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O ESTADO E A MORADIA NO BRASIL: UMA SÍNTESE SOBRE AS POLÍTICAS HABITACIONAIS DESENVOLVIDAS NO PAÍS

Esquema temático da literatura

PRODUÇÃO DA MORADIA

3.3 O ESTADO E A MORADIA NO BRASIL: UMA SÍNTESE SOBRE AS POLÍTICAS HABITACIONAIS DESENVOLVIDAS NO PAÍS

Antes de adentrar na discussão sobre as políticas e programas habitacionais que houve no Brasil, a contribuição de Smolka (1987) se mostra interessante no sentido de perceber como

as ações estatais desse século visaram muito mais atender a interesses escusos do que necessariamente aos direitos sociais previstos em lei, no âmbito do espaço urbano. Para o autor:

Talvez a característica mais marcante da intervenção do Estado ao longo deste século tenha sido que, não só o Estado não pautaria seu comportamento segundo qualquer política urbana explícita, como suas intervenções sobre o urbano se destinariam antes de tudo a atender outros quesitos que não os propriamente urbanos (SMOLKA, 1987, s/p.).

Historicamente, o Estado preocupou-se com as questões relativas ao espaço urbano de forma secundária, priorizando ações para as políticas econômicas (produção, circulação, consumo). A garantia de direitos no âmbito do espaço urbano, como o direito à moradia, foi deixada em segundo plano, ainda que, vez por outra, o Estado atuasse de maneira paliativa.

A respeito da produção de moradia no Brasil, Souza et al (2015) afirma que existem três maneiras de se dar essa produção: 1. Forma empresarial; 2. Autoconstrução ou autogestão individual e a autogestão coletiva; 3. Produção pública. O presente estudo se dedica a tratar, predominantemente, acerca das duas últimas formas.

No que se refere à habitação popular, ou seja, subsidiada pelo Estado71, no papel dos diversos entes federados, no Brasil, apenas após a década de 1930 é que começam efetivamente os primeiros avanços nesse sentido. De acordo com Botelho (2007, p. 98):

Até a década de 1930, a totalidade da produção habitacional no Brasil coube à iniciativa privada, configurando o capital rentista que, originário de atividades agropecuárias ou mercantis, buscava no mercado imobiliário investimentos que gerassem uma renda. Esse capital rentista explorava as oportunidades ligadas à falta de moradias nas cidades brasileiras que cresciam rapidamente no final do século XIX e início do século XX, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro.

As experiências de produção de moradia até então verificadas eram ligadas ao rentismo. Somente as famílias de mais recursos podiam pagar pela mercadoria habitação, gerando lucros para os investidores. Assim, no Brasil a efetivação de políticas públicas de moradia se deu tardiamente, pois, antes da década de 1930, “Fiel ao liberalismo predominante, o Estado privilegiava a produção privada e recusava a intervenção direta no âmbito da construção de casas para os trabalhadores” (BONDUKI, 1994, p. 712)72.

71 De acordo com Villaça, o subsídio do Estado seria “[...] a aplicação de recursos públicos sem a expectativa de

um retorno. Os moradores das habitações construídas pelo Estado, por não terem condições de cobrir seu preço, pagariam por elas uma quantia menor que esse preço” (VILLAÇA, 1986, p. 17).

72 Aponta-se as Vilas Operárias construídas pelos industriais como primeiros empreendimentos habitacionais de

grande porte do Brasil. De acordo com Bonduki (1994, p. 715): “As vilas operárias eram conjuntos de casas construídas pelas indústrias para serem alugadas a baixos aluguéis ou mesmo oferecidas gratuitamente a seus operários. Estas iniciativas tiveram um impacto importante em várias cidades brasileiras, pois são os primeiros empreendimentos habitacionais de grande porte construídos no país”.

Embora o governo quisesse imputar às empresas privadas a responsabilidade das ações de produção de habitação popular à época, as condições da população estavam aquém da possibilidade de transformá-la em demanda solvável e dar retorno financeiro às empresas, desestimulando-as no que se refere à proposta do governo (BOTELHO, 2007).

Além disso, a pobreza sempre foi uma realidade no Brasil, a ponto de as famílias não terem possibilidade de possuir uma moradia, mesmo que subsidiada pelo governo, em alguns casos, atentando para o fato de que “A intervenção do Estado na questão habitacional decorre, em todas as sociedades, da incompatibilidade entre o custo da habitação e a capacidade de pagamento das famílias que necessitam ter acesso à moradia para viver nas cidades” (A. SOUZA, 2009, p. 117).

