• Nenhum resultado encontrado

Estado da Arte da Coprodução de Serviços Públicos

Dênis Rodrigues 1 Lizandro Lui 2

1. Estado da Arte da Coprodução de Serviços Públicos

O conceito de Coprodução de Serviços Públicos é utilizado há muitas dé-cadas na literatura acadêmica internacional (WHITAKER, 1980) e, nos últi-mos anos, vem recebendo nova atenção, conforme se pode verificar nos es-tudos de Osborne e Strokosch (2013), Voorberg, Bekkers e Tummers (2015)

e Farr (2016). Este último, apresenta três tipos de CSP: a) consumer co-pro-duction, coprodução de serviços ao cidadão, ligado à melhoria da qualidade e ao impacto do serviço público já existente; b) participative co-production, coprodução participativa, na qual o objetivo é melhorar o planejamento dos serviços públicos através do envolvimento dos cidadãos; c) enhanced co-production, coprodução otimizada, cujo objetivo é trazer a experiência do usuário, combinando planejamento participativo e novas abordagens para os serviços públicos para produzir inovação.

No Brasil, o debate em torno desse tema vem aos poucos ganhan-do mais espaço, como em Mattia e Zappellini (2014) e Ribeiro, Andion e Burigo (2015). Para estes, a coprodução estaria associada ao compartilha-mento de poderes e responsabilidades entre agentes públicos e cidadãos na produção de bens e serviços públicos. Desse modo, ela ocorre quando o Estado não está sozinho na tarefa de planejar e executar a entrega dos serviços à sociedade, dividindo essa responsabilidade com empresas, or-ganizações do terceiro setor ou ambos, simultaneamente. Adicionalmente, Chaebo e Medeiros (2017) produzem um ensaio a partir de uma revisão de literatura discutindo o conceito de CSP, seu desenvolvimento ao longo das décadas e seu potencial analítico para a pesquisa no Brasil. Os autores atentam para o fato de que a produção científica (nacional e internacional) não tem caminhado em direção a uma abordagem integrada e não há acu-mulação de conhecimento sobre o tema.

Desse modo, os prolongamentos conceituais da ideia de “coprodu-ção” e os modelos teóricos ainda estão sendo desenvolvidos. Sartori (1970) chama esse processo de alargamento conceitual (conceptual stretching), ou seja, a fase em que os pesquisadores estão testando e definindo as poten-cialidades dos conceitos. Chaebo e Medeiros (2017) afirmam, ainda, que não estão claras algumas nomenclaturas, visto que, dependendo do autor, usa-se os termos cidadãos, usuários, consumidores ou clientes. Além dis-so, questiona-se a respeito de quem entregaria o bem público para a popu-lação: seria somente o Estado ou também agentes não estatais por meio de parcerias público-privadas ou com ONGs? Essas indefinições conceituais,

como visto, ainda permeiam o debate, o que dificulta a estruturação do conhecimento sobre CSP.

Soares e Farias (2018) apontam que são poucos os estudos que se dedicam a pensar e aplicar o conceito de CSP no Brasil, o que é um pro-blema, pois o modelo tem o potencial de gerar valor público para a socie-dade (OSBORNE; RADNOR; STROKOSCH, 2016; OSTROM 1996, 2015).

Segundo os autores, a ideia do envolvimento dos cidadãos, não simples-mente como atores passivos, mas como agentes diretasimples-mente envolvidos no processo da produção dos serviços públicos, ainda carece de desenvol-vimento, tanto em termos de pesquisa empírica (prática) quanto teórica.

Assim, percebe-se que um conjunto de trabalhos apresentam a ideia de que a coprodução é um mix de atividades entre agentes sociais e estatais na tentativa de promover a eficiência e a qualidade de um serviço público.

Procurando delimitar, embora não tenhamos o objetivo de esgotar o deba-te sobre a correta ou devida definição de CSP, é importandeba-te endeba-tender em quais momentos ou em quais serviços públicos este conceito está sendo utilizado, o que colabora para compreender quando ele pode ser adotado.

