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O que explica o trabalho de política pública? Proposta

Natália Massaco Koga 1 Rafael Rocha Viana 2

4. O que explica o trabalho de política pública? Proposta

de uma ferramenta analítica

O exame dos dados apresentados à luz do debate teórico previamente le-vantado fundamentou a construção da proposição da ferramenta analítica que busca explorar as nuances e variações do trabalho de políticas públicas.

Esta proposição resulta da associação dos dois conjuntos de literatura discutidos nas duas primeiras sessões deste capítulo (a saber, policy work e comportamento dos burocratas) com o debate das capacidades para pro-dução de políticas públicas (policy capacity).

A discussão sobre policy capacity foca-se na questão de como diferen-tes níveis e dimensões de recursos internos acumulados pelos endiferen-tes estatais afetam os resultados de políticas públicas. A maleabilidade dessa chave-a-nalítica permitiu a elaboração de distintas definições e usos (CINGOLANI, 2013; GOMIDE, 2018). Pode-se dizer, no entanto, que parte considerável dos estudos que trabalham em torno da ideia de policy capacity calca-se no modelo Anglo-Saxão da centralidade da função analítica definindo o ter-mo policy capacity coter-mo as habilidades para “realizar escolhas inteligentes”

(PAINTER; PIERRE 2005), “mapear o ambiente e definir direções estratégi-cas” (HOWLETT; LINDQUIST, 2004) ou “pesar e avaliar as implicações de alternativas ligadas à condução da política pública” (BAVKIS, 2000).

Wu et al. (2015), no entanto, sugerem ampliar este entendimento, de-finindo tal conceito como o “conjunto de habilidades e recursos – ou com-petências e capacidades – necessárias para o desempenho das funções de políticas públicas”. Wu et al. (2015) são pioneiros também ao incorporar em seu modelo analítico o nível de análise do indivíduo aos níveis organi-zacionais e sistêmicos, estes últimos mais comumente explorados na lite-ratura de capacidades.

A presente proposta adota esta concepção mais abrangente de Wu et al.

(2015), que permite perceber a variedade de combinações de funções de polí-ticas públicas presentes no campo, como observado nos dados apresentados na seção anterior. Justifica-se, assim, a tradução do termo policy capacity para

“capacidades para produção de políticas públicas” e define-se a capacidade individual como conjunto de conhecimentos e habilidades individuais para o exercício de sua função no processo de políticas públicas. Isto é, este con-ceito é coerente ao argumento aqui sustentado de que recursos individuais se tornam capacidades individuais para produção de políticas públicas se estiverem atrelados a funções desempenhadas pelos indivíduos no processo de produção de políticas públicas.

Ao adotarmos o conceito ampliado de capacidades para produção de políticas públicas, também se expande as dimensões a serem observadas.

O modelo de Wu et al. (2015), por exemplo, concebe três dimensões de capacidades: analítica, operacional e política. Para o nível do indivíduo, a capacidade analítica refere-se à capacidade de realizar o trabalho da aná-lise de políticas em sua concepção original. Em outras palavras, produzir e trabalhar com dados e conhecimento científico para apoiar decisões polí-ticas. A capacidade operacional refere-se principalmente às competências necessárias para gerir diferentes tipos de recursos estatais, como recursos humanos, financeiros, logísticos e tecnológicos. Finalmente, capacidade política significa “conhecimento e experiência política ou ‘perspicácia po-lítica’” (WU et al., 2010) que os trabalhos de política desenvolvem em sua interação com outros atores para interpretar contextos, estabelecer colabo-rações e fazer acordos. Na pesquisa Enap (2018), por sua vez, adotou-se

duas macro-dimensões, administrativa e relacional, como sugerido pela literatura nacional em trabalhos precedentes como em Gomide e Pires (2014). Contudo, dentro de cada uma das duas macro-dimensões obser-vou-se outras duas sub-dimensões, resultando, portanto, nas subdimen-sões analítica, técnico-gerencial, coordenação interna e política.

No entanto, os resultados analisados na seção anterior apontaram uma configuração de trabalho de política pública que não corresponde identi-camente a essas delimitações de dimensões de capacidades. Sustentamos, então, que a multiplicidade de trabalhos de políticas públicas pode de-mandar inúmeras combinações de capacidades. Assim como os estudos empíricos demonstram que os analistas de políticas públicas não mobili-zam apenas capacidades analíticas, mas também capacidades relacionais em seu trabalho (VESELY et al., 2014; SAGUIN et al., 2018), outros traba-lhos de políticas públicas como os identificados no estudo da Enap (2018) podem demandar outras combinações.