Assim, surgiram tentativas de intervenção do Estado na problemática da habitação. Tais intervenções se deram de maneira bastante insipiente ou problemática, em grande parte dos casos. Ressalta-se que os programas habitacionais, diga-se de passagem, mais figuraram como paliativos do que, necessariamente, como políticas de combate às desigualdades e à pobreza. Não se nega que houve avanços, mas eles foram bastante aquém do esperado.

Destacam-se, aqui, as seguintes fases dos programas e/ou investimentos mais abrangentes e incisivos no setor da habitação no Brasil: 1. Décadas de 1930 e 1940 (Institutos de Aposentadorias e Pensões – IAP’s, Fundação Casa Popular – FCP e outros); 2. Anos de 1960 (Programas do Banco Nacional de Habitação – BNH); 3. Década de 2000 até os dias atuais73 (Programas da Caixa Econômica Federal, com ênfase no Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV). Esses programas/políticas voltados à habitação tiveram e têm como algumas das suas principais características, dadas as suas especificidades e contextos particulares, um caráter problemático, excludente e classista. É importante enfatizar que tais aspectos se apresentam e se articulam de maneiras e intensidades variadas de acordo com os contextos.

Buscando realizar um breve retrospecto histórico, tendo em vista a tão extensa gama de estudos já realizados sobre esse tema, apresenta-se a seguir alguns dos principais momentos da política habitacional no país. É entre as décadas de 1930 e 1940 que surgem as primeiras intervenções mais significativas do Estado nesse setor. De acordo com Bonduki (1994):

Entre as medidas mais importantes implementadas pelo governo no que diz espeito à questão habitacional, estiveram o decreto-lei do inquilinato, em 1942, que, congelando os aluguéis, passou a regulamentar as relações entre locadores e inquilinos, a criação das carteiras prediais dos Institutos de Aposentadoria e

73 Apesar de, nos últimos anos, o programa ter sofrido um considerável retrocesso, conforme explicita a manchete,

do dia 13 de novembro de 2018, da Revista Fórum: “Caixa suspende Minha Casa Minha Vida para famílias que ganham até 2,6 por mês”. Além disso, um trecho da matéria expõe: “No ano passado, a faixa 1 do programa já tinha sofrido cortes. À época, várias entidades denunciaram a paralisação das obras populares por todo o Brasil.

Previdência e da Fundação da Casa Popular, que deram início à produção estatal de moradias subsidiadas e, em parte, viabilizaram o financiamento da promoção imobiliária, e o Decreto-Lei n.º 58, que regulamentou a venda de lotes urbanos a prestações” (BONDUKI, 1994, p. 711).

Esse foi um momento muito importante, pois marcou o início da atuação direta do Estado na provisão de moradia para a população brasileira. Ainda que essa atuação tenha se dado a passos lentos e de forma insipiente (BONDUKI, 1994) não se pode negar sua importância. Entretanto, tratou-se de um contexto bastante problemático. Com relação à FCP, por exemplo, Botelho (2007, p. 107) afirma:

A FCP tinha como única fonte de recursos as dotações orçamentárias da União, tendo essa instituição que disputar esses recursos com dezenas de outros órgãos públicos. Ou seja: a FCP não possuía autonomia financeira, não havia uma fonte de recursos destinada exclusivamente para a concretização das suas metas, ficando então suas atividades dependentes dos interesses dos diversos grupos políticos influentes na época.

Considera-se que, já na sua origem, as políticas/programas voltadas à moradia se configuravam como sendo bastante frágeis74, tendo em vista, por exemplo, a falta de autonomia financeira de uma Fundação tão importante como a FCP. Outro grande problema da FCP foram as barganhas político eleitoreiras. Lima (2010, p. 45) assevera que: “O fracasso dessa política foi atribuído ao clientelismo e à utilização das casas como moeda de troca nos pleitos eleitorais”, levando a uma inversão à destinação das unidades habitacionais que se voltaram a famílias que recebiam acima do teto da proposta inicial (BOTELHO, 2007). Segundo Botelho:

Os moradores de favelas, a grande massa de trabalhadores com salários entre um e três salários mínimos, os migrantes recém-chegados do campo, enfim, a população mais carente, foi marginalizada no processo de produção de moradias pela FCP (BOTELHO, 2007, p. 108).

