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3 O DIREITO DAS GENTES, O DIREITO INTERNACIONAL E OS DIREITOS

3.2 O Indivíduo enquanto Sujeito de Direito Internacional: Possibilidades e Limites a

O processo de dessacralização do mundo, fenômeno recente na história da civilização ocidental, tem sua inauguração a partir da invenção helênica do “mito” do homem (MARQUES, 1993). Foi através da necessidade de assegurar e resguardar a unidade do império romano e, mais enfaticamente, com a expansão da igreja cristã, que a primeira noção de humanus foi unificada sob a noção de “filhos de Deus”.

Nesse contexto, o humano passou a ser designado sob o paradigma de um pensar ontológico, ou ainda, nas palavras de Nelson Saldanha (1993) um paradigma ontoteológico, no sentido de que a teoria filosófica geral construída na Grécia desde Parmênides e Heráclito até Platão e Aristóteles, teria sido uma onto sem teologia, ou com menos teologia, em comparação ao pensar religioso subsequente.

No pensamento mítico grego, o Direito era tido como dado externo ao espírito humano traduzido no termo grego díkaion, cujo sentido abrangia também a noção de justiça. Tratava- se, conforme narra Sófocles, das leis não escritas, imortais, emanadas dos Deuses, referidas por Antígona em contestação ao decreto de Creonte. Portanto, uma concepção teológica, donde o justo derivava de uma vontade transcendente divina, o que posteriormente já não se vê em Platão e Aristóteles, pois, para o primeiro, a justiça ambientada no mundo das ideias indicava uma visão de harmonia e equilíbrio e, ao segundo, identifica-se no mundo das relações mútuas humanas, como uma justiça legal. Essa noção aristotélica do justo permanece até o início da Idade Média, sendo repetida por Tomás de Aquino e pelos primeiros escolásticos, em uma espécie de “cristianização” da filosofia grega. Nesse momento, a Lei Natural, inscrita por Deus,

30 “su destinatario final es el ser humano, debiendo atender a sus necessidades e aspiraciones básicas, entre las quales se destaca la de la realización de la justicia”.

passa a ser o fundamento de todo o Direito positivo, caracterizando um discurso hegemônico do absoluto, do transpositivo e do metafísico, caro à manutenção do poder da Igreja (CORRÊA, 2000).

A ruptura dos paradigmas Antigo e Medieval ocorreu em um processo lento e não-linear. O berço da Modernidade não surgiu de forma imediata, mas foi construído nas bases do Humanismo renascentista e da Reforma cristã que seguiram os séculos XVII e XVIII. A cristianização da lei natural iniciada por Aquino passou a ser dessacralizada, em um contexto no qual a legitimação do poder e do Direito já não se bastava na existência divina, mas repousava na “sociedade dos seres dotados de razão” referida por Hugo Grotius (2005, p. 72).

Ainda assim, durante muito tempo na vida política e jurídica dos Estados, o indivíduo singular foi considerado essencialmente um objeto de poder, no máximo um sujeito passivo. Ainda que se reconhecesse um sujeito ativo na relação entre Estado e cidadão, este último não era o indivíduo singular com seus direitos originários, válidos também contra o Estado, mas o povo em sua totalidade, noção na qual o sujeito singular de direitos dissolvia-se (BOBBIO, 1995).

Em meio aos diversos movimentos intelectuais que impulsionaram o desenvolvimento da noção de direitos inerentes à condição humana, o jusnaturalismo moderno marcado pelo progressivo reconhecimento de direitos subjetivos e o contratualismo europeu, destaca-se por traçar os primeiros direitos reconhecidos e protegidos do homem, dos quais o direito à liberdade e igualdade foram os pioneiros.

Nesse contexto, juntamente às teorias que dão origem às cátedras de Direito natural (Filosofia do Direito), a filosofia política contribuiu para a construção dos Direitos Humanos. Já no final da Idade Média e do Renascimento, filósofos europeus como Thomas Hobbes e John Locke, buscam compreender a organização social e a sujeição do povo ao poder soberano, sinalizando as primeiras noções do que viria a ser o individualismo moderno.

