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CAPÍTULO 2: FEDERALISMO E OUTRAS FORMAS DE ESTADO

2.1 ESTADO UNITÁRIO

Como primeiro tipo de forma de Estado diversa do federalismo, o Estado unitário se insere no contexto dos Estados simples, em que há conformidade política nacional ao redor de um só governo, que regulará seu próprio exercício de poder e de todas as unidades a si subordinadas, tanto no âmbito federal quanto regional, inclusive quanto à separação destes poderes e repartição de competências, dando todas as diretrizes e pormenores desde sua matriz central.

É via de regra o modelo mais trivial e talvez popular de Estado, no qual se percebe claramente a figura política central e poderosa, articulando sobre todas as regiões e aspectos da vida nacional. O núcleo de poder é uno e localizado, partindo sempre desde si para as demais regiões sob sua esfera de domínio. Ainda que preveja e exista separação de poder, estes são também unos: Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário simples, poderosos e únicos.

O Estado pode ser, portanto, considerado simples unitário quando existe “um

único centro de poder político no respectivo território”65. Essa centralização de poder sob

um único ente e sobre todo o território é a sua principal marca, tendo tal conceito traduzido ainda autorização para algumas concessões, sempre de baixa autonomia, aos

territórios - para não atingirem e confrontarem o poder central66. Estas são as

classificações teóricas das espécies de Estado unitário, vistas a seguir.

65 PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 14ª ed. - Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO: 2015.

66 BADÍA. Juan Ferrando. El estado unitario. Disponível em Biblioteca Virtual de la Universidad del Valle

no sítio virtual com endereço http://bibliotecadigital.univalle.edu.co/bitstream/10893/8032/1/EI%20Estado %20unitario.pdf, acessado em 08/01/2018.

46 Doutrinariamente costuma-se classificar o gênero Estado Unitário em três espécies distintas: a) Estado unitário puro; b) Estado unitário descentralizado

administrativamente; c) Estado unitário descentralizado administrativa e politicamente67.

O unitarismo almejou a identidade política una e igualitária para diferentes regiões, sem

levar em consideração suas diferentes realidades, impondo-lhes um padrão68. Como

alternativa a tal concentração considerada excessiva por muitos, novas espécies foram criadas, ainda sob a marca indelével da centralização. É admissível, portanto, que o

Estado unitário possa promover divisões internas, para fins de administração69.

Esta evolução do conceito, com a necessária diversificação e relativização da centralidade governamental veio como consequência de certa forma orgânica da dificuldade em tornar factível a aplicação una de poder sobre toda uma nação heterogênea.

Contudo e não à toa, justamente por ser o modelo mais simples e evidente de forma de Estado que a maior parte dos países, ainda hoje, conte com essa formatação,

mesmo que alguns optem pelas variações mais descentralizadas70. Esta opção por uma

alternativa menos concentrada de poder é consequência similar à do surgimento do conceito mais aberto e descentralizado de Estado unitário, a reboque da natural inviabilidade de aplicação uniforme de poder sobre todo um território, de maneira

67 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. “O Estado unitário

puro (ou centralizado) é aquele em que as competências estatais são exercidas de maneira centralizada pela unidade que concentra o poder político. A centralização do exercício do poder é, pois, a característica dessa forma de Estado unitário. O Estado unitário descentralizado administrativamente (ou regional) é aquele em que as decisões políticas estão concentradas no poder central, mas a execução das políticas adotadas é delegada por este a pessoas e órgãos criados para esse fim administrativo. O Estado unitário descentralizado administrativa e politicamente é aquele em que ocorre não só a descentralização administrativa, mas também a política, sendo esta última caracterizada pela autonomia de que dispõem os entes descentralizados para, no momento da execução das decisões adotadas pelo governo central, decidir no caso concreto a mais conveniente e oportuna atitude a tomar”.