Desde então, as relações do Estado com as classes sociais detentoras de poder político e econômico são estreitas, a ponto de haver desvio das unidades habitacionais para pessoas que não constavam como demanda prioritária, prejudicando sobremaneira as famílias mais pobres, muitas das quais permanecendo em situação de extrema precariedade.

Esse aspecto também foi bastante presente na política do BNH, criado em 1964, com a extinção da Fundação Casa Popular. De acordo com Botelho (2007, p. 109), “[...] com a lei nº 4380 de 21 de agosto de 1964, instituiu o Plano Nacional de Habitação e criou Banco

74 Ao tratar sobre a FCP, Bonduki (1994, p. 718) afirma que “[...] sua fragilidade, carência de recursos,

desarticulação com os outros órgãos que, de alguma maneira, tratavam da questão e, principalmente, a ausência de ação coordenada para enfrentar de modo global o problema habitacional mostram que a intervenção dos governos do período foi pulverizada e atomizada, longe, portanto, de constituir efetivamente uma política”.

Nacional de Habitação (BNH) [...]”75. Essa lei também instituiu o Sistema Financeiro de Habitação – SFH e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo – SERFHAU.

A criação do BNH (Banco Nacional de Habitação) ocorreu concomitantemente ao processo de instauração do regime militar no país, levando-se em conta que, no caso das cidades médias, nesse período, houve uma diminuição drástica na destinação de recursos para esses centros urbanos, visto que a prioridade agora seria dada às capitais dos estados.

Segundo Maricato (1997, p. 49) os investimentos do SFH “[...] favoreceram predominantemente as classes médias emergentes e classes altas, sustentáculos do regime ditatorial”. Os programas pensados para a habitação no país beneficiaram mais aos estratos de renda mais alta (FERNANDES E SILVEIRA, 2010, p. 15), em detrimento da parcela mais pobre que, de fato, se “encaixava” no perfil de tais programas, numa nítida troca de favores. Nesse sentido, os dados76 apresentados por Souza (2009) são alarmantes:

Dos 4,5 milhões de moradias construídas com financiamentos do Sistema Financeiro de Habitação, entre 1964-86, apenas 1,5 milhão (33%) destinou-se à população de baixa renda, sempre em conjuntos habitacionais localizados nas periferias urbanas, onde à terra era barata por não haver acesso a infraestruturas de saneamento básico e transporte coletivo, nem equipamentos comunitários de educação, saúde, lazer e cultura, e não apresentar oferta de empregos (SOUZA, 2009, p. 117).

As relações entre Estado e capital se faziam perceptíveis, a destinação de recursos para beneficiar as classes de maior renda nesse processo é um exemplo forte dessa dinâmica perversa que, desde então, intensifica as desigualdades, visto que as intervenções estatais se voltam predominantemente à demanda solvável do mercado imobiliário, pois “[...] não era intenção dos formuladores do SFH criar mecanismo de subsídio à produção habitacional para a população de renda mais baixa e sim criar uma forma de financiar a produção capitalista de moradia através de uma racionalidade de mercado” (BOTELHO, 2007, p. 110).

Botelho (2007) expõe ainda que: “O Estado também teve um papel fundamental, através do BNH, no atendimento das aspirações de alguns setores da economia, sobretudo as grandes construtoras e o setor bancário” (BOTELHO, 2007, p. 116). Além de beneficiar a classe mais abastada nesse processo, o Estado tinha como objetivo o “aquecimento da economia” via

75 “Os recursos do BNH, eram oriundos do recolhimento compulsório de 1% sobre as folhas de pagamento de

todas as empresas cujos funcionários e empregados fossem contratados sob o regime de CLT. Em 1966 estes recursos foram bastante ampliados pela criação do FGTS, cuja gestão ficou a cargo do BNH. O FGTS era composto por 8% dos salários pagos mensalmente pelo empregador” (LIMA, 2004, p. 203).

