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1 O PENSAMENTO DE HUGO GROTIUS E AS BASES PARA UMA TEORIA

2.2 Estado, Poder Soberano e Direito: A Institucionalização Jurídica do Uso da Força

Demonstrou-se no pensamento de Grotius até aqui que, da mesma forma em que a sociedade civil é o berço do direito interno que regula cada nação, o direito das gentes também teve seu nascedouro em uma espécie de comunidade humana chamada pelo autor de sociedade das gentes e que modernamente veio a se tornar conhecida como “Sociedade Internacional”. Consequentemente, desta relação recíproca entre Estados soberanos, problemáticas que antes diziam respeito às nações particularmente consideradas, então passaram a importar à grande sociedade humana. Uma dessas questões refere-se à legitimidade do emprego da força, como consequência de um poder soberano pautado no Direito.

Nesse sentido, Grotius (2005) acertadamente atentou à existência de algumas prerrogativas do Estado que inapropriadamente seriam chamadas de direitos pela teoria jurídica romana. A capacidade de impor obrigações e punições sob a forma de violência, que por vezes autoriza o Estado a legitimamente empregar a força, é uma destas prerrogativas:

A liberdade de promover por castigos aos interesses da sociedade humana que, no começo, como dissemos, pertencia aos privados, ficou, após o estabelecimento dos Estados e das jurisdições, para os poderes soberanos, não propriamente porque eles mandam nos outros, mas porque não obedecem a ninguém (GROTIUS, 2005, p. 851). Esta liberdade é um argumento recorrente na teoria contratualistas clássica, que considera que a sociedade civil retira seu principal fundamento de existência no direito de liberdade (liberdade política). Grotius define essa liberdade como “o direito para a república de se governar a si mesma, direito que é pleno num Estado popular, temperado por um Estado

aristocrático, sobretudo num Estado em que nenhum dos cidadãos é excluído dos cargos públicos” (GROTIUS, 2005, p. 971). Anota, contudo, que quando a reta razão elege não a liberdade política, mas à própria vida do homem como fundamento maior da associação civil, o uso da força assume contornos mais limitados.

Como destacado nas considerações de Grotius acerca da justiça, conheceu-se que a justiça concessiva, na forma pensada por Aristóteles, teria lugar sempre que se tratasse de encontrar igualdade entre dois extremos. No que concerne ao direito de punir, contudo, encontrar esta igualdade não seria um princípio, mas sim uma consequência. Para Grotius (2005) o que se deveria considerar primeira e principalmente seria a igualdade entre o ato ilícito e a pena. Logo, punir gravemente ou moderadamente um crime mais ou menos grave seria, senão, uma simples consequência da aplicação da pena e não um princípio norteador.

Ademais, Grotius (2005) alerta ser igualmente inapropriado considerar como fundamento do direito de punir a justiça concessiva, como muitos interpretam, compreendendo a pena como forma de devolver algo ao sujeito punido, como que em um contrato. Explica:

Eles [os filósofos] consideram esse negócio como se se devolvesse a um criminoso alguma coisa, assim como se costuma fazer nos contratos. Abusam da locução popular, pela qual dizemos que a pena é devida ao delinquente, o que é de todo impróprio, pois aquele a quem uma coisa é propriamente devida tem um direito contra a outra parte. Quando, porém, dizemos que uma pena é devida a alguém, não queremos dizer outra coisa, a não ser que é justo que seja punido (p. 785).

A pena, portanto, não seria devida ao transgressor da norma, mas ele próprio seria sujeito de um direito do qual decorreria o dever de punir. Em outras palavras, não seria em virtude da pena que um indivíduo se tornaria punível, mas em virtude de um direito. Disso decorre que aquele “que agiu mal” (GROTIUS, 2005, p. 786), não “deva ser considerado como tendo-se por isso mesmo tornado inferior a qualquer um e tendo-se como que riscado do número dos humanos para se colocar entre as espécies dos animais, com foi ensinado por alguns teólogos”.

