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3 A HISTÓRIA DA INFÂNCIA E O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

3.2 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE COMO UMA NOVA VISÃO POLÍTICA

Como já mencionado anteriormente, o Estatuto da Criança e do Adolescente é fruto de muitos movimentos sociais em prol da infância e adolescência brasileiras. A nova interpretação dada ao universo infanto-juvenil veio acompanhada de várias modificações nos conceitos de família, educação, socialização, trabalho educativo, menor infrator, saúde, entre outros. Da mesma forma, ocorreram modificações na percepção do que seriam os deveres e os direitos das crianças, dos seus responsáveis, do Poder Público e da sociedade em geral.

Na verdade, o ECA substituiu o antigo Código de Menores, que regulamentava os assuntos ligados à infância e adolescência, introduzindo, dessa forma, mudanças profundas e amplas nas políticas dirigidas à infância e adolescência brasileiras, gerando, inclusive, um reordenamento institucional. A diferença entre eles é que, enquanto o velho Código era um apanhado de leis mais punitivas do que educativas que limitavam os direitos dos chamados “menores”, o Estatuto trata a criança e o adolescente como pessoas que, em fase de formação e desenvolvimento, têm suas peculiaridades; por isso, com suas leis criam-se condições e oportunidades para que eles possam se desenvolver como cidadãos.

São algumas inovações do ECA a abolição das categorias ideológicas “menor” e “situação de risco”; a apresentação das crianças e dos adolescentes como pessoas em desenvolvimento físico, moral cognitivo e cultural; a priorização obrigatória da questão em todos os níveis da sociedade e do Estado; e a proteção à vida e à saúde da criança e do adolescente.

De acordo com Costa e Seda (1990, p. 9):

[...] a nova lei rompeu de modo visceral com os métodos e processos de elaboração legislativa que vigoraram há séculos em nosso país. Segundo o autor, não é nenhum exagero dizer que, literalmente, trata-se de uma lei pensada por milhões de cabeças e escrita por milhares de mãos.

Com a aprovação do ECA, foram reafirmados os direitos de cidadania das crianças e dos adolescentes, ou seja, o direito de estarem na escola, de morarem, de se alimentarem, de se divertirem e de participarem da vida social da localidade onde residissem. Esses direitos geram demandas e necessidades que precisam ser atendidas tanto pelo Poder Público quanto pela sociedade, e estão relacionados ao direito à vida e à saúde; à liberdade, ao

respeito e à dignidade; à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer; e à profissionalização e à proteção do trabalho.

O ECA trouxe, ainda, três novidades, bem como três avanços fundamentais para as crianças e os adolescentes, quando os considera como sujeitos de direitos, pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e prioridade absoluta.

As crianças e os adolescentes no Brasil tornaram-se sujeitos de direitos, equiparando-se aos adultos, conquistando o mesmo status de qualquer pessoa no que diz respeito a terem assegurado o exercício dos seus direitos fundamentais constitucionalmente consagrados. Outra mudança importante está relacionada ao tratamento dado como pessoa, em condição peculiar de desenvolvimento. Dessa forma, entende-se a criança como ser em formação, seja biológica, sociocultural ou psicológica. E por último, há a prioridade absoluta que delimitou o conceito de precedência da criança no que diz respeito à proteção e ao socorro, em quaisquer circunstâncias tem prioridade no atendimento pelos órgãos públicos. A criança, ainda, situa-se em posição privilegiada quanto à destinação de recursos públicos e como alvo primeiro da formulação de políticas públicas (BARREIRA, 2006).

Para Costa e Seda (1990, p. 8):

De fato a concepção sustentadora do Estatuto é a chamada Doutrina de Proteção Integral defendida pela ONU com base na declaração Universal dos Direitos da Criança. Esta doutrina afirma o valor intrínseco da criança como ser humano; a necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento; o valor prospecto da infância e da juventude, como portadoras da continuidade do seu povo e da sua espécie e o reconhecimento da sua vulnerabilidade, o que torna as crianças e adolescentes merecedores de proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado, o qual deverá atuar através de políticas específicas para promoção e defesa de seus direitos.

De maneira geral, a sociedade passou a ser corresponsável pelo desenvolvimento pleno das crianças e dos adolescentes. Como prevê o Estatuto, sua participação deve se dar em larga escala, desde o planejamento das ações que visam ao bem-estar infantil, até a implementação dessas ações e sua fiscalização. A efetivação do planejamento deve ocorrer principalmente por meio da criação dos Conselhos Municipais de Direito e dos Conselhos Tutelares, como está previsto no ECA, em seus art.os 88 e 131.

Aos Conselhos são determinadas algumas responsabilidades, tais como o dever de zelar, em nível municipal, pelo cumprimento de todos os direitos da criança e do adolescente, principalmente quando esses direitos estiverem sendo ameaçados e violados.

Aos Conselhos de Direitos compete deliberar as ações e as políticas municipais

partidária (a metade do total dos conselheiros pertence a entidades não governamentais). Assim, fica assegurada a participação popular, por intermédio de organizações representativas atuando em três frentes: político-administrativa, socioadministrativa e jurídica. Tais Conselhos, por sua natureza, são órgãos normativo, deliberativo e controlador da política de promoção, atendimento e defesa dos direitos da criança e do adolescente. O Conselho deverá ser criado por lei em cada esfera do governo.

Os Conselhos Tutelares são considerados órgãos permanentes e autônomos, não

jurisdicionais, encarregados pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente e fiscalizar as entidades de atendimento. Seus membros serão eleitos pelos cidadãos locais, para mandato de três anos. Suas atribuições são, portanto, eminentemente sociais. Suas decisões poderão ser revistas pela autoridade judiciária, a pedido de quem tenha legítimo interesse nisso (COSTA; SEDA, 1990).

