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controvérsias submetidas ao OSC para que se possa estabelecer uma conclusão definitiva quanto ao acolhimento ou não do princípio da precaução pelo OSC. O que ocorreu no caso foi a condenação da União Europeia pela proibição à importação de carne bovina proveniente de plantel tratado com hormônios pelo fato de não ter sido capaz de produzir prova científica irrefutável dos danos causados pelos resíduos a seres humanos que a consumissem. Caso um único órgão científico de reputação internacional tivesse validado os argumentos da União Europeia, com grande probabilidade o resultado da controvérsia seria diferente, e o princípio da precaução poderia ser considerado como aceito pelo OSC.

Para NEUMAYER (2004, p. 6), a incorporação do princípio da precaução pelas regras da OMC é fundamentalmente insatisfatória, principalmente porque o princípio da precaução somente é encontrado em um acordo do ordenamento da OMC que é o acordo SPS, dificultando seriamente a atuação dos Membros quando as medidas restritivas ao comércio para a proteção do meio ambiente e da saúde humana precisam ser justificadas fora dos limites deste acordo. A consequência deste insatisfatório tratamento da incerteza científica perante os acordos da OMC é que sua jurisprudência tornou-se contaminada por decisões que parecem insensíveis ao meio ambiente e à saúde humana, tal como ocorreu neste caso julgado pelo Órgão de Apelação, ao decidir que a proibição à importação de carne tratada com hormônios incorreu em violação às regras da OMC, mesmo tendo a proibição sido estendida de maneira equânime aos produtores nacionais.

de tartarugas" (TEDs) nas áreas onde houvesse uma grande probabilidade de ocorrência de tartarugas marinhas.

A Seção 609 da Lei Pública 101-102, promulgada em 1989, versou sobre importações, estabelecendo que camarões pescados com tecnologias que pudessem afetar adversamente as tartarugas marinhas listadas no Endangered Species Act poderiam ter a importação proibida, a menos que o país de origem apresentasse um certificado comprovando possuir uma regulamentação equivalente à americana e taxas de pesca acidental semelhantes à americana ou que o ambiente em que ocorresse a pesca do camarão não representasse uma ameaça para as cinco espécies de tartarugas marinhas listadas. O processo de certificação exigia visita de um técnico americano e caso o certificado não fosse concedido, os Estados Unidos não comunicavam as razões do indeferimento, impossibilitando ao país de origem tomar conhecimento de que procedimentos teria que adotar ou que tipo de métodos teriam de ser alterados ou ao menos a orientação sobre como proceder para obter a certificação, ou seja, não havia transparência sobre as regras a serem observadas (CRETELLA NETO, 2003, p. 422).

A norma contestada era semelhante ao Marine Mammal Protection Act para proteção dos golfinhos e os fundamentos da reclamação eram os mesmos do caso tuna-dolphin, razão pela qual o Painel estabelecido na OMC para a solução da controvérsia entendeu que a medida restritiva impunha aos países exportadores a aceitação obrigatória de uma legislação interna americana, o que era, portanto, incapaz de ser justificado pelo art. XX do GATT.

O Órgão de Apelação (OAp) reviu a decisão do Painel e concluiu que os países têm o direito de tomar medidas comerciais para proteger o meio ambiente (em particular, a vida humana, animal ou vegetal e sua saúde), espécies ameaçadas e recursos não renováveis, ressaltando que a OMC não precisa "permitir" o exercício desse direito. As tartarugas marinhas poderiam ser consideradas como recursos naturais exauríveis, no sentido da alínea 'g', pois o texto não se limita a recursos naturais minerais ou inertes e que as espécies vivas, ainda que em princípio renováveis, segundo certas circunstâncias, podem estar expostas à diminuição, esgotamento e extinção, como resultado das atividades humanas (WTO, United States - Shrimp, WT/DS58/AB/R, par. 129-131). O termo "recursos naturais exauríveis"

constante da alínea 'g' foi cunhado há mais de 50 anos. O intérprete de tratados deve lê-los à luz das preocupações contemporâneas da comunidade internacional quanto à proteção e conservação do meio ambiente. Ainda que o art. XX do GATT não tenha sido modificado na Rodada Uruguai, o preâmbulo do Acordo Constitutivo da OMC revela que os Membros estavam plenamente conscientes em 1994 da importância e legitimidade da proteção do meio ambiente como objetivo da política nacional e internacional, tanto que incluíram dentre os

objetivos da organização o desenvolvimento sustentável. O termo "recursos naturais exauríveis" não é estático e nem seu conteúdo. As modernas convenções e declarações internacionais fazem frequentes referências aos recursos naturais como sendo tanto os recursos vivos, quanto os não vivos.

