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acabara de praticar um crime. Ao analisar a reprovação da conduta, percebe-se que não é possível dela exigir outra atitude. Ainda que tenha cometido um crime, a mãe jamais desejará o mal para sua prole. Por isso, exclui-se a culpabilidade. No Brasil, o referido crime está disposto no artigo 348 do atual Código Penal, que prevê, no parágrafo 2º, a isenção de pena quando o auxílio é realizado a ascendente, descendente, cônjuge ou irmão (BRASIL, 1940).

Por fim, o caso da cegonha que traz os bebês. Uma empresa exploradora de mina concedeu aos funcionários o direito de não trabalhar no dia do nascimento de seu filho quando esse ocorresse em dia útil, sem prejuízos em seus salários. Dessa maneira, quando os filhos dos mineiros nasciam no fim de semana, pediam à parteira que declarasse o nascimento no dia útil seguinte, a fim de receber o descanso remunerado. Caso a parteira não compactuasse com o proposto, os mineiros ameaçavam não utilizar seus serviços. Temerosa de perder novos clientes, a parteira atendia aos pedidos e emitia falsos registros de nascimento. Analisando o caso concreto, o Superior Tribunal alemão absolveu a parteira com fundamento na inexigibilidade de conduta diversa.

6.2 ESTADO DE NECESSIDADE EXCULPANTE E INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA

No direito penal alemão, a inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade está diretamente relacionada ao instituto do estado de

necessidade. O Código Penal alemão de 1871 previa o estado de necessidade nos

artigos 52 e 5411. São dispositivos que regulam situações específicas, cuja

11 O Código Penal alemão de 1871 previa: “§ 52: No existe acción punible, si el autor ha sido obligado a la acción por medio de una amenaza, la que estaba ligada con un peligro actual, no evitable de otra manera, para el cuerpo o vida de sí mismo o de un pariente; [...] § 54: no existe acción punible, si la acción, además del caso de legítima defensa, ha sido cometida en un estado de necesidad no culpable, no removible de otra manera, para la salvación de un peligro actual para el cuerpo o la vida del autor o de un pariente” (CÓDIGO, acesso em: 15 maio 2015).

aplicabilidade é limitada. Sua aplicação exigia que bem protegido fosse necessariamente a vida ou o corpo, devendo o titular ser o próprio agente ou um parente. O Código Civil do país também previa hipóteses de estado de necessidade nos artigos 228 e 90412, que se referiam às ações que incidiam sobre objetos materiais de terceiros. O fundamento das hipóteses extrapenais consistia no princípio da ponderação objetiva dos bens jurídicos em choque e do interesse preponderante. As ações que protegiam o interesse de maior importância, atingindo ou sacrificando o de menor importância, eram consideradas objetivamente lícitas (SOUSA, 1979).

O limite da aplicação desses dispositivos penais à proteção da vida e do corpo impedia a solução de alguns casos. Destaca Sousa (1979, p. 35) que

permaneciam à margem da regulação aquelas hipóteses em que resultassem sacrificados bens de outra ordem, como, entre diversos possíveis exemplos, nos casos em que alguém, para proteger-se da perseguição de um criminoso, invadisse casa alheia (invasão de domicílio) ou em que a lesão à integridade física de terceiro inocente constituísse meio indispensável para salvar uma vida em perigo (lesão corporal).

Para tentar resolver essas questões, os juristas valiam-se de uma interpretação ampla dos artigos 52 e 54 do Código Penal alemão de 1871, fato que não era permitido. O desenvolvimento da teoria psicológico-normativa da culpabilidade contribuiu para a discussão sobre o estado de necessidade. Primeiro, era necessário esclarecer se ele representaria uma hipótese de justificação ou exculpação. Além disso, era preciso verificar a viabilidade da aplicação do estado de necessidade exculpante supralegal, fundamentada na inexigibilidade de conduta diversa, para solucionar alguns casos não previstos por lei. Conforme visto anteriormente, Frank considerava a culpabilidade como reprovabilidade. Para o autor, aquele que atuava em estado de necessidade não possuía o elemento liberdade do autor, necessário para a formação do juízo de reprovação. Isso porque as circunstâncias

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“Artigo 228: Aquele que danifica ou destrói coisa alheia para afastar de si ou de outrem um perigo que esta ameaça, não atua ilegalmente se o dano ou a destruição é necessário para evitar o perigo se o dano guarda proporção com aquele. Se o que atua deu causa ao perigo, está obrigado a reparar o dano”; “Artigo 904: O proprietário de uma coisa não está autorizado a proibir atuação de outro sobre a coisa, se esta é necessária para evitar um perigo atual e se o dano que ameaça é desproporcionalmente grande frente ao dano que advém ao proprietários como consequência dessa atuação. O proprietário pode exigir a reparação do dano decorrente” (CÓDIGO, acesso em: 15 maio 2015).

concomitantes eram os fatores que determinavam a conduta do agente, de quem o direito não podia exigir conduta diversa.

Em seguida, Goldschmidt (2002) e Freudenthal (2006) sustentaram que as hipóteses de estado de necessidade previstas no Código Penal da Alemanha representavam causas de exclusão da culpabilidade; as hipóteses no Código Civil do país foram consideradas causas de justificação, conforme relata Sousa (1979). Esse posicionamento é justificado na seguinte premissa: se o fundamento do estado de necessidade no âmbito penal consiste na inexigibilidade de conduta diversa e, sabendo que ela está situada na culpabilidade, logo, o estado de necessidade representaria uma excludente de culpabilidade13. Isso foi importante para a criação da teoria diferenciadora. Lembra Sousa (1979) que Freudenthal dispôs, ainda, que as situações de estado de necessidade dispostas no Código Penal alemão eram causas exemplificativas, admitindo a hipótese de estado de necessidade exculpante supralegal.

