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As agências regulatórias foram introduzidas junto à Administração Pública brasileira a partir dos anos 1990 (PECI, 2015). Tratar-se-iam, a princípio (for-malmente), de autarquias especiais, porque dotadas de grau inédito de auto-nomia em relação à administração direta. Um status garantido originalmente, por suas respectivas leis de criação e, depois, pelo Superior Tribunal Federal (STF)2, mas ainda em processo de consolidação, mais no judiciário que nas próprias agências. No fundo, de um lado, a visão de tratar-se da regulamenta-ção direta de artigos do título da ordem econômica da Constituiregulamenta-ção Federal de 1988; de outro, uma independência formal contestada e testada por diferentes governos, até “as últimas instâncias” formais, paralelamente ao emprego de meios administrativos, promovidos por governos e partidos políticos de ideo-logias as mais diversas.

1 Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp. Técnico Superior da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (AGERGS). E-mail: luciano.dascenzi@gmail.com

2 Ilustrativamente, Brasil (1997), Brasil (2001), Brasil (1999).

Mesmo porque, vencida a etapa normativa formal da intenção de mu-dança, em direção à descentralização administrativa, dá-se conta da pouca eficácia alcançada, em sentido factual, da autonomia para regular efeti-vamente as políticas de Estado, provendo funcionalidade, transparência, participação e estabilidade às mesmas; porque na prática, as agências têm sido subordinadas a ministérios e secretarias, aparelhadas partidariamen-te, além de financeiramente sufocadas, tendo suas taxas regulatórias sis-tematicamente contingenciadas e desviadas de sua finalidade legal3. Ao que possibilita depreender-se pela eficácia limitada da Lei, e dos tribunais, subordinada à cultura política local. Onde, pelo menos de início, lei “pra inglês ver” (FAORO, 1976). Ela pouco reage a alterações legislativas frag-mentárias, limitadas a respostas incompletas ou anseios políticos, seja por uma democracia participativa, seja por condições vantajosas de financia-mento. A cultura possui dinâmica própria, sendo possível acompanhar al-guns movimentos em direção à consolidação democrática. Vejamos alal-guns padrões institucionais emergentes à guisa de evidência:

As reformas institucionais, implantadas a partir de 1995 [...]

longe de representar uma ruptura com o arranjo federativo de-finido em 1988, as reformas implementadas regulamentaram dispositivos já estabelecidos no texto constitucional, como no caso das finanças públicas, ou surgiram de emendas consti-tucionais que visavam consolidar princípios consticonsti-tucionais, como a efetiva descentralização das políticas de saúde e edu-cação (ARRETCHE, 2009) (VAZQUEZ, 2015, p. 872-873).

Nessa mesma direção, a atualização da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (LINDB), de 25/4/2018, de enfoque consequencialista, configura novo passo em sentido expresso pelos princípios e regras interpretativas mudancistas, formalizando o que já poderia ser observado por algumas autoridades administrativas, controladoras e judiciais ao tratar da Lei. Ou

3 Ilustrativamente, ver idas e vindas na tramitação do Projeto de Lei 6621/16, que visaria disciplinar a indica-ção de dirigentes, além de limitar as possibilidades de desvio das taxas de regulaindica-ção das agências federais;

ou os “superávits forçados”, ano após ano, da Agergs (AGERGS, sd).

seja, algumas dessas regras já estariam vigendo, pelo menos, a partir do có-digo de processo civil, de aplicação subsidiária aos processos administrati-vistas. Contudo, ante à recalcitrância percebida em meio aos eventuais en-tendimentos de que o direito administrativo possuiria regras e princípios próprios, tal atualização podia ser ignorada. Algo similar aconteceu com a burocratização, em tela de longa data, forçando a revisitação ao conteúdo do Decreto nº 83.936/79, assim como ao artigo 412 da legislação processual civil (art. 412), de pouca eficácia. A nova lei flutua entre a eficiência e a cor-tesia no serviço público, ao estabelecer a liberdade de meios na comunica-ção entre o cidadão e o poder público (art. 6º), ao que visa a impossibilitar a recusa no repasse de informação por um meio que não seja o padronizado pelo órgão consultado, também aqui, apontando para além do princípio da legalidade estrita, tão arraigada em nossa tradição.