No entanto, o OAp decidiu que a medida seria discriminatória, porque os Estados Unidos proveram recursos técnicos e financeiros a países do ocidente, principalmente no Caribe, para atender à exigência, assim como permitiu longos períodos de transição para que os pescadores desses países se utilizassem dos dispositivos de proteção, ao passo que não deram as mesmas vantagens para os quatro países autores da reclamação. A aplicação da medida também dava lugar a uma discriminação injustificável em razão de um aspecto em particular, que era o fato da medida implicar, em algumas circunstâncias, a proibição de importação para o mercado americano de camarões pescados em outros países que se utilizavam de métodos idênticos aos lá empregados, o que era difícil de conciliar com o objetivo declarado de proteção das tartarugas marinhas. Não há como justificar uma discriminação perante o art. XX quando os fundamentos alegados para a mesma não guardam conexão com seus objetivos (OMC, WT/DS58/AB/R).

Concluiu o Órgão de Apelação que os Estados Unidos deveriam modificar sua legislação interna, pois não teriam negociado previamente com os países exportadores para o engajamento destes em acordos bilaterais ou multilaterais para a preservação das tartarugas antes de impor a proibição unilateral, extrapolando a proporcionalidade ao exigir e impor de modo impróprio que os Estados exportadores adotassem a mesma política de prevenção praticada no país sem atentar para as diferentes condições econômicas e sociais existentes entre as Partes, bem como, entendeu que a medida adotada não seria o meio mais adequado para a consecução dos seus objetivos, existindo outros meios menos gravosos que poderiam surtir o mesmo resultado, como a negociação de um acordo internacional sobre proteção de tartarugas marinhas, forma muito menos restritiva de consecução de seus objetivos (OMC, WT/DS58/AB/R).

A importância desta decisão, em que pese a medida ambiental ter sido considerada inadequada, é o entendimento que o Órgão de Apelação fez questão de ressaltar, de que os Membros podem e devem adotar medidas que visem à proteção do meio ambiente:

"185. Para chegar a estas conclusões, queremos ressaltar que nós não decidimos no presente recurso que a proteção e preservação do meio ambiente não é significativa para os Membros da OMC. É claro que é. Nós não decidimos que as nações soberanas que sejam Membros da OMC não podem adotar medidas eficazes para proteção das espécies ameaçadas como as tartarugas marinhas. Claramente elas

podem e devem. E não se decidiu que os Estados soberanos não devem agir juntos bilateralmente, plurilateralmente ou multilateralmente, quer no âmbito da OMC ou em outros fóruns internacionais para proteção de espécies ameaçadas ou de outra forma, proteger o ambiente. Claramente eles devem fazer.

186. O que temos decidido no presente recurso é simplesmente que: embora a medida dos Estados Unidos em disputa no presente recurso sirva a um objetivo ambiental que é reconhecido como legítimo pelo parágrafo (g) do artigo XX do GATT 1994, esta medida foi aplicada pelos Estados Unidos de uma forma que constitui uma discriminação arbitrária ou injustificável entre os Membros da OMC, ao contrário das exigências do caput do Artigo XX. Por todas as razões específicas descritas no presente relatório, esta medida não se qualifica para a isenção que o artigo XX do GATT 1994 permite às medidas legítimas que servem determinados fins ambientais, mas que, ao mesmo tempo, não são aplicados em um modo que constitua um meio de discriminação arbitrária ou injustificável entre países onde prevaleçam as mesmas condições ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional. Como já foi enfatizado nos Estados Unidos - Gasolina [adotado em 20 de maio de 1996, WT/DS2/AB/R, p. 30], os Membros da OMC são livres para adotar suas próprias políticas destinadas à proteção do ambiente, mas para tanto devem cumprir com suas obrigações e respeitar os direitos dos outros Membros ao abrigo do Acordo da OMC" – tradução livre - (OMC, WT/DS58/AB/R).

Um precedente importante deste caso, além da consideração que seres vivos podem ser enquadrados com recursos naturais exauríveis para fins de preservação, foi a aceitação pelo Órgão de Apelação dos estudos ambientais sobre a matéria que haviam sido apresentados por algumas ONGs e que inicialmente tinham sido rejeitados pelo Painel, sob o fundamento de que apenas os Membros poderiam participar do OSC. O OAp decidiu que o Painel havia sido muito rígido e que poderia decidir, com fulcro em seu poder discricionário, quanto à aceitação ou rejeição das informações e pareceres que lhe fossem submetidos.