Por exemplo, Soares e Farias (2018) estudam a coprodução na educação e destacam a importância dos pais no incentivo à educação dos filhos, para além da escola (professores e estrutura pública). Há, nesse caso, uma sin-tonia entre o trabalho desenvolvido pelo Estado (representado pela esco-la e professores) e as famílias na consecução do serviço público, no qual, também, é envolvido o aluno, agente que é essencial para o resultado desta CSP (educação formal). Em outro caso, Age e Schommer (2017) investiga-ram o processo de elaboração da proposta de Certificação e Classificação por Qualidade Nutricional para restaurantes, aplicada pelos serviços de vigilância sanitária em um munícipio no Sul do Brasil. Nesse trabalho é enfatizada a forma como os agentes sociais e as organizações interessadas participaram de reuniões a fim de construir coletivamente o roteiro e cri-térios de inspeção de restaurantes. Observa-se nesses estudos um caráter bastante localizado da ideia de coprodução, e que as diretrizes gerais da política pública (no caso, educação e vigilância sanitária) seguem

estrita-mente as mesmas, apenas a entrega do serviço é pensada de forma con-junta e customizada, conciliando usuários e os burocratas (funcionários públicos) locais.

Em outro caso, foi utilizado o conceito de CSP para estudar a ação promovida pelo Colegiado de Desenvolvimento Territorial em Santa Catarina, analisando se ajudou a desenvolver um processo de coprodu-ção do bem público: o planejamento e gestão do desenvolvimento rural na região (RIBEIRO et al. 2015). O conceito de CSP também foi aplicado para pensar alguns serviços oferecidos pelo Poder Judiciário, tais como a ção de litígio via processo especial e os mecanismos alternativos de solu-ção de conflitos (GOMES; MOURA, 2018). Assim, percebemos que embora haja alguma diferenciação entre os serviços, os conceitos utilizados de CSP permitem a identificação de uma linha comum entre eles, relacionando funcionários públicos (principalmente o burocrata de nível de rua), equi-pamento público e cidadãos, atuando de forma ativa na execução de um dado serviço público ou o seu planejamento. Reitera-se aqui que, nos casos de CSP, as diretrizes gerais das políticas públicas são as regras do jogo e a coprodução é uma atividade que se dá em um determinado tempo e es-paço, a partir da interação entre agentes públicos e cidadãos interessados.

Cabe frisar que a CSP se diferencia, por exemplo, da realização de outros tipos de serviços, tais como a emissão de documentos, que são prestados, muitas vezes, em centrais de atendimento ao cidadão, como o SAC (Bahia), o Poupatempo (São Paulo), o UAI (Minas Gerais), o Tudo Fácil (Rio Grande do Sul) e o Vapt-Vupt (Goiás), entre outros (CUNHA; MIRANDA, 2013), ou, ainda, da execução destes serviços em formato digital, pela internet, o que é conhecido como e-serviços públicos (CUNHA; MIRANDA, 2013), ou realizados, por exemplo, pelos Detran (Departamento Estaduais de Trânsito) (RODRIGUES; LOTTA, 2017).

Por fim, é importante não apenas fomentar a discussão e a definição de conceitos dentro do tema, como também elaborar modelos teóricos e analíticos para gerar conhecimento mais estruturado, questão também apontada por Chaebo e Medeiros (2017). Assim, percebe-se a

necessida-de da construção necessida-de frameworks capazes necessida-de tratar do tema da coprodução e de suas relações com os recursos, as regras do jogo (da política pública), os burocratas e os cidadãos. Além disso, ressalta-se a necessidade de construir um modelo que permita pensar os diferentes resultados de suas aplicações visto que, conforme os estudos apontados, ainda não há um aporte teórico mais sólido, robusto, com maior capacidade de extrapolação dos resulta-dos (generalizações, ainda que analíticas), ou definindo modelos e relações.

2. A Proposta da Teoria