Destes movimentos, destaca Bobbio (2003, p. 251) que nas origens do individualismo moderno é possível encontrar sempre uma ontologia ou uma ética. Ontologia, sempre que esse se baseie em uma concepção atomista da sociedade, que aparece na reconstrução do estado de natureza que antecede o estado civil, principalmente na filosofia política de Hobbes, origem ao individualismo metodológico, doutrina em que a concepção pragmática da ciência assume as ações dos indivíduos como ponto de partida para a análise da sociedade, e na fundação da economia política de Marx, no homo oeconomicus que certamente não era individualista. E

Ética, na medida em que ao ser humano atribui-se uma personalidade moral, que a filosofia moral de Kant demonstra ser dotada de uma dignidade e não de um preço.

Outrossim, das várias formas de individualismos, do ponto de vista da filosofia jurídica, destacou-se “o individualismo da tradição liberal-libertária e o da tradição democrática” (BOBBIO, 2003, p. 252):

O primeiro retira o indivíduo do corpo orgânico da sociedade e o faz viver fora do seio materno, inserindo-o no mundo desconhecido e cheio de perigos da sobrevivência, onde cada um deve cuidar de si, em uma luta perpétua, exemplificada pelo hobbesiano bellum omnium contra omnes [guerra de todos contra todos]. O segundo o reintegra aos seus semelhantes, para que de sua união em sociedade já não seja considerada como um todo orgânico do qual saiu, mas sim como uma associação de indivíduos livres. O primeiro reivindica a liberdade do indivíduo diante da sociedade; o segundo o reconcilia com a sociedade, fazendo desta o resultado de um acordo livre entre indivíduos inteligentes. O primeiro faz do indivíduo um protagonista absoluto, situado fora de qualquer vínculo social; o segundo o faz protagonista de uma nova sociedade que emerge das cinzas da antiga, na qual as decisões coletivas são tomadas pelos indivíduos ou por seus representantes.

Em uma sociedade atomizada na qual o indivíduo busca preponderantemente o seu direito, acaba por ocasionar a negação do direito em si, uma vez que este apenas subsiste na relação normativa em que o indivíduo transcende seu horizonte de interesses a fim de criar e manter uma ordem jurídica. A partir disso, na lógica da teoria hobbesiana, “a única alternativa à anárquica guerra de todos contra todos é o irrestrito poder do Estado soberano, que consegue unir a sociedade atomizada por meio da força. Tertium non datur” (BIELEFEDT, 2000, p. 193).

Paralelamente, a questão relativa aos direitos subjetivos desenvolveu-se a partir da filosofia jurídica moderna. Como se percebe da leitura de Grotius, o jus, empregado no sentido de pretensão legítima da qual é titular um sujeito, apenas começou a difundir-se no início da Idade Média, em meio a movimentos de resistência e luta por direitos (FACCHI, 2011), o que exigiu uma definitiva superação do paradigma escolástico cristão da ciência jurídica que se consolidava.

O individualismo teológico inicial posicionava o indivíduo fora do mundo, enquanto ser situado no exterior da organização política e social. O indivíduo passou a existir no mundo, pronto para ser a base de um novo modelo de sociedade e, posteriormente, ter seu reconhecimento fundamentado em sua própria dignidade, através do desenvolvimento do individualismo moderno, que teve sua consolidação nas teorias contratualistas e nas doutrinas de direito natural (BEDIN, 2002).

Conforme demonstra Costas Douzinas (2009, p. 97), foi a formulação do direito de propriedade do contratualismo moderno que produziu os efeitos mais importantes à teoria de Locke, onde, a partir de então, o trabalho passa a ser o meio natural de o homem escapar da natureza e promover sua emancipação pessoal. O resultado dessa emancipação pode ser considerado, contudo, paradoxal. A partir do momento em que o trabalho, a arte de manipular a natureza, mostra-se ser o caminho para a felicidade e passa a agregar valor a todas as coisas, o homem passa a poder moldar a si mesmo tanto quanto molda o mundo físico.

A natureza humana, que principia no estado civil como medida de todas as coisas, acaba sendo reduzida à matéria a ser controlada, seja pelo indivíduo, seja pelo soberano. Nesse âmbito, “o medo e o desejo do outro são unidos em um novo sistema social e político que tornam o indivíduo desejante e o Leviatã desejante à imagem-espelho um do outro” (DOUZINAS, 2009, p. 97).