76 Esses dados são corroborados por Botelho (2007, p. 114): “Das unidades financiadas com recursos do SFH até

dezembro de 1980, 65% destinaram-se às camadas de renda média e alta da população, revelando que o crédito e o subsídio implícito nele [...] para o setor habitacional não se dirigiu, em maior parte, para as camadas menos favorecidas da população”.

grandes construtoras e bancos. A política habitacional à época funcionou, predominantemente, como mero simulacro da produção capitalista do espaço, através da construção em macro escala de unidades habitacionais que, em grande parte, não atendiam às necessidades dos mais pobres. Outra problemática, apontada por Maia (2013, p. 03), é a seguinte: “[...] as habitações construídas pelo BNH se constituíam em unidades unifamiliares ou multifamiliares dependendo da cidade, mas sempre eram edificadas de forma uniforme, despersonalizadas, anônimas e principalmente desarticuladas da cidade [...]”. Além dessa padronização, Cardoso e Abiko (2006) explicitam também a periferização desses conjuntos habitacionais, o que deu origem a outros engodos, como a ausência de infraestrutura, tendo em vista a distância com relação aos centros das cidades e aos serviços públicos e privados.

Sobre esse contexto, um dos documentos sobre as políticas habitacionais da Habitat III expõe que “Muitos planos habitacionais multi-bilionários e ambiciosos foram construídos em áreas periféricas sem acesso a transportes públicos e sem proximidade dos mercados de trabalho” (ONU, 2016, p. 08). Acrescenta-se a isso os entraves de acesso à moradia de qualidade, à sociedade urbana, a um solo urbano regularizado, e a uma posse segura da terra, pois “el acceso al suelo urbano (regularizado o reconocido formalmente como urbano) constituye un factor decisivo de integración a la ciudad” (POLANCO, 2012, p. 125).

Pode-se constatar também que, mesmo com a sua expressividade, o BNH não logrou êxito em sanar as problemáticas da sua alçada, pois, conforme ressalta Botelho, “O binômio BNH/SFH não conseguiu também inverter a curva descendente do agravamento da situação habitacional no Brasil, embora, comparativamente ao período pré-1964, observou-se um incremento na produção habitacional” (BOTELHO, 2007, p. 118).

Diante da inobservância do BNH/SFH, foi necessária a criação de alguns programas habitacionais alternativos, visando o atendimento das camadas populares no provimento de moradias. De acordo com Azevedo (2007, p. 17):

Essa tendência “elitista” da política de habitação popular vinculada ao SFH não significou, entretanto, que os programas alternativos durante os primeiros anos da Nova República tenham tido pouca importância. Pelo contrário, eles nunca foram tão fortes. Entre os desenvolvidos à margem do SFH, merece destaque especial o Programa Nacional de Mutirões Habitacionais, da Secretaria Especial de Ação Comunitária (Seac). Apesar de suas especificidades e dinamismo sem precedentes, ele apresenta muitos pontos em comum com os programas alternativos que o antecederam (Profilub, Promorar, João de Barro etc.), tanto no referente ao papel do poder público local, quanto no que diz respeito à atuação da população beneficiada.

Esses programas alternativos deram oportunidades aos mais pobres de terem acesso à moradia, uma vez que os programas hegemônicos eram “abocanhados” pelas classes de renda mais alta, favorecidas pelo Estado.

No ano de 1986 o BNH é extinto e a Caixa Econômica Federal assume as questões relacionadas à habitação no país. Botelho (2007, p. 121) afirma que: “Após o colapso do BNH, a fragmentação institucional e a descentralização das políticas habitacionais não se definiu um novo conjunto articulado de ações na promoção pública de habitação popular”. Salienta-se que o final do BNH coincide com o início do processo de redemocratização brasileira.

É necessário abrir um parêntese para recordar que, passado o período militar, em meio ao processo de redemocratização do Brasil, foi instituída a Carta Magna de 1988. E que, embora houvesse tentativas no sentido de tornar a nova constituição mais progressista, o que se observou foram saltos no sentido de torná-la ainda mais neoliberal. No que se refere à moradia, a Constituição Federal de 1988 traz os seguintes artigos77:

1. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (CF, 1988, Art. 6º, grifos nossos);

2. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (CF, 1988, Art. 23, inciso IX, grifos nossos).

Observa-se que, mesmo a moradia aparecendo como um dos direitos sociais e os programas habitacionais como uma ação de competência dos entes federados, na prática essas intervenções se deram e se dão de forma bastante problemática e contraditória ao longo da história, nas diversas escalas.

Com o fim do BNH, as políticas habitacionais de maior envergadura só seriam retomadas anos após a sua extinção, tornando-se raras e/ou pontuais as intervenções estatais nesse setor entre o final da década de 1980 e início dos anos 2000. De acordo Botelho (2007), além de herdar as funções do BNH, a Caixa Econômica Federal, “[...] herdou uma inadimplência bilionária das sociedades de crédito imobiliário, cooperativas habitacionais, bancos comerciais e associações de poupanças e empréstimos” (BOTELHO, 2007, p. 120).

