo Boito Jr. (2016),

a burguesia interna152, seja ela rentista, produtivista, necessita do protecionismo do

Estado para se defender da concorrência externa, enquanto que a fração da burguesia mais ligada ao capital externo privilegia a abertura de mercados e combate o protecionismo.

Ao nosso ver, é o caráter produtivo ou rentista que predomina na determinação das alianças e no direcionamento das ações das diferentes frações da burguesia, pois ele está mais diretamente ligado aos objetivos de expansão e ampliação da acumulação. E são esses objetivos que motivam suas possíveis alianças com o capital internacional. Entretanto, consideramos que para uma compreensão aprofundada das relações de classe e frações de classe é

152 Segundo Singer (2015, p. 109), independentemente de seu caráter produtivista ou rentista, a

burguesia interna apresenta uma ampla lista de interesses comuns, como “[...] protecionismo alfandegário para os produtos nacionais; limitação da entrada de capital estrangeiro no setor bancário; proteção da produção nacional de etanol; preferência pelos estaleiros nacionais nas compras do Estado; ação política do Estado no exterior para auxiliar as empresas brasileiras de exportação e construção pesada fora do país; financiamento das empresas nacionais pelo BNDES; apoio à exportação de mercadorias e capitais das empresas brasileiras; manutenção da demanda interna e investimento estatal em infraestrutura”.

126 imprescindível considerar a maior ou menor relação dessas com o capital externo, como também sugere Fernandes (1975).

O agronegócio é um exemplo de como, no plano social, político e econômico, esses aspectos se complexificam, tornando limitada a compreensão dos interesses e alianças de classe apenas pela análise de seu caráter produtivista ou rentista ou de sua relação com o capital externo. O agronegócio, apesar de seu caráter produtivista, apresenta uma relação de dependência com o capital internacional devido ao fato de estar voltado predominantemente para a exportação, o que lhe impulsiona a defender ao mesmo tempo investimentos no setor produtivo e nas políticas que favoreçam a abertura de mercados. O investimento dos excedentes no setor rentista pode também se apresentar como uma alternativa interessante para frações do agronegócio, o que poderia deslocar seus interesses em relação às políticas direcionadas ao setor produtivo para políticas que favorecem o capital financeiro, beneficiando também o capital externo. Portanto, entendemos que o caráter produtivista e rentista revela a base na qual se estruturam as relações de classe e frações de classe, enquanto que o caráter nacional e internacional revela o movimento histórico, político e conjuntural pelo qual os interesses desses grupos se movimentam, configurando alianças e/ou rupturas.

Boito Jr. (2016) destaca um aspecto importante para compreender as alianças e rupturas do período neodesenvolvimentista. Segundo o autor, apesar de configurar

um certo equilíbrio entre os interesses que compunham a frente

neodesenvolvimentista, o conflito entre o capital bancário nacional e o capital produtivo nacional sempre se mantivera ativo, assim como as reinvindicações das massas trabalhadoras por salário, direitos trabalhistas, terra, se mantiveram em conflito com os interesses de segmentos da grande burguesia. Boito Jr. (2016) enfatiza que nem o governo Lula nem o governo Dilma romperam com os pilares do modelo capitalista neoliberal que impedem a implantação de uma política de fato desenvolvimentista, mas, ambos procuraram tomar medidas que por algum tempo atenuaram os efeitos negativos das reformas neoliberais e, assim, sustentaram um certo equilíbrio no âmbito das forças políticas.

Conforme destacamos anteriormente, ao manter a produção de commodities para exportação como base de sustentação em termos econômicos e ao não desenvolver os conhecimentos científicos e tecnológicos necessários e suficientes

127 para sua maior autonomia em relação ao mercado internacional (LEHER, VITÓRIA, MOTTA, 2017), o projeto neodesenvolvimentista contribuiu para o aperfeiçoamento dos mecanismos imperialistas de exploração e expropriação. Por esse aspecto, nas últimas décadas, o Brasil tem mantido uma política exterior dual, pois não promove rupturas com o imperialismo, mas também não aceita totalmente a subordinação

neocolonial153 (KATZ, 2016).

Além da política externa, outra semelhança do neodesenvolvimentismo com o projeto neoliberal foi a adoção das políticas sociais como um dos pilares que sustentou a aliança entre o governo e os trabalhadores, especialmente aqueles que se encontravam no trabalho informal.