Dentre os pensadores deste período, destacam-se Hobbes e Locke, já mencionados também em outros locais. Tais filósofos, assim como os pensadores do Direito Internacional, como Hugo Grotius e Francisco de Vitório, de certa forma, construíram o caminho jurídico a partir do qual a centralidade do indivíduo ganhou destaque como fundamento das relações sociais. Percebe-se que na linha do individualismo metodológico, conforme referido por Bobbio (2003), Hobbes buscou primeiro compreender o homem na dimensão de suas relações sociais, suas sensações, imaginações, paixões e razões, empregando dezesseis capítulos no Livro I do seu Leviatã a este fim. Locke foi mais além, e concluiu a trajetória de emancipação do indivíduo em relação ao Estado e à sua própria natureza.

Alguns anos antes de Hugo Grotius, Francisco Suárez, teólogo escolástico, de certa forma, também se aproximou da noção de direitos subjetivos. A partir de uma provável influência nominalista, em sua obra Metafísica, Suárez compreendeu o singular, em um processo de inversão da proposição tomista, fazendo com que o universal deixasse a primazia ontológica para revelar-se predicável e divisível – enquanto o individual não predicável e indivisível –, então, o que só poderia existir seria o singular, “pois implica uma contradição o fato de ser uma entidade e [ao mesmo tempo] ser divisível em várias entidades que sejam idênticas a ela mesma” (MACEDO, 2014, p. 166).

Desta forma, Suárez renovou a valorização do indivíduo como real criador e destinatário da lei. Contudo, no que refere ao jus gentium, o autor de certa forma ratificou a concepção tomista e medieval de que o direito das gentes constituiria um momento intermediário entre o direito natural e o direito positivo, sob a ideia de desenvolvimento progressivo do direito natural

ao direito positivo. A compreensão suareziana “insere o jus gentium no direito positivo, mas não subtrai o seu conteúdo ético” (MACEDO, 2014, p. 175).

O direito das gentes passa a comportar, assim, três ideias principais na teoria de Suárez: (i) surge da sociabilidade do que ele chama de “comunidade perfeita”, que tem uma origem ontológica, referindo-se à humanidade pelo simples fato de sua existência, e não dependente de associações de Estados; (ii) nessa comunidade, a sobrevivência dos Estados requer relações de interdependência; e (iii) deste modo, o conceito de soberania torna-se relativo (MACEDO, 2014).

Ao afastar a coincidência entre direito natural e jus gentium, Suárez revela, ainda, que o sujeito do direito das gentes não seria mais os indivíduos em suas relações recíprocas, mas os povos organizados politicamente em um corpo moral que assemelha à humanidade inteira. Tal compreensão remete ao pensamento de Francisco de Vitória, que representa a tradição da Segunda Escolástica Espanhola, para quem o direito das gentes não teria como único sujeito o Estado, mas também os povos e os indivíduos, no que Vitória chamou de jus communicationi, um direito de todos os seres humanos (URBANO, 2014).

É preciso atentar, no entanto, que a compreensão vitoriana do direito parte de uma visão teológica, em que a lei divina é responsável por revelar todas as demais leis. Outrossim, operando uma reinterpretação da tradição tomista do direito das gentes, Vitória traduz este como um direito humano positivo, cujas normas subsistem e permanecem de forma diversa do direito natural divino, uma vez que o pacto racional formador do jus gentium outorgaria a orbe um poder que ultrapassaria sua origem, conferindo-lhe uma força de lei tão vinculativa e universal quanto a do direito natural (URBANO, 2014).

Para Vitória, o direito das gentes guardaria do direito natural três características importantes: i) a capacidade de se tornar um direito conscientemente obrigatório, uma vez que elaborado a partir do consenso comum de todas as gentes e nações; ii) a sua atenção e relevância para a conservação do direito natural; e iii) a impossibilidade de ser revogado por toda a orbe. Ademais, seria através da lumen naturali, da razão humana, que o jus gentium seria conhecido, argumento este que serviu ao autor justificar que inclusive os povos nativos conheceriam o direito das gentes, ainda que não integrasse a ordem jurídico-positiva do cristianismo, argumento que muito bem serviu à dominação castelhana sobre os povos originários americanos (D'OCA, 2012).