Ao contrário do que acontecia anteriormente, com a destinação dos recursos para as políticas habitacionais indo diretamente aos órgãos públicos responsáveis, ocorreu que “A Caixa Econômica Federal [...] passou a transferir os créditos dos recursos do FGTS,

anteriormente canalizados aos promotores públicos (companhias habitacionais), diretamente para as empresas construtoras [...]” (BOTELHO, 2007, p. 121). Esse fato implicou a crescente privatização da política habitacional (BOTELHO, 2007), além de uma maior geração de benefícios para empresas privadas em detrimento das famílias pobres, tudo isso viabilizado pelo próprio Estado enquanto promotor e financiador das desigualdades socioespaciais.

Já em 1997 foi criado o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) visando também beneficiar as empresas. “A criação do SFI marca a formalização de um processo simultâneo de crescente mercantilização da política habitacional e de financeirização do mercado imobiliário, num contexto de menor intervenção estatal na questão habitacional” (BOTELHO, 2007, p. 126). Essas e outras dinâmicas vexatórias das políticas habitacionais estatais se inserem no contexto neoliberal no qual o Brasil já estava inserido respaldado por sua Carta Magna (1988).

No ano de 2003 foi criado o Ministério das Cidades78 e, em 2009, teve início o “Programa Minha Casa, Minha Vida”79. Assim como os programas pretéritos, o Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) apresenta uma série de problemas relacionados ao provimento de habitações de interesse social. Inicialmente porque, “a crise econômica e a disposição do governo em dinamizar a construção civil atropelaram a construção do PlanHab, pactuado como uma estratégia de longo prazo” (BONDUKI, 2009, p. 12). Para Pequeno et al (2017, p. 227), o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV),

[...] desde que foi lançado, em 2009, tem sido o principal programa habitacional do governo federal, e também dos governos municipais que, frente ao volume de unidades ofertadas, desaceleraram suas políticas e programas locais para dedicar-se exclusivamente ao PMCMV.

É notória a atuação desse programa no processo contemporâneo de produção do espaço e de moradia nas cidades brasileiras e a importância da manutenção/aperfeiçoamento de polítcas públicas de habitação de interesse social. Observa-se que, desde 2009 até anos mais recentes foi o PMCMV que encabeçou grande parte da dinâmica de produção habitacional estatal no Brasil, muitas vezes contando com o apoio e subsídios das próprias prefeituras e dos estados.

78 “Ministério das Cidades, criado em 2003, institui quatro secretarias nacionais – Habitação, Saneamento,

Mobilidade Urbana e Programas Urbanos – visando articular as políticas setoriais e enfrentar a questão urbana” (SOUZA, 2009, p. 122-125, grifos da autora). Inclusive, o mesmo ministério teve o seu fim decretado pelo atual presidente da república, Jair Bolsonaro, no ano de 2019, totalizando apenas 16 anos de duração e de existência. Esse fato é bastante problemático, visto que o Brasil é um país que possui e perpetua uma gama imensa de problemas urbanos e afins, o que denota a necessidade de manutenção e reforço e aperfeiçoamento de órgãos específicos para tratarem de tais assuntos e não a extinção de tais órgãos.

79 “Seu aporte inicial era de aproximadamente R$ 34 bilhões para construção de um milhão de novas unidades

habitacionais. Em 2011, foi lançada sua segunda fase para construir mais dois milhões” (CARDOSO et al, 2017, p. 221).

Sobre os resultados do PMCMV, com base nos dados da Fundação João Pinheiro quanto ao déficit habitacional de 2013, os autores Ribeiro, Boulos e Szermeta em artigo intitulado “Como não fazer política urbana” na revista Carta Capital, escreveram:

Em 2008, o número de famílias sem moradia no país era de 5.546.000 de acordo com o Ministério das Cidades. Em fevereiro de 2009, foi lançado o Programa MCMV com a promessa de redução drástica destes números. Ao final de 2010, o MCMV havia atingido a meta de 1 milhão de casas construídas ou contratadas. Resultado: o número de famílias sem moradia no final de 2010 era de 6.940.000. Após 1 milhão financiadas pelo governo, a carência de moradias no Brasil aumentou praticamente 1,5 milhão.