68 ANTUNES, Paulo de Bessa. Federalismo e competências ambientais no Brasil. Op. Cit., p. 5

69 Assim, é possível a divisão administrativa (não a política), cuja presença não descaracteriza o Estado

unitário. Deve estar presente, contudo, a subordinação ao poder central de qualquer entidade, órgão ou departamento criado para exercer parcela de atribuições. O vínculo de subordinação decorre da técnica pela qual se promove a divisão de atribuições: a delegação. O poder central tanto pode promover a desconcentração como regredir para a posição inicial de concentração absoluta, inclusive com a eliminação da entidade subordinada até então existente.

70 MIRANDA, Jorge. Curso de direito constitucional. Op. Cit., p. 79. “A maior parte dos Estados do mundo,

47 harmônica e igualitária. As heterogeneidades de múltiplas cepas presentes em um mesmo país tornam a pretensão central muitas vezes inexequível.

Sem embargo, tal conclusão e criação de Estados unitários alternativos ainda viria a posteriori. A concepção teórica original foi amplamente difundida, se tornando comum e servindo de berço teórico para a implantação de diversos Estados unitários centralizados. Uma explicação bastante útil sobre a aplicação prática deste modelo em

um Estado unitário europeu, notadamente a França, é a exposta por Jean Rivero71.

Por conta deste ambiente de pouca flexibilidade e nenhuma liberdade local, despontam novos raciocínios na tentativa de flexibilizar o sistema sem destruí-lo. Há, por conseguinte, a inclinação a manutenção do Estado unitário - menos centralizado, contudo.

Não há um esfacelamento de seu conceito original, mas mero deslocamento de partes do poder central, e que permite o surgimento de novos centros de poder locais ainda subordinados, por delegação. É nessa delegação que se encontra o elemento unitário e que ainda remete à centralização. Há a mesma subordinação da espécie pura uma vez que o poder central transmite poder pela via da partilha de atribuições, oferecendo a si mesmo inclusive o poder de desfazer tal delegação, tal decisão delegada, retornando ao status quo ante, e até mesmo, em casos extremos e em que julgue necessário de acordo com

seus critérios próprios, extinguir integralmente a entidade subordinada criada72. É, ao ver

desta pesquisa, bastante curioso que a estas classificações se possa alegar serem concessões em vista de liberdade.

Alguns institutos foram criados para tanto, uma delas a desconcentração73,

elaborada para que a decisão ou o poder de tomá-las possa ser exercido diversamente do

71 RIVERO, Jean. Direito administrativo. Coimbra: Almedina, 1981. O autor expõe com maiores detalhes

como se dava a aplicação do poder central francês, como este formatava, coordenava e controlava seus braços de poder, em verdadeiro longa manus: “(...) A organização do território é uniforme e centralizada. Em cada um dos escalões da divisão territorial herdada da Constituinte – departamento, arrondissement (antigo distrito), comuna – encontramos os mesmos órgãos: um administrador, colocado sob a autoridade do poder central, um conselho essencialmente consultivo, prefeito e conselho geral do departamento, subprefeito e conselho de arrondissement, maire e conselho municipal, todos são nomeados; deste conjunto destaca-se o prefeito, representante direto do poder central, dotado de amplos poderes, mas estreitamente controlado, que continua a tradição do intendente.”

72 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. Op. Cit., p. 1029.

73 CAETANO, Marcello. Princípios fundamentais do direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1977.

48 núcleo central, podendo ser absorvido e exercido por tantos outros sujeitos na linha de transmissão institucional.

Outro é a descentralização administrativa, criada para permitir a existência de outros sujeitos dotados de personalidade jurídica própria, alheios ao núcleo centralizado de poder e ainda assim detentor de autonomia.

Estes dois institutos estão circunspectos à administração do poder, a operacionalização do mesmo. Esta pesquisa se interessa e se debruça mais sobre o aspecto político, por considerá-lo crucial e determinante inclusive para o tipo de instituto administrativo a ser adotado. Cabe avaliar, em análise fria, o tipo de Estado unitário que determinado país adota, todavia há que se estar atento porquanto possa haver descentralização administrativa territorial ou institucional e isso seja até bastante comum,

sem que haja a descentralização política74, o que pode confundir. É desse Estado unitário

descentralizado que se ocupará a pesquisa no tópico a seguir.

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