Desta forma, diferentemente de Aquino, que buscou diferenciar o direito natural do direito das gentes sob o argumento de que aquele seria justo absolutamente e este apenas justo relativamente (ambas as acepções, ainda assim, inseridas no interior do direito natural), Vitória assimilou tal distinção com o objetivo de demonstrar que o direito das gentes não coincide com o direito natural pelo fato de ser um direito positivo (D'OCA, 2012), em lógica mais limitada à de Grotius, que o identificou como direito mais amplo que o civil em um contexto da vontade humana e não divina.

Nesse sentido, Macedo (2010, p.18), argumenta que o trabalho de Vitória foi o de atualizar Tomás de Aquino, num contexto em que “as Grandes Navegações haviam diminuído o tamanho do planeta [e] pela primeira vez, parecia possível um rei se tornar senhor de todo o mundo. E, também pela primeira vez, o cristianismo não parecia tão universal assim”. Uma distinção essencial evidenciada na teoria vitoriana é a distinção entre cristãos e não-cristãos, que faz com que o direito das gentes do teólogo represente um direito baseado no paradigma europeu expandido pelas Grandes Descobertas. Observe-se, nesse sentido, que Vitória jamais esclareceu ou definiu o que seria a orbe formadora do jus gentium. O que se evidencia é uma conversão do direito das gentes que fazia do ser humano o seu destinatário, para um ius inter gentes, onde o termo gentes refere-se às nações (URBANO, 2006).

Isso é bastante lógico ao lembrar-se que Vitória afirmava um direito das gentes muito mais ligado à noção de direito positivo, afirmado se não por toda a orbe de nações, pela maior parte dela, sob o pressuposto de que o consentimento da maioria poderia impor-se às minorias. Uma leitura direcionada poderia afirmar, a partir dessa constatação, que o jus gentium de Vitória já se insere na tradição moderna de protagonismo dos Estados soberanos, no sentido vestfaliano. Contudo, essa maior parte da orbe, a maioris partis totius orbis que o autor se refere é ainda a orbis christiana, ou seja, das nações cristãs. Disto a legitimidade da conquista armada da maioria (os povos cristãos) contra as minorias (os povos nativos) (MACEDO, 2010).

De acordo com Macedo (2010), é justamente a fraqueza dos argumentos conquistadores de Vitória que constitui a força inovadora de seu legado para a época. Na substituição do hominis por gentes designando nações, ainda que nações cristãs e não políticas, o autor contribuiu para a visão positivista-estatalista que viria a se consolidar mais tarde, principalmente por considerar o direito das gentes como parte do direito positivo. Ao reconhecer também aos povos não-cristãos a possibilidade de exercer autoridade soberana e domínio, Vitória estabeleceu ainda as bases para que releituras de sua obra pudessem identificar

em sua communitas orbis um direito entre os povos, de natureza positivista, inserto numa sociedade internacional sobreposta à soberania estatal.

Nesta lógica, já inserta no âmbito de consolidação da noção de soberania estatal, a filosofia internacionalista fundadora do Direito Internacional passa a trazer mais ênfase à figura do Estado como sujeito do direito das gentes, destacando-se, a obra de Emmerich de Vattel, cuja filosofia política tem como principal marca a substituição da titularidade do poder soberano, que é transferida da pessoa do monarca para a nação, que individualizada, passa a ser o principal sujeito do direito das gentes (MANCUSO, 2014).

De acordo com Francesco Mancuso (2014), em Vattel a instituição do governo, sob a lógica contratualista do Estado e da sociedade, torna-se um ato do povo soberano. A nação seria, portanto, um corpo político com agenda própria, poder de deliberação e inclusive personalidade moral, uma sociedade de homens unidos para alcançar o objetivo utilitarista da “vida boa”. Assim, é que Vattel

[…] chegou à ideia de Direito Internacional autônomo fundamentada sobre a afirmação da independência dos Estados soberanos mediante o desenvolvimento teórico de uma concepção da sociedade, do Estado e da soberania que se, por um lado, somente recuperou elementos de longínquas tematizações teóricas (Bodin, em parte os Monarcômacos, Jurieu), fazendo-as interagir com o resultado mais importante das teorias jusnaturalistas modernas, ou seja, a ideia da gênese racional da sociedade e do poder, por outro desenvolveu e vivificou estes temas em um quadro coerente em que assume centralidade um conceito destinado, logo após, a se tornar um potente vetor de transformação política e de legitimação: o conceito de “nação” […] (MANCUSO, 2014, p. 213).