É neste sentido que o autor liga ao direito de punir a necessidade de existência de uma finalidade, um fundamento racional, isto porque conclui que “Um homem é de tal modo ligado pelo sangue a outro homem que não deve prejudica-lo, a menos que seja para produzir algum bem” (GROTIUS, 2005, p. 788) e em outra parte afirma “É, pois, uma coisa que repugna à natureza do homem agindo sobre o homem, saciar-se da dor de outro enquanto dor” (GROTIUS, 2005, p. 792). O fundamento do direito de punir referido por Grotius trata, portanto, da finalidade da punição, da satisfação do ideal de justiça que dela se espera, ou, do

que ele chamou de “Razão por que e fim pelo qual” (GROTIUS, 2005, p.833), em que a “razão porque” é o fato da transgressão da norma e o “fim pelo qual” constitui a resposta esperada do Direito.

Em âmbito internacional esta prerrogativa punitiva da norma refere-se também a uma permissividade do direito das gentes. Contudo, importante ressaltar que o direito das gentes referido neste ponto não é aquele jus gentium voluntário das nações anteriormente referido por Grotius, mas sim um direito das gentes em sentido amplo, sinônimo do direito natural, como se percebe na citação a seguir: “Se, portanto, a vingança, mesmo privada, é dirigida em vista desses fins e nos limites da equidade, não é ilícita, considerando somente o direito de natureza nu, isto é, separado das leis divinas e humanas” (GROTIUS, 2005, p. 798).

Compreende-se, então, a razão pela qual chama este direito natural primitivo por direito das gentes, porquanto tem lugar especialmente em situações de interesse não de uma, mas de várias nações. Observe-se, contudo, que mesmo nesta hipótese de permissão (em sentido negativo) pelo direito das gentes, a prerrogativa de aplicação da pena não deveria recair sobre pessoas privadas, mas tão somente indivíduos ou comissões autorizadas pelo Estado. Nesse sentido, mesmo o ato de entregar a morte como punição não deveria ser considerado como um direito propriamente dito, senão como uma impunidade autorizada, no mesmo sentido em que a violência por parte do Estado na persecução pena o é. Daqui surge a questão de saber se para infligir uma pena seria necessário o direito de jurisdição, uma vez que a guerra também pode ser considerada uma forma de punição.

A este respeito, o autor assume ir à contramão do pensamento de autores como Francisco de Vitória, Vasquez, Molina, Azor e outros para os quais a justiça da guerra depende de uma ofensa pessoal sofrida pelo Estado, enquanto única autoridade capaz de empreender uma guerra justa. A diferença repousa no fato de que, para Grotius (2005) o direito de punir não seria um efeito da jurisdição civil, mas sim uma decorrência do direito natural, uma espécie de persistência da razão primitiva que autorizava o uso da violência como punição mesmo antes da formação dos Estados. E não é por acaso que Grotius defende tal argumento, de fato, os desdobramentos desta constatação novamente o colocam a frente de uma teoria internacionalizada do direito.

Veja-se que, ao relacionar o direito de punir com a jurisdição civil, se está assumindo que, de acordo com o direito de cada Estado, existem determinadas condutas passíveis de punição. Contudo, esse entendimento encontra problemas especialmente nas relações entre as nações em si, uma vez que o rol de condutas puníveis diz respeito apenas a um Estados

particularmente considerado, não podendo vincular aqueles que não se encontram sob tal jurisdição específica. Grotius refere três considerações acerca das dificuldades advindas desse entendimento.

A primeira consideração diz respeito aos costumes, que não raro são tomados como norma de natureza e exigidos das nações quando, de fato, encerram uma norma costumeira civil. A segunda diz respeito ao direito divino voluntário, que não é conhecido de todos e, portanto, não pode ser exigido como se fosse. E, por fim, a necessidade de distinguir entre os “princípios gerais” do direito de natureza, que poder-se-ia compreender como abstratos, carentes de interpretação, e os “princípios próximos”, de evidência imediata (GROTIUS, 2005, p. 855). Em relação a essas situações, uma guerra que se empreendesse como forma de punição, com fundamento em uma jurisdição civil, seria certamente “suspeita de injustiça” (GROTIUS, 2005, p. 856).

