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CAPÍTULO 2: FEDERALISMO E OUTRAS FORMAS DE ESTADO

2.2 ESTADO REGIONAL

O Estado regional deve ser entendido e inserido na esfera do que se buscou esclarecer no tópico anterior, um Estado unitário de características mais descentralizadas. Trata-se de um avanço, uma evolução do Estado unitário em direção a maiores liberdades regionais, daí a nomenclatura. É viável alegar estar o Estado regional bem ao meio do caminho entre uma característica centralização do Estado unitário puro e a notória descentralização que caracteriza a federação, em teoria.

O Estado unitário puro evolui para as espécies de Estados unitários descentralizados oferecidas pela doutrina constitucional, dentre os quais o Estado regional. Neste, as regiões, ou unidades territoriais descentralizadas recebem ou adquirem funções e finalidades que pertenciam originalmente ao poder central.

74 MIRANDA, Jorge. Curso de direito constitucional. Op. Cit., p. 79. O ilustre professor Jorge Miranda

escalarece mais uma vez a questão quando ensina que “(…) não é a descentralização administrativa, mas sim a política que aqui importa. Esta descentralização política é sempre a nível territorial: são províncias ou regiões que se tornam politicamente autónomas por os seus órgãos desempenharem funções políticas, participarem ao lado dos órgãos estatais, no exercício de alguns poderes ou competências de carácter legislativo e governativo. Daí que se fale em Estado Regional”.

49 Para precisar este conceito, portanto, sem deixar espaço para descuidos, trata-se, uma vez mais, da evolução do estado unitário através da qual atribui-se às entidades regionais alguma autonomia que estaria inserida anteriormente no campo de atuação do

governo central75. Trata-se de um Estado cuja descentralização é, em termos mais

simples, um pouco mais profunda e suas regiões têm competências mais significativas na comparação com o estado unitário puro.

Insta ressaltar que a autonomia legislativa é a característica que salta aos olhos no estado regional, o que significa afirmar que se transferem algumas competências legislativas às unidades territoriais regionais, que ficam autorizadas a legislar sobre

determinadas matérias76.

O modelo italiano é o parâmetro para compreender esta espécie. Apesar da Constituição da Itália de 1947 definir como unitária a sua forma de Estado, a maneira como optou para alterar a excessiva e perniciosa centralização do Estado unitário puro, conduz a conclusão de tratar-se de um Estado expressivamente descentralizado em favor de suas regiões - notadamente quanto às competências administrativas e legislativas, o que o transforma em espécie de alma mater do Estado regional.

A centralização excessiva tornou-se problema para muitos países e a criação do Estado regional foi a forma que os Estados unitários desenvolveram para garantirem sua

manutenção como entidades políticas77. Há o início, portanto, de uma descentralização

gradual, responsável pelo surgimento do fenômeno da “regionalização” do Estado unitário78.

O Brasil, à guisa de exemplo, teve oportunizada esta experiência política durante a vigência do Império. Neste período, o poder esteve bastante concentrado na figura do Imperador, que concedia às províncias, de acordo com sua discricionariedade, autonomia

75 ANTUNES, Paulo de Bessa. Federalismo e competências ambientais no Brasil. Op. Cit., p. 9 76 Idem. Ibidem.

77 Idem. Ibidem.

78 SILVA, Ronny Carvalho da. Formas de estado: reflexões sobre o estado regional autonômico. Op.

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para decisões locais e específicas79. Não se deve olvidar que estas províncias seguiam

todas submetidas às ordens imperiais, mantendo assim a característica unitária do Império brasileiro.

Este Estado unitário descentralizado da espécie regional irrompe na forma de alternativa, portanto. São feitas concessões de poder que outrora permaneciam sob autoridade única do governo central às unidades federativas. As concessões não são ilimitadas, podendo ser supervisionadas e até retiradas, dadas circunstâncias específicas. Os poderes concedidos podem ser de diversas ordens, sendo o mais característico a autonomia para legislar. Assim, o Estado unitário espera arrefecer arroubos de separação

territorial no caso de regiões insatisfeitas, que não se vejam representadas80.

Por estas razões, não se trata de deslinde simples definir dado país como federativo ou unitário descentralizado, uma vez que autonomia da região pode ser característica comum a ambos. Não basta detectar eventual multiplicidade de regiões com alguma ou até expressiva autonomia. Estados unitários descentralizados ou regionais

podem contar com tal qualidade81. É bastante plausível deduzir, outrossim, que se trata

de estratégia política de adaptação às pressões regionais por maior poder. Os Estados unitários optaram por fazer tais concessões a enfrentar a crise com uso de força, o que de fato parece menos adequado.