Contrário ao posicionamento supracitado, conforme explica Sousa (1979), Max Ernst Mayer sustentava que todas as hipóteses de estado de necessidade contempladas pelo ordenamento jurídico alemão excluíam a culpabilidade. Adeptos da teoria unitária objetiva, Gerald e Hippel sustentaram que os artigos 52 e 54 do Código Penal alemão representavam hipóteses de exclusão da ilicitude.

Sousa (1979) destaca que Hans Welzel inicialmente adotava a teoria unificadora, considerando as hipóteses do Código Civil e Código Penal alemães como causa de justificação. Entretanto, partindo de uma reflexão ético-material, altera seu posicionamento e adota a teoria diferenciadora. Entende que quando o corpo ou a vida de um indivíduo ou de seu parente estiver em perigo e for necessário lesionar bem jurídico de terceiro protegido penalmente para salvaguardá-lo, principalmente quando referir-se à vida de um inocente, deverá ser considerada hipótese de exclusão da culpabilidade. Isso ocorre, pois o bem sacrificado não poderá ser

13Nesse sentido Maurach (1994, p. 553), esclarece que “[...] la continuación del desarrollo de la teoría de la culpabilidad de Frank, com sua ‘situación normal’, por parte de Goldschmidt y Freudenthal, había logrado destacar la exigibilidad como elemento de la culpabilidad, de manera que desde la perspectiva de la teoría normativa de la culpabilidad resultaba lógico tratar al estado de necessidade del §54 anterior la reforma, como el ejemplo típico de una inexigibilidade reconocida legalmente y, por ello, como una causal de exclusión de la culpabilidad”.

tratado como meio, pois, lembrando-se de Kant, Welzel (1956, p. 183) considerava que

los terceros nunca deben ser tratados como cosas, sino siempre como fin en sí mismos (KANT). Por eso el derecho no puede justificar tampoco graves intervenciones en el cuerpo o vida de terceros, como mero medio para la salvación de la vida; y puede disculpárlas solamente porque, considerando la debilidad humana, no es exigible al autor que se encuentra en necesidad, que se determine conforme a un comportamiento adecuado al derecho.

Welzel (1956) admite a possibilidade do estado de necessidade supralegal desculpante e busca estruturá-la, fundamentando-a segundo as situações anormais de motivação. Ressalta-se que essa possibilidade também foi convalidada pelo Superior Tribunal alemão, que, em 11 de março de 1927, analisou o caso de um aborto praticado por um médico com finalidade de salvaguardar a saúde e vida da gestante. As hipóteses de estado de necessidade extrapenais não solucionavam o caso, pois eram hipóteses em que a conduta lesava bens materiais. Inaplicável, também, o artigo 54, que exigia um vínculo familiar (a vítima teria que ser esposa ou parente próximo). Diante dessa situação complexa, a corte decidiu que em situações de risco de vida, nas quais, para resguardá-la, necessita-se lesionar outra, o bem jurídico inferior deverá ceder frente ao superior, concluindo que a lesão ao bem jurídico inferior não é antijurídica (SOUSA, 1979).

Dessa maneira, firma-se a teoria diferenciadora. A respeito desse marco, Alberto Rodrigues de Sousa (1979, p. 45) assim expõe:

implementava-se, assim, definitivamente, com adesões e profundas ressonâncias também no pensamento penalístico de outros países, a “teoria diferenciadora” do estado de necessidade. Segundo esse critério, ao estado de necessidade estão ligados dois possíveis e alternativos papéis: ‘causa de inculpabilidade’, nos casos em que se sacrificam bens ou valores iguais aos que se salvam, ou até maiores, quando os protegidos pertençam ao próprio agente ou a seu parente próximo, e sempre que, ao agente, não seja exigível outra conduta (hipóteses dos artigos 52 e 54 do Código Penal alemão); ‘causas de justificação’, nas hipóteses de sacrifício de valores menores para salvaguarda de valores maiores, como vem previstos nos dispositivos do Código Civil alemão e nas situações alcançadas pelo enunciado judiciais relativo ao chamado por alguns ‘estado de necessidade consuetudinário ou supralegal.

É no âmbito do estado de necessidade exculpante, desenvolvido no direito penal alemão, que se inicia a discussão sobre a possibilidade do princípio da inexigibilidade de conduta diversa ser admitida como causa supralegal de exclusão

da culpabilidade. Os artigos que tratavam do estado de necessidade no Código Penal alemão eram restritos e não abarcavam todas as hipóteses. Disso decorreu a necessidade de falar em estado de necessidade exculpante supralegal como fundamento da inexigibilidade.

No mesmo sentido, a questão é tratada no direito penal espanhol. Ambos os sistemas separam o estado de necessidade justificante e o estado de necessidade exculpante. O Brasil adota a teoria unificadora do estado de necessidade, que representa uma hipótese de causa de justificação. A ausência do estado de necessidade exculpante no direito penal brasileiro dificulta a visualização da inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal. Entretanto, esta constitui um princípio integrante da culpabilidade que pode ser extraído para tal função.

6.3. A INEXIGIBILIDADE COMO CAUSA DE EXCULPAÇÃO SUPRALEGAL NA