Essa forma de atuação gerou muitas contradições, pois, ao promover um reformismo tímido, as alianças com a direita prejudicaram o projeto autêntico da classe trabalhadora (KATZ, 2016). De acordo com Katz (2016), no âmbito interno, as opções dos governos do PT foram por políticas que em certa medida favoreciam a classe trabalhadora, sem, no entanto, tirar dos capitalistas, o que caracterizou um conservadorismo que contribuiu para a generalização do consenso passivo. Assim como no período anterior, a continuidade e a ampliação das políticas sociais configuraram como um importante elemento de controle dos grupos excluídos e de fortalecimento do terceiro setor. Segundo Vieira (2007, p. 112-113),

com o “terceiro setor”, retomam-se as antigas práticas da filantropia e do voluntariado, agora com trajes empresariais, decretando um novo mundo, livre de antagonismos e de conflitos entre classes sociais, mesmo com a injustiça, a desigualdade e a miséria que nos olham.

Como se observa, trata-se de um discurso totalmente adequado aos princípios da frente desenvolvimentista, pois a atuação mais direta do terceiro setor nas políticas sociais possibilita um falso consenso de classes que, além de permitir um maior controle das populações mais empobrecidas ou ‘em situação de vulnerabilidade social’, como se referem os documentos da política pública, tolera

153 No âmbito da geopolítica, Katz (2016) cita a ‘Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA)’,

criada pela Venezuela e Cuba, como um projeto que difere das iniciativas de integração da América Latina baseadas na competição e no mercado, como, inclusive, caracteriza-se o ‘Mercado Comum do Sul (MERCOSUL)’. Enquanto o MERCOSUL busca remodelar o capitalismo em torno de pilares mais autônomos, a ALBA assume “[...] uma posição de unidade anti-imperialista, e propõe romper com a submissão aos Estados Unidos para garantir a soberania e facilitar os avanços populares” (KATZ, 2016, p. 70).

128 uma interferência mais direta dos setores privados no direcionamento das políticas públicas, distanciando a classe trabalhadora da conquista de direitos efetivos.

Mesmo diante desse limite, Boito Jr. (2016) considera que as políticas neodesenvolvimentistas afrontaram os interesses de alguns setores conservadores das classes média e da alta burguesia. Segundo o mesmo autor, os governos do PT estiveram mais voltados que os governos do PSDB às políticas que atendem os conflitos de gênero, os conflitos raciais e de etnia, ampliando oportunidades para os diferentes grupos sociais e confrontando com o preconceito meritocrático, especialmente da alta classe média. Como enfatiza o autor,

[...] os principais aspectos da política social do neodesenvolvimentismo ferem interesses econômicos e valores do conjunto da alta classe média, tanto do setor público quanto do setor privado, e são percebidos como uma ameaça por esse setor social. Os programas de transferência de renda para a população em situação precária, as quotas raciais e sociais nas universidades e no serviço público, a extensão dos direitos trabalhistas às empregadas e empregados domésticos, a recuperação do salário mínimo, essas e outras medidas, são vistas pela alta classe média como uma conta que ela deverá pagar por intermédio dos impostos que lhe são cobrados, como uma ameaça à reserva de mercado que os seus filhos ainda detêm nos cursos mais cobiçados das grandes universidades e nos cargos superiores do serviço público, como afrontas aos valores da ideologia meritocrática – tão cara aos profissionais com diploma universitário –, como uma intromissão nas relações autoritárias e paternalistas que as famílias de classe média mantêm com os seus funcionários domésticos e como medidas indesejáveis por possibilitar que espaços e instituições anteriormente reservados à alta classe média fossem “invadidos” por indivíduos pertencentes aos setores populares (BOITO Jr., 2012, p. 158- 159).

Embora as políticas neodesenvolvimentistas não tenham promovido as mudanças estruturais que permitiriam à classe trabalhadora superar efetivamente sua condição de exploração, observamos que em alguma medida essas políticas prejudicaram os interesses econômicos da alta classe média e, sobretudo, colocaram em questão os seus valores apoiados no discurso da meritocracia. O acesso das camadas mais empobrecidas da população às políticas sociais possibilitou a alguns integrantes dos segmentos mais excluídos da classe trabalhadora ascender socialmente e demonstrar ‘competência’ para ocupar postos de trabalho que antes eram limitados às classes médias e alta burguesia.

Um dos principais exemplos de ações afirmativas que modificou a tradicional configuração da ocupação das instituições públicas no Brasil e agravou o conflito

129 com o preconceito meritocrático da alta classe média, foi a Lei 12.711 aprovada em

2012 e popularmente conhecida como a Lei de Cotas154. Ao promover o acesso de

estudantes negros e indígenas no Ensino Superior, a Lei de Cotas e as demais políticas para a permanência dos estudantes negros e indígenas modificaram significativamente os espaços acadêmicos, não apenas pela diversidade resultante desse processo, como principalmente pelas novas agendas de pesquisa elaboradas, que redefiniram prioridades na produção do conhecimento acadêmico.