79 FERREIRA, Pinto. Princípios gerais de direito constitucional moderno. 6ª Edição. Vol. II. São Paulo:

Saraiva, 1983.

80 MIRANDA. Jorge. Curso de direito constitucional. Op. Cit., p. 85/86. Mais uma vez, o professor Doutor

Jorge Miranda brilhantemente elucida novas categorias, mesmo dentro dos Estados regionais “(…) No Estado regional integral, todo o território se divide em regiões autónomas. No Estado regional parcial, encontram-se regiões politicamente autónomas e regiões ou circunscrições só com descentralização administrativa, verificando-se, pois, diversidade de condições jurídico-políticas de região para região. E esta é também uma diferença clara em relação ao Estado federal, sempre integral por natureza (sempre formado, inteiramente, por um maior ou menor número de Estados federados). No Estado regional homogêneo, seja integral ou parcial, a organização das regiões é, senão uniforme, idêntica (a mesma no essencial para todos). No Estado regional heterogéneo, ela pode ser diferenciada ou haver regiões de estatuto comum e regiões de estatuto especial.

81 Ilustra a afirmação supra o exemplo de descentralização existente no Brasil, com a previsão de criação

pela União dos Territórios. A Constituição Federal da República do Brasil de 1988 admite a criação com a ressalva expressa de que tais territórios formados não fruirão de qualquer autonomia. Senão vejamos: “Art. 33.: A lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos Territórios.

§1º Os Territórios poderão ser divididos em Municípios, aos quais se aplicará, no que couber, o disposto no Capítulo IV deste Título.

§2º As contas do Governador do Território serão submetidas ao Congresso Nacional, com parecer prévio do Tribunal de Contas da União.”

51 De qualquer forma, dadas as semelhanças até agora dispostas, resta o esclarecimento de como diferenciar, então, o federalismo desta nova espécie de Estado unitário. Não requer maior aprofundamento perceber que no federalismo a concessão de poder às regiões é perene e total, devendo constar na Carta Política escrita, só aceitando

alterações pela via constituinte82. É estrutura “intocável”83, uma genuína outorga, não

havendo chances ou janelas possíveis para a retomada do poder concedido sem alteração profunda na ordem constitucional. Conforme visto, o mesmo não ocorre com o Estado unitário descentralizado ou regional. Esta concessão de poder ocorre de forma mais frágil, que pode ser temporária e que se transmite sob uma espécie de supervisão ou tutela. Há que se inquirir se, neste cenário, o poder é de fato concedido, se há verdadeira liberdade se esta é de alguma maneira assistida.

Isto conduz ao segundo questionamento, acerca da verdadeira autonomia que se atribui às regiões dos Estados unitários. Esta é mais uma diferença cabal entre as duas formas de Estado. Nos Estados unitários regionais, o que se entende por autonomia administrativa dos Estados-membros ou unidades regionais muitas vezes se mostra como

mero encargo administrativo84, liberdade de agir dentro de um sistema que o engloba e

sobre o qual não há ingerência. Nos Estados federais, a liberdade é — ou deve ser —, plena, com funcionamento específico no que tange às suas normas. Cabe repisar o que se entende por autonomia, o que será adianta tratada com maiores pormenores, para que se

compreenda mais adequadamente as diferenças que se buscou delinear85.

São muitos os casos, mas é possível afirmar serem exemplos de países unitários descentralizados, ainda que de diferentes espécies, a França, Espanha, Itália, Portugal,

Argentina, México, Venezuela86.

82 MELLO, Luis Anhaia. O estado federal e suas novas perspectivas. São Paulo: Max Limonad, 1960. 83 RAMOS, Dircêo Torrecillas. O federalismo assimétrico. Op. Cit., p. 17.

84 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Poder constituinte do estado-membro. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1979.

85 HORTA, Raul Machado. A autonomia do estado-membro no direito constitucional brasileiro: doutrina,

jurisprudência, evolução. Belo Horizonte: UFMG, 1964. Vale delinear autonomia, para melhor assimilação: “Autonomia provém, etimologicamente, de nómos e designa, tecnicamente, a edição de normas próprias, que vão organizar e constituir determinado ordenamento jurídico”.

86 ZIMMERMANN, Augusto. Teoria geral do federalismo democrático. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen

52 Por fim, é interessante ainda oferecer exemplos de Estados regionais que já demonstram tocar em diversos aspectos dos Estados federais. É possível citar a República dos Camarões, União da Birmânia, Antígua e Barbuda, República Popular da China,

Ucrânia, Reino Unido, Japão, et cetera87.

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