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A Lei nº 10.826/2003 regulamenta o registro, a posse e a comercialização de arma de fogo e munição, bem como define tipos penais. Confere competência ao Sistema Nacional de Armas, órgão pertencente ao Ministério da Justiça, para fiscalizar e controlar o registro, autorização para o porte, estabelecimentos de venda etc. O capítulo IV da referida lei dispõe sobre os tipos penais.

O artigo 14 estabelece o crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido. Refere-se à conduta de ter a posse ou de manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição de forma ilegal no interior de residência ou local de trabalho. Difere do artigo 16, que estabelece o porte ilegal de arma de fogo, conduta mais gravosa, pois pressupõe que o armamento esteja com o suspeito fora de sua residência ou local de trabalho. Em ambos os artigos, o bem jurídico tutelado é a segurança pública e o sujeito passivo à sociedade. São crimes de mera conduta, não dependem de um resultado naturalístico danoso e de perigo abstrato, sendo desnecessário comprovar a ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado, pois isso é presumido no tipo penal.

Apesar dessas características, é possível admitir a inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade nos citados crimes. Não há dúvidas de que compete ao Estado a segurança pública, da mesma maneira

tributo devido. Configuração a ser aferida pelo julgador, conforme um critério valorativo de razoabilidade, de acordo com os fatos concretos revelados nos autos, cabendo a quem alega tal condição o ônus da prova, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal. Deve o julgador, também, sob outro aspecto, aferir o elemento subjetivo do comportamento, pois a boa-fé é requisito indispensável para que se confira conteúdo ético a tal comportamento” (STF, AP. 516/DF, Tribunal Pleno, Des. Rel. Ayres Britto, DJe 03/12/10).

que não existe efetivo policial para garantir a integridade física de todos os cidadãos. Aquele que demonstra efetivamente estar sofrendo ameaça e que, após realizar o registro de ocorrência, não obtém êxito no esclarecimento dos fatos e adquire arma de fogo para proteção pessoal, dependendo das circunstâncias anormais do fato, pode configurar situação de inexigibilidade de conduta diversa. O Tribunal de São Paulo admitiu a tese no caso de um agente penitenciário que, após uma série de ataques da organização criminosa denominada Primeiro Comando da Capital e de ser, inclusive, feito refém, adquiriu arma de fogo para sua proteção pessoal.

Arma de fogo – Porte, sem a devida autorização, confessado pelo apelado, pessoa que exerce a função de agente de segurança penitenciário, e corroborado pelas provas coligidas – Inexigibilidade de conduta diversa, na modalidade de causa supralegal de excludente de culpabilidade, excepcionalmente caracterizada – Sentença improcedente – Recurso interposto pelo órgão acusador desprovido. [...] apelado, conforme se extrai da prova produzida, estava sendo ameaçado por organização criminosa e acreditava estar sofrendo perigo real e imediato, de maneira que adquiriu a arma apreendida de um soldado da Polícia Militar para sua defesa pessoal e tentava obter autorização para portá-la quando dos fatos. [...] embora a segurança pública tenha sido lesada pelo porte ilegal de arma de fogo, na oportunidade dos acontecimentos, consistentes em sucessivas rebeliões, atentados contra pessoas, ônibus incendiados, ataques a postos policiais dentre outros, numa visível demonstração de forças da organização criminosa, a segurança pública estava comprometida e, por isso, não se poderia exigir de um agente de segurança penitenciário, refém em duas rebeliões, que não portasse a arma de fogo que havia adquirido para sua defesa pessoal porque ainda não havia conseguido autorização para tanto (TJSP. Recurso de Apelação nº 990.08.18774-65. 4ª Câmara de Direito Criminal. Des. Rel. Lucas Tambor Bueno. DJe 15/12/09).

Em outras circunstâncias, o Tribunal de Justiça de São Paulo também admitiu a tese apresentada. Dois irmãos foram denunciados por porte ilegal de arma de fogo. Ocorre que ambos estavam em um bar, quando o desafeto de um deles entrou no estabelecimento. Após uma discussão, o irmão que buscava apartá-la pediu ao outro a arma de fogo que este estava portando, para evitar um mal maior. Após a entrega da arma, dirigiram-se para casa. Durante o trajeto, a polícia os abordou e apreendeu a arma de fogo. O acusado abordado pela polícia e que se encontrava com a arma era aquele que evitou a ocorrência de um crime grave. Foi aquele que pediu ao irmão que lhe entregasse a arma. Seu grau de reprovabilidade é inexistente. A conduta adequada socialmente foi a que ele adotou: acalmar a situação, desarmar o irmão envolvido em uma discussão e encaminhá-lo para casa. Diante do fato concreto, o juiz a quo absolveu o irmão que atuou para evitar um mal

maior com fundamento na inexigibilidade de conduta diversa supralegal e condenou o outro por porte ilegal de arma de fogo. O Tribunal de Justiça manteve a decisão.

PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO – Excludente de culpabilidade – Inexigibilidade de conduta diversa – Ocorrência – Absolvição mantida – Recurso ministerial desprovido. [...] Ora, não há como negar que Luiz Antônio agiu para evitar um mal pior. Tarde da noite, certamente depois de ter ingerido bebida alcoólica, não seria de se estranhar se Edson desse meia volta e disparasse sua arma de fogo contra Jamilson ou qualquer outra pessoa. Realmente, os tipos penais descritos na Lei nº 10.826/03 são de perigo abstrato, não exigindo, assim, prova de efetiva exposição da coletividade a risco. No entanto, não há como negar que o acusado Luiz Antônio praticou um fato típico para evitar a ocorrência de um mal maior, pois quem portava a arma de fogo antes dele era o corréu Edson, o qual, segundo uma das testemunhas, estava, inclusive, ameaçando atirar em alguém. Assim, absolutamente plausível o reconhecimento da causa supralegal de excludente de culpabilidade de inexigibilidade de conduta diversa, como bem verificado pelo Magistrado sentenciante (TJSP. Recurso de Apelação nº 0003216-93.2011.8.26.0030. 1ª Câmara Criminal. Des. Rel. Nelson Fonseca Júnior. DJe 26/08/2015).

Em nenhum momento são negados a autoria e a consumação do crime tipificado no Estatuto do Desarmamento. São crimes de mera conduta e de perigo abstrato que se consumam no momento do porte ilegal. Entretanto, ao analisar as circunstâncias que envolvem o fato e que são importantes para o juízo de reprovação, este deixa de existir. O fator motivacional para o porte ilegal da arma de fogo justifica a exculpação. A análise formal do fato e do crime não podem se distanciar da realidade social. Por isso, a inexigibilidade de conduta diversa apresenta-se como importante fundamento para ponderação de valores e resolução de conflitos.

7.4 FALSIFICAÇÃO DE PASSAPORTE COM A FINALIDADE DE BUSCAR