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CAPÍTULO 3: FEDERALISMO E SUAS MODALIDADES

3.2 FEDERALISMO COOPERATIVO

Ao longo do século XX, e em especial na sua primeira metade, com o advento da quebra da Bolsa de Valores americana em 1929 e a consequente Grande Depressão, se viu nascer o protótipo do Estado providência. O Estado, a partir de então, deveria estar atento e preparado para acolher todos os anseios e necessidades sociais. Não resta alternativa segunda para cumprir este desígnio que não seja alargar suas áreas de atuação, aumentar sua influência e interferência, seja sobre os demais entes, seja sobre as liberdades individuais.

Neste esteio, houve o alquebramento da modalidade de federalismo dualista, extremamente rigoroso quanto aos papéis e poderes de cada ente federativo, não havendo lugar para uma atuação tão abrangente quanto a desejada neste cenário histórico. É o exato contexto em que um modelo abdica de poderes que poderia manter, em favor de outro, o denominado federalismo cooperativo.

Assim, para tecer críticas resumidas, o modelo de federalismo moderno de fato já exibe vigorosas características cooperativas. O próprio uso do termo, cooperação federativa, aparenta ser via de acesso para o que já se constata como extrapolação da assistência que outrora se intentava do governo central, por meio de políticas públicas e

acertos diretos123. Muito embora seja dominante no contexto político contemporâneo,

Zimmermann ensina que esta nova modalidade não é clara e precisa quanto ao que propõe, o que exatamente seria esta cooperação ou a maneira de concretizar-se. Não há clareza na delineação concreta da divisão de poderes e competências. Há demandas imprecisas e genéricas como “a promoção de uma livre cooperação da União com as

122 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. Op. Cit., p. 1100. “Em seu lugar, pois,

aparece o que se convenciona denominar federalismo cooperativo, no qual, ao contrário do federalismo dual, não se encontra uma separação precisa ou bem definida na distribuição das atribuições e competências de cada ente federativo. Pretende-se, com esse modelo de margens difusas, justamente promover uma proximidade (forçada), e, assim, uma cooperação, entre União e unidades federadas”.

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entidades federadas”124. Não há dúvidas de que tais inexatidões ou incorreções deixam

muitas brechas para divisões injustas e desequilibradas de poder.

Como neste contexto de Estado de bem-estar social, o Estado deve ser detentor de um número maior de obrigações perante seus cidadãos, a demanda por mais poder e competências para supostamente cumprir tal desígnio é exagerada. Isto pode acabar por causar, e muitas vezes causa, um desequilíbrio significativo, com excessivas autorizações e interferências concedidas ao governo central em detrimento das regiões. Esta assimetria

é potencialmente mortal à própria noção de federalismo125, autonomia e liberdade.

Neste sentido, o federalismo cooperativo que possua estas características, que não conte com instituições ou uma organização institucional jurídica madura, representará grave risco à ordem democrática por favorecer, em meio a confusão conceitual e de limites, um ambiente de excesso de poder concentrado em uma só pessoa126.

Apesar do alerta, é certo que há correntes a defender como ideal uma espécie de federação que englobe os países europeus e, quiçá do mundo, com o nobre objetivo de buscar a paz entre os povos. Este objetivo utiliza como modelo o federalismo de

cooperação. É tese defendida por Fukase127.

Inobstante a crítica, superficial por ora, o que se viu a partir de 1929 foi o nascimento de um federalismo pautado no conceito de Estado de bem-estar social. Esta

124 ZIMMERMANN, Augusto. Teoria geral do federalismo democrático. Op. Cit., p. 57. Apontando o

exemplo brasileiro, o doutrinador acresce que “esta variante, uma vez adotada no Brasil pós-revolucionário da década de 1930, se expôs às suas mais dramáticas deturpações, que por vezes praticamente aniquilaram o próprio espírito federativo, conduzindo-nos de tal maneira à centralização excessiva e às inúmeras crises político-institucionais subsequentes”

125 FERREIRA FILHO, Manoel G. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1992. Trata-se de

crítica aposta também por este autor..

126 BONAVIDES, Paulo. Política e constituição – os caminhos da democracia. Rio de Janeiro: Forense,

1985. O professor Paulo Bonavides, em fundamental lição, ensina que “o mal do chamado ‘federalismo cooperativo’ é a sua unidimensionalidade de fato, o unilateralismo da decisão. Esse federalismo só tem uma cabeça: a União. Tem sido na prática um federalismo de subordinação (contradizendo a lógica do sistema) e não de coordenação. Não há verdadeiro ou legítimo federalismo de participação e cooperação nas sociedades democráticas, sem audiência às unidades-membros, sem o resguardo da autonomia que estas hão de possuir, sem o concurso de sua vontade livre na tomada de decisões cuja resultante seja um ato de intervencionismo ou um esquema de planejamento do Poder Central”.

127 FUKASE, Tadakazu. Constitution et da paix entre les états. IVéme Congrès Mondial de l’AIDC. Tokyo,

62 nova forma tem por objetivo a atuação em conjunto entre os Estados-membros,

flexibilizando a interpenetração entre os mesmos128.

O federalismo cooperativo é respeitado como o modelo mais relevante do sistema federativo. Pode-se considerá-lo, de certa forma, presente nos outros modelos de federalismo. As competências do Estado federal e dos entes federados muitas vezes não são rigidamente separadas. De início, o federalismo cooperativo buscava ideologicamente

consolidar-se como uma tendência descentralizadora129. Não foi o resultado que se viu e,

ainda assim percebe-se o seu crescimento acelerado, dominando mais e mais o cenário político em detrimento de outras formas, como o federalismo dual, atualmente.

Há um risco evidente de que este tipo de federalismo apenas camufle um novo modelo de centralização sobre a união ao redor de si, aumentando exageradamente sua autoridade. Mas não há de se negar que um federalismo verdadeiramente cooperativo

surge do consentimento da sociedade, que democraticamente o almeja130.

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