A partir desses novos impulsos, o legislador teria intentado aprimorar a segurança jurídica, a eficácia associada ao princípio da eficiência na or-dem jurídica4 e a qualidade técnica das decisões da Administração. Agora, a Lei fecharia algumas lacunas, clarificando: a melhoria em comunicação, respeito e confiança entre a Administração e o administrado; parâmetros balizadores a serem observados quando das decisões fundadas em cláusu-las gerais ou conceitos jurídicos indeterminados; o direito a normas de tran-sição proporcionais e adequadas; o regime mais claro de transparência e eficiência para negociações entre autoridades públicas e particulares; maior concretude ao princípio da motivação (art. 93, IX da Constituição Federal), determinando que as decisões públicas sejam tomadas não apenas com fun-damentos principiológicos, mas considerando suas consequências práticas e, sobretudo, ponderando as alternativas possíveis; exigiria ainda, decisões razoáveis e proporcionais, de forma que os danos delas decorrentes fossem de extensão e intensidade adequadas ao caso concreto5. Caberia às agên-cias reguladoras, senão liderar, introjetar tais tendênagên-cias que, claramente,

4 Convém não confundir com eficiência econômica, este um conceito mais restrito que aquele, um prin-cípio jurídico que abarca eficácia e efetividade (diferentes níveis de influência da lei sobre o interesse público).

5 Para mais detalhes, ver apanhado de artigo em Jusbrasil (sd).

reforçam sua atuação, não fosse a cultura política que ajudam a reproduzir, desde seus dirigentes até os respectivos quadros funcionais. Senão, corre-se o risco das mudanças intencionadas ficarem “pra inglês ver”.

A correta percepção dessas disposições ampliaria a utilização da multidisciplinaridade reinante no quadro de servidores das agências, cuja integração interna e externa ainda é um desafio. Feito o movimento, efeti-var-se-ia o próprio conceito de regulação, intrinsecamente interdisciplinar e ligado à lei de criação de cada agência; minimamente, entre Direito e Economia, que exibem uma complementaridade inescapável em vista a esta função de Estado, fosse em relação à necessidade de avaliar conse-quências ou de construir motivação e finalidade frente aos atos potencial-mente emanados; fosse em vista ao próprio conceito de eficiência, devida-mente expandido, em sentido jurídico, somando-se o elemento conceitual microeconômico a ser regulado, a funcionalidade, à normatividade con-sentida pela sociedade aos mercados assim regulados, via lei específica a cada caso concreto.

Portanto, haveria melhoria no cenário regulatório ao mitigar-se anti-gas fontes de incerteza, que vem prejudicando, de lado a lado, a ação da Administração e as decisões de investimento do setor privado, possíveis caminhos complementares à superação das mazelas sociais. Isto é, após ser crescentemente ratificada pela prática das cortes6, o consequencialismo da nova LINDB deixou de ser uma corrente do pensamento para tornar-se, também, norma cogente e, portanto, requisito à validade das decisões, ao que exigir-se-ia uma aferição por meio de regras objetivas de interpreta-ção e modulainterpreta-ção de efeitos. Para tanto, as Análises de Impacto Regulatório7 continuam em firme processo de consolidação: antes, uma tendência aceita pelas cortes de justiça para a motivação de Atos Administrativos; hoje, uma realidade legalmente normatizada.

No limite do movimento descrito, poder-se-ia especular acerca dos próximos movimentos, preparando-nos para a construção da nova

reali-6 Além do STF, o texto trará ainda Enunciados e Recomendações FONACRE/AJUFE (2018).

7 Para maiores detalhes, ver Peci (2011), Brasil (2018), outros.

dade. Assim, ilustrativamente, se por um lado, o art. 20 da LINDB veio di-minuir a validade dos “valores jurídicos abstratos”, limitando o gosto por ideais de ciência positiva; por outro, dado tratar do elemento conceitual normativo, estabelece parâmetro para mensurar a carga axiológica válida a cada decisão. E, mais à frente, conhecidas concretamente as consequências, antes (im)previstas, haveria a necessidade de mecanismos para que a deci-são fosse revista? Ou mesmo, quais as implicações desse processo de mu-dança frente ao papel institucional das agências reguladoras, lugar privi-legiado às análises de impacto regulatório? A Administração contaria com os conhecimentos, habilidades e atitudes necessários para dar esse passo?

1. Uma metodologia adequada