Percebe-se, portanto, que ao fundar os alicerces do direito de punir no direito de natureza, considerado em analogia com o jus gentium, Grotius conseguiu de certa forma transportar uma teoria da pena para o âmbito internacional, a saber para o direito de guerra, o que não teria espaço em uma abordagem que considerasse o direito de punir exclusivamente vinculado a uma jurisdição Estatal específica.

Nesse contexto internacional é que, por exemplo, as práticas recíprocas entre as nações deram lugar a uma norma especializada de direito das gentes (ainda presente no Direito Internacional) como, por exemplo, aquela que visa a proteção dos chefes de Estado, bem como dos agentes públicos que o representam externamente. Este direito, conforme Grotius (2005, p. 733) “(...) não nasce, como o direito de natureza, de uma maneira certa de princípios certos, mas recebe sua regra da vontade das nações”. Em um primeiro momento este direito aparece, portanto, como um impeditivo de qualquer agressão contra a pessoa dos sujeitos públicos. Um direito que Grotius atribui como ao jus gentium, mas que nem por isso seria absoluto, como se percebe na afirmação a seguir:

A justiça e a equidade, isto é, o direito puro de natureza, sofrem quando se inflige um castigo, quando o que se tornou culpado é encontrado, mas o direito das gentes excetua os embaixadores e aqueles que, como eles, vêm sob a proteção da fé pública. Por isso é que é contrário ao direito das gentes, pelo qual muitas coisas são proibidas, mas que o direito de natureza permite que os embaixadores sejam objeto de acusação (GROTIUS, 2005, p. 734).

Guardadas as proporções, é possível realmente afirmar que esta compreensão difere pouco da que se cultiva contemporaneamente, a saber, que o Direito Internacional, em analogia

ao direito das gentes de outrora, têm a capacidade de introduzir a possibilidade de responsabilização pessoal dos agentes públicos responsáveis por crimes de guerra. Grotius sabiamente percebia, já em seu tempo, que tais privilégios das pessoas do Estado conferiam alguma coisa além do direito comum, um verdadeiro dever para com a observância do direito.

Disso decorre que a segurança dos agentes do Estado pelo Direito Internacional, está relacionada com a utilidade que provém da pena, que significaria tão somente colocá-los a salvo de uma violência injusta. O que não obsta que, em determinados casos, especialmente se a conduta de tais agentes atentasse contra o interesse da humanidade, se tornasse apropriada sua responsabilização individual, além da que concerne ao Estado. Nesse sentido é que passou a ser possível defender, como afirma Grotius (2005, p. 735), que “um perigo universal basta, todavia, para a equidade e a utilidade de uma lei universal”.

Aqui, novamente, a teoria do Direito Internacional moderna mostra-se devedora do pensamento grotiano. No auge do fortalecimento do Estado soberano, Grotius bem compreendeu que nos casos em que determinado crime cometido por um dos cidadãos ou agentes do Estado ultrapassasse a zona de interesse do Estado em questão e atingisse a “sociedade humana” a legitimidade de punir o indivíduo, mormente adstrita ao direito interno, e passaria a integrar o âmbito de aplicação do jus gentium. Esta compreensão teria lugar, pois,

Desde o estabelecimento dos Estados, convencionou-se, é verdade, que os delitos dos privados relativos propriamente ao corpo do qual são membros seriam entregues a esses próprios Estados e seus chefes para serem, segundo sua vontade, punidos ou dissimulados. Um direito assim tão absoluto não lhes foi igualmente concedido, em matéria de delitos que interessam de alguma forma à sociedade humana, delitos que os outros Estados ou seus chefes têm direito de perseguir, da mesma maneira que em cada Estado é dada uma ação popular em razão de certos delitos (GROTIUS, 2005, p. 890).

A jurisdição penal sob o sujeito, ou seja, o direito de punir, seria como que compartilhado pelo Estado do qual pertence e pelo Estado ou Estados lesados pela conduta ilícita. Surgiria, então, uma obrigação alternativa, o Estado do sujeito teria o dever de aplicar a pena ou remetê-lo a outro Estado. Contudo, mesmo neste caso, os direitos da cidadania e também os relativos aos bens do sujeito entregue permaneceriam intactos. Sua compreensão revela, portanto, que Grotius sabia diferenciar os direitos da soberania (atinentes à sociedade civil) dos direitos decorrentes da associação do jus gentium, este último, surgindo como um direito de certa forma condicionante da liberdade soberana.