Na fase de execução da decisão do Órgão de Apelação em 1997 a Malásia promoveu uma ação com fundamento no art. 21.5 do Entendimento sobre Solução de Controvérsias (ESC) argumentando que os Estados Unidos não tinham aplicado adequadamente as conclusões do Órgão de Apelação, sustentando que a aplicação adequada seria o levantamento total do embargo americano aos camarões. Os Estados Unidos discordaram, argumentando que o Órgão de Apelação não determinou o levantamento do embargo, mas tão somente que a norma (Seção 609) deveria ser revista, conforme foi realizado pela Diretiva para Implementação da Seção 609, publicada em abril de 1996, estabelecendo novos critérios para a certificação dos exportadores de camarão (OMC, WT/DS58/AB/RW).

A Malásia insistiu que a revisão da Seção 609 continuou a violar o artigo XI: 1 e que os Estados Unidos não tinham o direito de impor uma proibição, na ausência de um acordo internacional que lhe permita fazê-lo. Os Estados Unidos não contestaram que a norma revista era incompatível com o artigo XI: 1, mas argumentaram que era justificável ao abrigo do artigo XX (g) e que tinham sido sanadas todas as inconsistências identificadas pelo Órgão de Apelação para adequação aos termos do caput do Artigo XX (OMC, WT/DS58/AB/RW).

O Painel de implementação foi chamado para examinar a compatibilidade da medida de execução com o artigo XX (g), advertindo que a melhor forma de proteção de espécies migratórias seria a cooperação internacional. No entanto decidiu que o Órgão de Apelação tinha instruído os Estados Unidos a negociarem um acordo internacional sobre proteção de tartarugas marinhas. A obrigação estabelecida era, portanto, de negociar e não de concluir um acordo internacional, tendo os Estados Unidos demonstrado boa-fé e realizado sérios esforços para negociar um acordo desse tipo, razão pela qual a decisão foi a seu favor (OMC, WT/DS58/AB/RW).

O Painel concluiu ainda que o standard da efetividade comparável das Diretrizes Revisadas era mais flexível que o standard das Diretrizes de 2006, porque cobrava o cumprimento dos objetivos e não procedimentos estritos, permitindo que países não certificados exportassem camarão para os Estados Unidos. A flexibilidade indicava cumprimento do caput do artigo XX (KANAS, 2005, p. 542).

A Malásia interpôs recurso contra as conclusões do Painel de implementação alegando que o Painel errou ao concluir que a medida não constituiria um meio de "discriminação arbitrária ou injustificável" ao abrigo do artigo XX, pela ausência de flexibilidade da medida e porque os Estados Unidos deveriam ter negociado e concluído um acordo internacional sobre a proteção e conservação das tartarugas marinhas antes de impor a proibição de importação. O Órgão de Apelação confirmou a conclusão do Painel e rejeitou a pretensão da Malásia, asseverando que as Diretrizes Revisadas de 1999 ofereciam flexibilidade suficiente para considerar as condições existentes na Malásia, assim como não impunham a utilização obrigatória de TEDs, indicando tão somente que um país teria a possibilidade de obter certificação, se demonstrasse ter posto em prática regras comparáveis para proteger as tartarugas marinhas (OMC, WT/DS58/AB/RW).

Como se verifica, em que pesem as normas americanas contestadas que versam sobre métodos de proteção de golfinhos e tartarugas serem semelhantes, exigindo-se praticamente as mesmas obrigações dos países exportadores, no sentido de se adequarem às regras internas americanas de proteção ambiental, o que o Painel tuna-dolphin, ainda no âmbito do GATT, classificou como extraterritorialidade, o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC interpretou de outra maneira, decidindo a disputa shrimp-turtle sob uma ótica em prol da prevenção, precaução e sustentabilidade do comércio. Concluiu o Órgão de Solução de Controvérsias que a negociação bilateral, plurilateral ou multilateral para proteção ambiental é sempre preferível à adoção de medidas unilaterais restritivas ao comércio, mas que os Membros podem e devem adotar medidas de proteção de espécies ameaçadas, desde que estas

medidas não sejam discriminatórias ou uma restrição disfarçada ao comércio.

Verifica-se uma nítida linha divisória entre a jurisprudência do GATT e da OMC, já sensibilizada à emergência de novos valores que o direito internacional prontamente incorporou. A decisão do Órgão de Apelação parece legitimar o uso de medidas comerciais de caráter unilateral para promover a preservação do meio ambiente, ainda que o objetivo visado ultrapasse os limites das fronteiras nacionais (AMARAL JUNIOR, 2008, p. 199 e 203).

Por outro lado, fica a interrogação, conforme sugerem HUFBAUER e KIM (2009), se o Órgão de Apelação aprovaria uma medida comercial contra um país com um avanço menor em determinada questão ambiental, citando como exemplo os Estados Unidos, que são dentre os principais atores do comércio, o mais lento no que se refere ao combate ao aquecimento global.