A Lei também estabelece que em cada município deva haver no mínimo um Conselho Tutelar, o qual será composto de cinco membros, permitindo sua recondução. No art. 136 do ECA, estão previstas as atribuições do Conselho Tutelar:

I – atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII;

II – atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no art. 129, I a VII;

III – promover a execução de suas decisões, podendo para tanto:

a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança;

b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações.

IV – encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente;

V – encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência;

VI – providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as previstas no art. 101, de I a VI, para o adolescente autor de ato infracional;

VII – expedir notificações;

VIII – requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente quando necessário;

IX – assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente; X – representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal;

XI – representar ao Ministério Público, para efeito das ações de perda ou suspensão do pátrio poder.

No que se refere ao Poder Público, temos, na Constituição brasileira de 1988, o art. 204, que define a descentralização político-administrativa como uma das diretrizes para a realização das ações governamentais na área da assistência social:

Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:

I – descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;

II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

O ECA também faz referência a esse primeiro princípio como norteador das políticas que preconiza. De acordo com o ECA, portanto, o município tem uma posição de destaque na condução de suas ações, por meio de seus dirigentes, entidades, órgãos e habitantes.

O município é reconhecidamente a instância mais visível e próxima da população, lugar onde as relações políticas se dão com maior intensidade. Além de ter suas funções regidas pelo interesse público, a proximidade da comunidade lhe confere maior capacidade de captar e processar seus anseios e traduzi-los como objetivos expressos em ações efetivas e coerentes.

Cabe salientarmos que, com relação à função da família, no que diz respeito ao direito da criança e do adolescente, ela se concentra claramente expressa na Lei. O Estatuto da Criança e do Adolescente reafirma o direito à convivência familiar e comunitária, como já relatamos no art. 227 da Constituição Federal. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos e, para isso, precisam ter acesso, junto com a comunidade, à formulação das políticas básicas. Vale lembrar que está previsto no Estatuto que a pobreza não lhes retira os direitos nem os deveres, pelo contrário, as famílias têm direito à proteção, quando necessitarem.4

De acordo com Silva (2004), a família é a principal responsável pelo bem-estar físico e emocional das crianças e dos adolescentes, necessitando de infraestrutura econômica e social para cobrir demandas. É preciso, portanto, desenvolver ações que visem à melhoria das condições de vida da família para que ela possa arcar com suas responsabilidades, garantindo moradia, alimentação, educação, saúde e lazer para suas crianças e seus adolescentes.

O ECA, em seu art. 19, faz referência à situação econômica da convivência familiar:

Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

Nesse sentido, também foram alteradas as práticas de atuação destinadas aos adolescentes em situação de risco pessoal e social. Ao procurar solução para esses casos no seio da própria família, responsabilizando-a por eles, foge-se da solução fácil dos internatos, buscando outra forma de apoio, como a família substituta. A internação continua prevista, entretanto, depende de decisão judicial e é destinada apenas aos jovens que cometeram atos infracionais muito graves (SILVA, 2004).

O Estatuto da Criança e do Adolescente traz, ainda, considerações sobre a definição de família natural e família substituta. Família natural é a comunidade formada pelos pais ou por qualquer um deles e seus descendentes. Como se pode notar, não mais se distingue a família em razão da “oficialização” do casamento. Já sobre a família substituta, o ECA faz referência no que diz respeito à integração da criança nela, o que se dará mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou do adolescente (ECA, art. 28).

O ECA trata de algumas situações específicas, ou seja, dá um passo adiante ao prever as situações de proteção especial e de garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes, atendidos pela oferta de serviços especiais. São elas:

9 proteção especial: acontece por meio de ação social especializada, dirigida às pessoas e aos grupos que se encontram em circunstância especialmente difíceis, ou seja, em condições de vulnerabilidade tal que as coloquem em situação de risco social e pessoal; e

9 garantia dos direitos: mecanismos sociais e jurídicos asseguram o cumprimento dos direitos humanos fundamentais e também as conquistas em favor dos mais jovens.

Ainda segundo o ECA, dentro dessa filosofia, estão estabelecidas diretrizes básicas da política de atendimento de direitos da criança e do adolescente e as linhas de ação correspondentes, dispostas abaixo.

Diretrizes básicas da política de atendimento: municipalização do atendimento;

criação dos conselhos (municipais, estaduais e nacional); criação e manutenção de programas específicos, obedecendo ao princípio da descentralização político-administrativa; manutenção dos fundos (municipais, estaduais e nacional) vinculados aos respectivos conselhos; integração operacional dos órgãos envolvidos no atendimento de adolescentes, a quem se atribui autoria de infração; funcionamento de preferência em um mesmo local; e mobilização

da opinião pública, tendo em vista ser indispensável a participação dos diversos segmentos da sociedade para o êxito dessa política.

Linhas de ação da política de atendimento: políticas sociais básicas; políticas e

programas de assistência social, em caráter supletivo, para quem necessita; serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade ou opressão; serviço de identificação e localização de pais, responsáveis, crianças e adolescentes desaparecidos; proteção jurídico-social, por entidades de defesa dos diretos da criança e do adolescente.

As entidades e os programas de atendimento citados devem atuar de acordo com a política local, na orientação e no apoio sociofamiliar, apoio socioeducativo em meio aberto, colocação familiar, abrigo, liberdade assistida, semiliberdade e internação.

4 O ESPAÇO ESCOLAR NA PROTEÇÃO INTEGRAL E O RELATO DA

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