2.3 Relações Intergentes, Direito e Conflito: A moderna teoria da guerra justa de Hugo Grotius

O que é a guerra, o que é o direito?26 São estas as indagações que intitulam o primeiro capítulo da célebre obra de Hugo Grotius acerca da guerra e da paz. Interessava a ele não somente expor um arcabouço de conceitos, ou mesmo criar uma nova dogmática, mas efetivamente sinalizar a existência de um direito específico, cuja matéria seria as relações entre as nações, povos e Estados do que ele chamava “sociedade das gentes”. Transparece fortemente a questão de saber quem teria o monopólio do uso da força após o estabelecimento da figura do Estado. É de se recordar que aquele era um momento de transições no cenário político-jurídico europeu, onde ao mesmo tempo em que a ideia de Estado de Direito se consolidava, os ideais de Estado-Nação gestavam no pensamento iluminista ocidental.

Assim, ampliando o conceito dado por Cícero em sua obra De Officiis, que trata da guerra como um embate que se resolve pela força, Grotius (2005, v. I, p. 72) afirma que “a guerra é o estado de indivíduos, considerados como tais, que resolvem suas controvérsias pela força”. Ao fazê-lo traduz a ideia de que a guerra, assim definida enquanto estado (etim. lat. status), designa um conjunto de características específicas e um conjunto de condições que se referem a um modo de estar em que se encontram indivíduos em um determinado momento. É o que afirma em outra parte: “A guerra é a designação de um estado que pode existir mesmo sem produzir suas operações externamente” (GROTIUS, 2005, p. 1423). O que também se depreende quando afirma que a guerra pública “se prolonga e se realimenta continuamente pela sucessão de novas culpas e novas injúrias” (GROTIUS, 2005, p. 304).

Some-se a isso que a própria utilização da palavra “indivíduos” de modo genérico, e não de Estados ou Nações, como poderia ter optado, demonstra a intenção de Grotius em não limitar o conceito de guerra ao âmbito das chamadas guerras soberanas27, estendendo-o a todos os conflitos capazes de criar situações de guerra e paz. É a partir desta noção que é possível para Grotius justificar a necessidade de a questão ser objeto de um direito humano próprio, a saber o direito da guerra, que ele identifica como parte do direito das gentes, criando sua própria doutrina da Guerra Justa.

26 Na tradução da edição em inglês: GROTIUS, Hugo. Rights of War and Peace. London: Cambridge University Press, 1853.

27 Como o fez antes, por exemplo, Alberico Gentili, ao afirmar: “A guerra é a justa contenda de armas públicas” (2006, p. 61).

Conforme destaca Schneewind (2001, p. 99), interessante observar que uma das primeiras palavras usada pelo autor no texto do Direito da guerra e da paz é “controvérsias” e não propriamente guerra, donde Grotius informa que estas controvérsias são de todo e qualquer tipo e que realmente a humanidade não poupa a criação de oportunidades para fazê-las surgir. De acordo com seu raciocínio isso decorreria do fato de o próprio humano ser propenso ao conflito, ter esse resquício de “animal selvagem” em si. Interessante ainda que ele não relaciona essa disposição de animosidade ao pecado, de fato, não o faz nem em sua obra apologética. A controvérsia, que tem sua forma mais extrema na guerra, é assim abordada como um fato e uma questão da vida humana.

Grande parte da teoria da guerra justa antiga repousa sobre as chamadas causas justificativas da guerra, enfatizando-as em três causas: a defesa, a recuperação do que foi tomado e a punição. Adicionalmente uma quarta causa, a busca do que é devido, aparece em Platão, Sêneca e Agostinho, conforme refere Grotius (2005, p. 285). É a partir destes aportes que o autor desenvolve sua própria argumentação, aos moldes escolásticos tradicionais afirmando que a causa primeira da guerra, ou a causa por excelência, seria a resposta a uma ofensa sofrida, ressaltando, contudo, que tal causa não proviria diretamente da agressão, mas do direito correspondente que fora lesado. Esta compreensão, aduz, estaria de acordo com a equidade natural a qual o direito das gentes acrescentaria certas condições de justiça.