Ainda que não se possa considerar que esses casos demonstrem uma alteração significativa na desigualdade econômica e social entre as classes, pois não tiveram por base uma mudança radical e estrutural do padrão de acumulação e distribuição das riquezas, é possível afirmar que o fato abalou os valores que justificam essa desigualdade, principalmente por confrontar com o discurso da meritocracia. Conforme enfatizamos anteriormente, os valores que justificam uma ordem social são de extrema importância para sua reprodução. Isso explica em parte o movimento de reação da classe média e da alta burguesia contra as políticas sociais que contemplam a classe trabalhadora, mesmo que essas políticas não alterem significativamente a relação entre capital e trabalho e conservem os limites da exploração necessária para os altos lucros alcançados. Justifica também que a educação pública seja sempre um dos primeiros alvos das reformas conservadoras.

A influência do caráter conservador das elites econômicas brasileiras e da classe média nas ações do Estado, durante o período neodesenvolvimentista, assim como em outros períodos, expressou-se também no tratamento dado à questão agrária. A proposta de reforma agrária assumida pelo Estado nos quatorze anos de governo petista expressa tanto uma tentativa conciliadora por parte do Estado, como o caráter conservador das elites agrárias, que não aceitam qualquer possibilidade de uma reforma agrária que diminua a desigualdade em relação à estrutura fundiária.

Santos (2016) enfatiza que, durante o projeto neodesenvolvimentista, os governos petistas optaram por uma ação política pautada pelo consenso e diálogo, perspectiva que foi também assumida por alguns movimentos sociais que

154 A lei nº 12.711, de agosto de 2012, conhecida também como Lei de Cotas, determinou que 50%

das vagas do Ensino Superior nas instituições federais fossem destinadas a estudantes oriundos de escolas públicas, considerando critérios raciais e sociais.

130 entenderam que a partir da ocupação de espaços de atuação no governo se avançaria em conquistas importantes para a classe trabalhadora.

Desse modo, o Estado, que sempre foi elemento fundamental na configuração da questão agrária, seja por sua atuação na legitimação das formas de posse da terra, atribuindo-lhe o caráter de mercadoria por meio de diferentes formas legais, seja pela garantia de subjugação do trabalho ao capital, que garante a exploração de uma classe por outra por meio de suas políticas públicas, amplia sua ação no sentido de mediar os interesses que se opõem no contexto do campo.

No entanto, conforme destaca Santos (2016, p. 123), o objetivo do Estado, ao regulamentar a mediação entre capital e trabalho, foi promover a ‘parceria’ entre o campesinato e o agronegócio de modo a subordinar cada vez mais os camponeses às demandas das grandes empresas e do capital financeiro, como demonstramos no primeiro capítulo. Esse processo configurou o que Santos (2016) denomina de uma

reforma agrária de consenso, na qual, ao mesmo tempo em que se aperfeiçoa a

igualdade formal, mantém-se ou amplia-se a desigualdade substantiva. Dessa forma,

como demonstramos anteriormente e como Santos (2016) afirma, as políticas públicas aprimoraram os mecanismos de controle dos conflitos de classe no campo155.

Além das políticas neodesenvolvimentistas, Santos (2016) destaca que a adesão a esse consenso tem como uma de suas bases o apoio ideológico dos

principais meios de comunicação em massa156, que difundem uma imagem positiva

do agronegócio, e do setor educacional, no qual renomados intelectuais das universidades brasileiras recebem recursos para produção de materiais ‘educativos’

155 Essa constatação permite compreender que o Estado não age externamente à luta de classes e

que, mesmo que se constitua como o organizador da hegemonia da classe dominante, ao ser permeado pelas disputas de classes, não é indiferente às pressões da classe popular. Entretanto, é preciso alertar para o fato de que, como enfatiza Poulantzas (2015, p. 144), “[...] o Estado, trabalhando para a organização da hegemonia, logo para a divisão e desorganização das massas populares, faz de algumas delas, especialmente a pequena burguesia e as classes populares camponesas, verdadeiras classes-de-apoio do bloco no poder e curto-circuita sua aliança com a classe operária”.

156 Nos últimos anos, a Rede Globo de televisão tem exibido em horário nobre chamadas que buscam

enaltecer a produção agropecuária brasileira, induzindo à ideia de que toda essa produção compõe o agronegócio e, como forma de valorizá-lo, afirma repetidas vezes que “Agro é Tec, agro é Pop, agro é

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