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1.3 Base principiológica da prisão preventiva como garantia fundamental

1.3.1 Estado de inocência e dignidade da pessoa humana

As histórias da prisão preventiva e do princípio do estado de inocência estão rigorosamente associadas, pois, na época do Iluminismo, a prisão preventiva voltou a ser estigmatizada, reafirmando que não pode haver pena sem processo, como colabora Luigi Ferrajoli citando diversos pensadores:

63

OLIVEIRA. Curso de processo penal. p. 543.

64

TÁVORA. Curso de direito processual penal. p. 73.

Assim, para Hobbes, a prisão preventiva não é uma pena mas um “ato de hostilidade” contra o cidadão, de modo que “ qualquer dano que faça um homem sofrer, com prisão ou constrição antes que sua causa seja ouvida, além ou acima do necessário para assegurar sua custódia, é contrário à lei da natureza”. Para Beccaria, “sendo a privação da liberdade uma pena, não pode preceder a sentença senão quando assim exigir a necessidade”: precisamente, a “custódia de um cidadão até que seja julgado culpado, ... deve durar o menor tempo e deve ser o menos dura possível” e “não pode ser senão o necessário para impedir a fuga ou não ocultar a prova do crime”. Para Volteire, “o modo pela qual em muitos Estados se prende cautelarmente um homem assemelha-se muito a um assalto de bandidos”.66

Tanto o princípio do estado de inocência, como o da dignidade da pessoa humana, estão arraigados na Constituição Federal do Brasil, pois, para se decretar a prisão preventiva de alguém, é necessário que o magistrado esteja embasado em indícios de provas contundentes, e não meras alegações sem fundamentos. Nenhum magistrado pode sujeitar outra pessoas, de certo modo inocente, a pena muito mais dura do que possa vir a sofrer. Em um estudo sobre o cabimento da prisão preventiva e o estado de inocência Magno Federici Gomes, corrobora alegando:

Restou claro que o conflito entre a presunção de inocência e a prisão preventiva sempre ocorrerá, sem que haja uma resposta predefinida. Se o estado de inocência for devidamente observado quando da aplicação dessa medida acautelatória, com seus pré-requisitos preenchidos devidamente (fumus commissi delicti e o periculum libertatis), sendo utilizada como último recurso– casos extremos – e amplamente fundamentada pelo juiz competente, haverá a possibilidade de uma aplicação em harmonia, afastando, assim, sua parte de inconstitucionalidade.67 (grifos do autor)

Isto posto, nota-se que a decretação da prisão preventiva, como já levantado, deve ser devidamente fundamenta, tendo como princípio regente, o princípio do estado de inocência ou presunção de inocência, que é analisado por Aury Lopes Júnior, para quem:

66

FERRAJOLI. Direito e razão: Teoria do garantismo penal. p. 443.

67

GOMES, Magno Federici; TRINDADE, Hugo Vidal. A compatibilidade entre a presunção da inocência e a prisão preventiva. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, v. 9, n. 53, p.32.

É um princípio fundamental de civilidade, fruto de uma opção protetora do indivíduo, ainda que para isso tenha-se que pagar o preço da impunidade de algum culpável, pois sem dúvida o maior interesse é que todos os inocentes, sem exceção, estejam protegidos. Essa opção ideológica (pois eleição de valor), em se tratando de prisões cautelares, é da maior relevância, pois decorre da consciência de que o preço a ser pago pela prisão prematura e desnecessária de alguém inocente (pois ainda não existe sentença definitiva) é altíssimo, ainda mais no medieval sistema carcerário brasileiro.68

A decretação da prisão preventiva sem haver legítimas razões jurídicas e fatos concretos individualizados com relação à pessoa do investigado ou acusado, resultará em uma afronta ao princípio em tela e, ainda mais, em uma legítima antecipação da pena. O estado de inocência permanece vigente antes do trânsito em julgado, fazendo vigorar, como regra, a liberdade individual.

Ainda, “o estado de inocência é indisponível e irrenunciável, constituindo parte integrante da natureza humana, merecedor de absoluto respeito, em homenagem ao princípio constitucional regente da dignidade da pessoa humana.”69 Sendo assim, não pode o indivíduo negar seu direito, o Estado deve respeitar esse princípio, e torná-lo como base para que os magistrados o sigam como norte.

A Constituição Federal, ao fazer menção ao princípio da dignidade da pessoa humana faz com que todos os demais princípios estejam englobados por ele, acaba por se tornar um “princípio de valor pré-constituinte e de hierarquia supraconstitucional.”70

No Brasil, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, sendo assim, o princípio da dignidade da pessoa humana possui eficácia plena e aplicabilidade imediata.

Esse princípio objetiva tanto cuidar da garantia de um mínimo de existência, como também, visa respeitar o ser humano como pessoa, sendo essas as funções principais de um Estado Democrático de Direito. Guilherme de Souza Nucci traduz bem essa idéia:

Para que o ser humano tenha a sua dignidade preservada torna-se essencial o fiel respeito aos direitos e garantias individuais. Por isso, esse princípio é a base e a meta do Estado Democrático de Direito, não podendo ser contrariado, nem alijado de qualquer cenário, em particular, do contexto penal e processual penal.71

68

LOPES JÚNIOR. Direito processual penal. p. 777.

69

NUCCI. Princípios constitucionais penais e processuais penais. p. 264.

70

Ibidem. p. 46.

Por fim, esses dois princípios tornam-se pilares para que a prisão preventiva seja aplicada de maneira correta, utilizadas para o seu fim cautelar e não como antecipação de pena. O sujeito não pode ser confundido com um objeto, mesmo aqueles mais cruéis são merecedores de serem tratados com dignidade. Isso não quer dizer que esses indivíduos não possam vir a ser privados de sua liberdade, deverão responder por suas atitudes porém são dignos de receber tratamento humanitário. Ninguém poderá ser submetido a penas degradantes sem ao menos ter a possibilidade de invocar seus direitos fundamentais, pois estes princípios são intrínsecos ao ser humano.