Um último fator é incluído neste modelo, os fatores que afetam a agên-cia dos burocratas. Como a literatura de capacidades já destaca, capacidades tratam de recursos acumulados, portanto, elementos inertes que deman-dam outros fatores para serem acionados, mobilizados. Nesta proposição, a resposta à pergunta do que ativaria as capacidades dos burocratas, passaria pela avaliação dos fatores que afetam a agência desses indivíduos, isto é, que fatores imprimiriam intencionalidade e esforço dos burocratas, como estudado pela literatura sobre o comportamento dos burocratas.

Desta forma, os fatores ativadores das capacidades seriam tanto fato-res subjetivos – por exemplo, valofato-res, ideias e motivações - como fatofato-res externos tais como a própria estrutura e organização burocrática (normas, regulamentações, sistema e cultura administrativa etc.), relações formais ou informais de interesse (categorias profissionais, comunidades epistêmi-cas etc.) ou de interações com outros atores externos como elites política, empresariado, academia, sociedade civil, comunidade internacional, mí-dia, entre outros (JOSHI; MCCLUSKEY, 2017).

Assim, a ferramenta analítica proposta parte do pressuposto de que o trabalho de política pública pode ser compreendido como resultante das capacidades de políticas públicas ativadas por meio dos fatores internos e externos que imprimem intencionalidade e esforço à ação do burocrata.

Os agentes de políticas desempenham, assim, papéis distintos se diferen-tes capacidades de políticas públicas forem desenvolvidas e/ou mudanças nos tipos de pressões e estímulos ocorrerem.

A Figura 1 abaixo sintetiza a proposição trazida neste estudo. O eixo

“x” representa a natureza da capacidade que variaria entre conhecimentos e habilidades mais técnicas ou políticas e o eixo “y” representa a origem das pressões que poderiam ser mais internas ou externas ao contexto do aparato estatal. O círculo maior indica os fatores subjetivos como fator interveniente que perpassa todos os tipos de combinações entre capacidades e estímulos.

Por fim, os círculos cinza, menores, representam os diferentes tipos de tra-balho de política pública identificados seja na literatura seja em tratra-balhos empíricos examinados.

Figura 1 – Trabalho de política pública como resultan-te de capacidades políticas e pressões relacionais

Trabalho na política pública

TÉCNICO POLÍTICO

EXTERNO

INTERNO

Coordenação interna Relacional

Operacional Gerenciamento

de recursos Assess.

Estratégico Analítico

Account Analítico

Fonte: Elaboração nossa

Vale esclarecer que os círculos menores são tipos apenas exemplifi-cativos e não exaurem a identificação dos tipos de trabalhos de políticas públicas existentes, muito menos buscam ser normativos. Em contrário, ressaltamos que esta proposição trata de uma ferramenta analítica (e não um modelo analítico) que busca facilitar a identificação das distintas for-mas de combinações de capacidades e condicionantes da atuação dos bu-rocratas que geram distintos de trabalhos de políticas públicas. Com isso, busca contribuir para expandir a compreensão das variações desses traba-lhos como indica a literatura de policy work e nos estudos de burocracia.

Retratou-se, assim, tanto trabalhos mais próximos dos tipos-ideais como trabalhos identificados por meio das pesquisas empíricas recentes. No

primeiro grupo estariam, por exemplo, o trabalho analítico que demandaria mais conhecimentos e habilidades técnicas e encontra-se sujeito a pressões mais internas ao contexto estatal, como das demandas dos tomadores de de-cisão de suas organizações; e o trabalho relacional que necessita de habilida-des mais políticas e estaria caracterizado dentro de um contexto interacional mais ampliado com relações externas, como os trabalhos de negociação en-tre Executivo e Legislativo ou de negociações internacionais. Já no segundo grupo, estariam trabalhos híbridos, tais como os de aconselhamento estraté-gico que demandaria conhecimento técnico mas também uma atuação inte-racional externa ao ambiente estatal para apreensão do contexto ampliado das políticas públicas (HOWLLET, 2011). Também estariam neste segundo grupo trabalhos observados em contextos específicos como o de analítico-ac-countability identificado entre os servidores civis federais da Administração Direta, que resulta da mobilização de conhecimentos especializados sobre as políticas públicas em questão e pressões oriundas dos entes de controle (ENAP, 2018) Nesta última categoria são sinalizados, ainda, os trabalhos operacionais e o de gerenciamento de recursos que embora sejam identifi-cados na literatura de capacidades como um conjunto agregado de conheci-mentos e habilidade técnico-operacionais necessários para o funcionamento do aparato estatal, no caso da Administração Pública federal percebeu-se uma distinção e especialização do trabalho de gerenciamento de recursos financeiros em relação aos demais recursos administrativos (ENAP, 2018).