Observe-se que, na exposição de Grotius, o bem-estar da humanidade também é elemento importante no sistema das relações entre as nações. Ante a necessidade de regular as relações conflituosas dos Estados, sustentava Grotius que as relações internacionais estariam sujeitas às normas jurídicas e que não poderiam prescindir do direito, de tal forma que, em casos de tirania de determinado soberano para com seu povo, o autor argumentava pela licitude da intervenção de um Estado em outro ou revolta de um povo a favor de outro numa lógica de solidarismo internacional.

Na abordagem de Grotius sobre a questão dos sujeitos de Direito Internacional, de acordo com Arno Dal Ri Jr. (2004) verifica-se o abandono da visão realista predominante e a adoção de uma base humanista. Grotius considera os indivíduos como sujeitos do direito natural e do jus gentium, no sentido de que o código moral aplicado aos Estados deveria ser o mesmo que o aplicado aos indivíduos, sugerindo um direito criador de obrigações e deveres tanto para Estado, quanto para indivíduos.

No entanto, a prática internacional denotou uma grande dificuldade de absorção de tais concepções e o centro da consolidação do Estado como detentor de todo o poder tem seu marco após a Paz de Vestfália. O paradigma das relações internacionais passa a pautar-se exclusivamente nas relações de poder entre os Estados soberanos, logo, a conduta dos indivíduos significa a própria conduta do Estado, ou seja, inexiste a figura da responsabilidade individual, mas tão somente a responsabilidade estatal (BEDIN, 2011).

Realmente, o Direito Internacional tradicional, vigente até a segunda metade do século passado, foi marcado pelo voluntarismo estatal, sob o manto do paradigma de uma soberania absoluta e, consequentemente, excludente e individualista. O modelo vestfaliano induzia a atomização e fragmentação (no sentido de exclusão e diferenciação) da comunidade internacional. Com o advento do positivismo jurídico e a consolidação dos Estados-nação – e a ilusão da soberania absoluta –, o papel do indivíduo relegou-se a um status de coadjuvante quase não-existente ante o Direito Internacional.

A preocupação do momento direcionava-se à efetivação de um Direito Internacional nos moldes do direito estatal, que pudesse ser forte em seu poder vinculante, com instituições fortes, capazes de estabilizar conflitos e regular condutas. As pautas da agenda internacional de então voltavam-se para questões de guerra, comércio, conquista territorial, expansão tecnológica. O indivíduo estava ali, mas não estava.

Nas palavras de Nadja Hermann (2014, p.18) “a decisão pelo dever [tornou] a ética insensível às particularidades das situações em que se dão os conflitos práticos”, e mais, esta pretensão de harmonização objetiva “[afastou] inclusive o transitório, a ambiguidade e a própria corporeidade, pois somos livres só quando no libertamos de nós mesmos e de tudo o que perturba o mandato do dever”. Desta forma, os limites da racionalidade humana e o peso de elementos não-racionais (elementos de vontade que movem o homem) fizeram com que, por trás de uma aparência enganadora de emancipação, a Modernidade aperfeiçoasse técnicas pelas quais o sujeito era não mais que esquadrinhado e uniformizado.

De fato, a crença na razão humana como argumento universalizante e a busca pela objetividade absoluta de todas as coisas já haviam sido amplamente criticadas por pensadores modernos tais como Friedrich Nietzsche e Karl Marx. Para o primeiro, o paradoxal distanciamento do homem da compreensão dos fenômenos humanos é denunciado como “perigosa fábula” do positivismo moderno. Já em Karl Marx, principalmente na obra A questão judaica (1991) a crítica volta-se para o vazio e a abstração do homem, que antes de expressar o sujeito universal evocado nas grandes Cartas de direitos, é na realidade um indivíduo atomizado

e concreto, o homem do capitalismo. Nenhum dos direitos do homem ultrapassaria, portanto, o egoísmo do homem do capital, do indivíduo voltado para seu interesse particular e dissociado