Observe-se que o estudo da justiça da guerra (bellum justum) teve suas bases na tradição cristã. Agostinho de Hipona, nas obras De civitate dei e Contra Faustum argumentava que a guerra seria justa quando ordenada por Deus para punir iniquidades, bastando para sua legitimação e justiça que fosse declarada por quem tivesse o poder de fazê-la, sendo justa na medida em que tivesse por causa a reparação de uma injustiça e guardasse o fim único da paz. De forma similar, na Suma Teológica, Tomás de Aquino estabeleceu que para a guerra ser justa precisaria atender a, pelo menos, três condições: (a) ser declarada pelo poder do príncipe; (b) ter uma causa justa e; (c) objetivar promover o bem ou evitar o mal. Essas três condições se tornaram a base para a elaboração das várias teorias da guerra justa surgidas em sequência. Foi apenas no século XVI que começou a se desenvolver um conceito moderno da guerra justa, ligado a noção de guerra como conflito de armas públicas, conceito este que, no século XVII, com Hugo Grotius, veio a ser ampliado (MELLO, 1997).

De acordo com a tradição medieval, toda guerra deveria ser declarada pela autoridade competente de um poder público. Grotius percebeu, porém, que haviam situações em que sujeitos privados e mesmo o próprio povo oprimido, “os súditos contra os detentores do poder”

(2005, p. 231) poderiam iniciar um conflito legítimo. A guerra, quando usada como forma de rechaçar uma injúria ou proteção, comportaria a possibilidade de ser empregada por entes não públicos e mesmo sem autorização destes, destacando-se a hipótese em que não houvessem tribunais públicos para resolver a controvérsia, “quando não se pode esperar o socorro do juiz sem se expor a um perigo certo ou a um prejuízo” (2005, p. 160).

Para traçar essa doutrina, Grotius inicia explicando que nenhuma das leis naturais, humanas ou divinas, seriam contrárias à guerra, conforme a história e o consenso dos povos testemunham. Outrossim, no que interessa ao direito das gentes, que nesse contexto o autor identifica com o direito natural a guerra não seria proibida, mas haveriam duas ponderações a observar. A primeira ponderação, é a de que os princípios naturais primordiais, como aquele da defesa da vida e da propriedade, não seriam contrários à guerra como forma de resguardo de determinados direitos. Sob este argumento primitivo qualquer guerra poderia ser empreendida, sem limites. No entanto, e em segundo lugar, a reta razão e a natureza da sociedade, embora igualmente não vetassem a guerra, proibiriam o emprego da força que se opusesse à vida social. Disso decorreria que mesmo a violência utilizada para zelar pelos próprios interesses, não seria injusta quando não violasse o direito de outros.

De acordo exclusivamente com uma justiça expletora (de compensação) poder-se-ia afirmar que ato de matar em uma guerra, por exemplo, não seria ilícito. Contudo, Grotius sabiamente esclarece que a lei, ao permitir a morte de outrem neste caso, não está criando um direito, mas tão somente uma hipótese de, novamente, impunidade autorizada, em analogia aquela forma de impunidade que decorre do monopólio do uso da força dos Estados soberanos.

Neste ponto, diversamente da maioria dos autores e teólogos, Grotius afirmava que matar em defesa dos próprios bens não seria um motivo verdadeiramente justo, questionando sob a voz de Agostinho “Como podem estar isentos de pecado diante da divina Providência aqueles que, por coisas que devemos desprezar, se sujam de sangue humano?” (GROTIUS, 2005, p. 302). Realmente, teria sido inútil a criação do Estado e a instituição da autoridade dos tribunais se a lei concedesse ao cidadão privado o direito de matar, mesmo em hipóteses mais hediondas.

Aquele direito de autodefesa, portanto, não seria permitido para diminuir o poder de outrem, mesmo sob a alegação de motivo justo. De acordo com o autor (2005, p. 305) “Que a